Sacada Literária

Cultura, crítica e divulgação

Prof. Dino Cavalcante, coordenador do Dicionário de Personagens da Saga Maranhense de Josué Montello

O DICIONÁRIO DE PERSONAGENS DA SAGA MARANHENSE DE JOSUÉ MONTELLO

Mhario Lincoln*

 

A certeza de que, mais do que cultural, um dicionário tem uma vocação humanizante

 

(…) foi muito feliz a equipe construtora desse compêndio sinalizador: “DICIONÁRIO DE PERSONAGENS DA SAGA MARANHENSE DE JOSUÉ MONTELLO”, obra que reputo como uma das mais importantes dos últimos 10 anos, pelo que vi, li e resenhei, com o tom maior de Josué Montelo.

[Mhario Lincoln]

 

Para aqueles que buscam reviver e entender os momentos de vitórias e derrotas na formação da identidade maranhense, Josué Montello é essencial. Por isso, até onde posso alcançar, na minha cabeça ainda povoam, por exemplo, personagens como Abelardo e Alaíde, Mestre Severino e Lourença, Damião, Benigna, Dr. Lustosa, Major Ramiro Taborda, Malu e Ariana. Além disso, ouço a todo momento os eternos tambores que ressoam seus ritmos na velha São Luís-MA. Essas guaridas akáshicas são presenças constantes em citações nos meus textos ou estudo literários.

Esse – e dezenas de outros – é o universo criado por Montello, para mim, apesar de alguns críticos cabulosos se referirem a algumas significâncias de personagens femininos (explico mais abaixo), ele oferta em sua magnífica obra, uma visão profunda e envolvente da cultura e da história da terra onde nasci e me orgulho muito disso.

E agora, perdoem, por fugir do contexto, um pouquinho pois aproveito para confessar algo muito especial: com livros montelianos absorvi, de certa forma, educação, iluminação, até mesmo desafios, de, à certa altura de minha vida, enquanto jornalista diário, em dois principais jornais de São Luís, tratar as matérias que escrevia, de maneira mais regional (romanceada) possível solidificando uma das características de Josué.

Possivelmente isso tenha levado o Prof. Dr. Ferreira Andrade e Athayde (Doutor em Sociologia/SP) a escrever sua tese de doutorado com base nessas colunas distribuídas entre 1999 e 2001, onde ele, em sua justificativa, escreveu: “(…) essas colunas sociais mostram a evolução da própria imprensa opinativa e independente, ao longo desses últimos três anos, no Maranhão, através da visão filo-sócio-interpretativa do jornalista Mhario Lincoln. Suas páginas de uma centena, aqui reunidas, traduzem exatamente esse momento de transição tão cristalino, quanto a espontaneidade de seus textos (…)”.

Lembro isso, não com empáfia, nem soberba, mas para dar um testemunho de como Montello teve (e continua tendo) uma influência direta em todos os momentos em que precisei me postar de forma mais contundente e organizada em meus textos. Por essa influência que marca indubitavelmente a inspiração e a cultura, maranhenses, emerge a importância de Montello para a literatura do planeta livro.

Desta feita, com essa aplaudida publicação DICIONÁRIO DE PERSONAGENS DA SAGA MARANHENSE DE JOSUÉ MONTELLO, com um total de 1.802 verbetes, obra que resgata personagens que aparecem em 15 romances ambientados no Maranhão, a saga maranhense do escritor Josué Montello se espraia ainda mais no cenário mundial, graças à idealização feliz do  professor da UFMA, José Dino Costa Cavalcante com a colaboração da equipe formada por Mauro Cezar Vieira mestre em Letras e professor da UEMA com apoio das bibliotecárias Wanda França e Joseane Souza.

Vale ainda citar, de acordo com o flyer ao lado publicado, que essa iniciativa brilhante foi viabilizada através do Edital N. 17/21 Literatura da Fundação de Amparo à Pesquisa do Maranhão (FAPEMA), numa prova inconteste que nem tudo está sendo “esquecido” no mundo da arqueoliteratura gonçalvina.

Não li o dicionário ainda. Mas acredito que não passará despercebida nessa publicação a passividade das personagens femininas de Josué Montello, “em face do desejo materno e do impulso masculino de ambição social” (https://www.kuadro.com.br/).

De acordo com um texto publicado no site “Kuadro”, o assunto de “passividade” foi levantado a partir do caráter da jovem “Maria de Lourdes Silva, apelidada Benzinho”, que, segundo o texto,

(…) desde a infância, nada tem a ver com o tipo genuíno das jovens nordestinas, como aliás dos homens da região, onde a firmeza de caráter é a expressão mais representativa do temperamento nordestino, pela supremacia dos valores morais sobre os valores eróticos e sobretudo hedonísticos. 3Sendo esse romance dos seus vinte anos uma tentativa quase subconsciente de reação antirromântica, não é de espantar que essa adolescente dos subúrbios de São Luís, o bairro do Anil, se pareça mais com a sofisticada carioca Capitu do que com qualquer das Inocências, ou Moreninhas do romantismo de sua época.

