PAULO RODRIGUES ENTREVISTA O POETA SEBASTIÃO RIBEIRO
Sebastião Ribeiro (1988, São Luís – MA) é poeta e professor de Língua Inglesa, graduado em Letras pela Universidade Estadual do Maranhão. Premiado com o 2º lugar do 23º Festival Maranhense de Poesia Sousândrade (Poemará 2010), organizado pela Universidade Federal do Maranhão. