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Biblioterapia: A Arte de Curar pela Leitura

Rafael Oliveira*

 

A biblioterapia, termo criado pelo norteamericano Samuel McChord Crothers em 1 91 6 no artigo A Literary Clinic, combina os vocábulos gregos biblion (livro) e therapeia (cura), significando literalmente “cura por meio dos livros”. Desde então, essa prática tem sido consolidada como uma ferramenta valiosa para promover bem-estar emocional, mental e social.

Na Idade Média, os livros já eram considerados instrumentos capazes de aliviar as inquietações do mundo exterior e favorecer a reconexão com o mundo íntimo. Nos mosteiros, monges copistas e iluminadores trabalhavam em silêncio reflexivo, reforçando o papel transformador dos livros. Esse mesmo papel revelou-se essencial em períodos de instabilidade social, como as guerras, conforme ilustrado na obra  A Menina que Roubava Livros, de Markus Zusak.

Ao longo da história, a leitura demonstrou impactos positivos na saúde física e mental. Além de transmitir conhecimento, os livros entretêm, provocam reflexões, despertam emoções, promovem interações sociais e estimulam a criatividade. Aristóteles já defendia que a leitura de uma obra poderia gerar uma catarse, contribuindo para o equilíbrio psíquico e para a harmonia social, evitando, com isso, a repetição de comportamentos inadequados ou mesmo danosos para a sociedade.

Contudo, os efeitos da literatura nem sempre foram vistos como benéficos. No século XIX, o chamado “Efeito Werther”, cunhado pelo sociólogo David Phillips, evidencia o potencial de certas obras literárias para influenciar negativamente seus leitores.

Inspirado pelo romance Os Sofrimentos do Jovem Werther (1 774), de Johann Wolfgang von Goethe, o termo refere-se a uma onda de suicídios entre jovens leitores europeus que se identificavam com o destino trágico do protagonista. Ademais, especialistas sugerem que Goethe escreveu a obra como uma forma de expurgar a paixão (secreta) que nutria pela esposa de um amigo, conduzindo a personagem à morte como um desfecho cartático.

A biblioterapia consolidou-se como ciência no século XX, com a tese de doutorado de Caroline Shrodes, que estabeleceu suas bases teóricas. Shrodes definiu a prática como “um processo dinâmico de interação entre a personalidade do leitor e a literatura, visando liberar emoções e promover o crescimento pessoal de forma consciente e produtiva”. Com isso, a biblioterapia ganhou espaço na Biblioteconomia, Medicina e Psicologia, sendo aplicada no tratamento de ansiedade, depressão, solidão e diversas outras condições.

Mais do que entretenimento, a leitura regular estimula a criatividade, enriquece o vocabulário e fortalece a expressão pessoal. Estudos indicam que o risco de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer, pode ser reduzido ao manter o cérebro ativo. De acordo com a neurocientista Maryanne Wolf, a leitura integra funções visuais, auditivas e motoras, ativando áreas corticais ligadas à produção e liberação de neurotransmissores. Além do diálogo interno, essa atividade cerebral potencializa também a interação social e emocional.

A psicanalista Clarissa Pinkola Estés reforça essa visão, ao afirmar que “as histórias podem ensinar, corrigir erros, aliviar o coração, oferecer abrigo psíquico, auxiliar na transformação e curar feridas”. Assim, a leitura transforma-se em uma jornada emocional e terapêutica, capaz de acolher, curar e inspirar.

Em síntese, a biblioterapia surge como uma disciplina transformadora e multifacetada. Desde tempos imemoriais, os livros acompanham a humanidade, oferecendo refúgio, aprendizado e inspiração.

Reconhecer o poder terapêutico da leitura é valorizar uma ferramenta poderosa para nutrir não apenas a mente, mas também a alma.

 

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*Rafael Oliveira é poeta e médico.