O texto segue:

Benzinho, pela mão feiticeira de seu criador literário, que, aliás, colheu o modelo na vida real, passa ao longo do romance sem que o autor se aprofunde em qualquer análise psicológica da passagem de uma condição de vítima inocente à de uma representante típica, embora inconsciente, de um fenômeno sociológico, o da ascensão social, que, ao contrário do tipo habitual da mulher nordestina, coloca inteiramente de lado as razões do coração ou da sensualidade para se dirigir exclusivamente pela razão. (…). Quando, pela primeira vez, se entrega a um quase desconhecido, é levada exclusivamente por uma frase eventual de sua mãe, que lhe confidenciara a vontade de ter um neto. Há, absoluta ausência de sentimento passional e, no fundo, preocupações de tipo masculino mais que feminino. Não é a preocupação feminista de emancipação de seu sexo, mas a passividade em face de um desejo materno e o impulso masculino de ambição social (…).

Enfim, vale ressaltar, em definitivo, a importância da publicação do Dicionário de Personagens da Saga Maranhense de Josué Montello, mesmo porque, no contexto da literatura e cultura, brasileiras, esse trabalho não apenas valoriza e preserva o legado literário de Montello, como também serve como uma ferramenta educacional e acadêmica indispensável. Ao oferecer uma referência detalhada sobre os personagens, suas características e interações dentro da narrativa, vai facilitar o estudo e a análise literária para estudantes, professores e pesquisadores.

Além disso, a obra de Montello, profundamente enraizada na cultura maranhense, é um marco brasileiro. Há de se salientar, ainda, que essa obra de Cavalcante e equipe, fará dirimir dúvidas que possam povoar a cabeça do leitor, haja vista a complexidade monteliana, com tramas ricas e dezenas de personagens detalhados. Com toda a certeza o dicionário tornará a análise literária mais acessível, especialmente para aqueles que estão começando a explorar sua obra, podendo – e deve – ser usado nos estudos literários brasileiros, fornecendo material detalhado e organizado que pode ser utilizado em pesquisas, dissertações e teses.

Aliás, faço aqui uma comparação à obra do imortal Ubiratan Teixeira, Dicionário de Teatro, que, a partir desse lançamento, houve uma mudança significativa em todos os segmentos maranhenses que estudam ou praticam o teatro no Maranhão.

Basta abrir o compêndio que, logo, lê-se dois monstros sagrados apresentando a importância de uma obra dicionária de forma categórica e insinuante à leitura imediata de todo o contexto. Um, Nauro Machado:

este livro, pesquisado com fé de apóstolo e desenvolvido ao longo de muitos anos, no intervalo de uma escrita voltada para a criação literária de vários gêneros, é o testemunho de uma paixão exercida entre duas posturas de vida, pelo seu autor indissociáveis; na existência factual e no palco imaginário, como representação das inúmeras personas com as quais Ubiratan Teixeira revela a urdidura dos enredos que lhe exteriorizam o drama e/ou a comédia de pensar o ser e o mundo – esta forma teatral por excelência.

Outro, João Mohana (no prefácio original) diz:

(…) este trabalho de Ubiratan Teixeira nasce vigoroso, por não ter sido improvisado. É obra morigerada, enriquecida pela pesquisa atenta, teimosa, pela abertura inteligente, pelo faro objetivo com que o autor soube triar o essencial do acessório, pondo nas mãos do leitor um instrumento categorizado. Além disso, trata-se de um livro útil ao processo de comunicação: os dicionários ganham cada vez mais função iluminadora. (…) em plena Idade Média, Nicolau de Cusa mostrava a seus alunos o valor do vocábulo preciso, da palavra bem conceituada no processo reflexivo. Ora, este é o papel de um dicionário. Mais do que cultural, o dicionário tem uma vocação humanizante, pois tudo o que contribui para aproximar os homens, humaniza.

Como se vê, foi muito feliz a equipe construtora desse compêndio sinalizador, DICIONÁRIO DE PERSONAGENS DA SAGA MARANHENSE DE JOSUÉ MONTELLO, obra que reputo como uma das mais importantes – grosso modo – dos últimos 10 anos, pelo que vi, li e resenhei, com o tom maior de Josué Montello.

Confesso ainda: estou deveras ansioso para ter em minhas mãos essa obra!

 

Foto – Fonte: https://www.facetubes.com.br

 

 

 

Mhario Lincoln é jornalista, presidente da Academia Poética Brasileira.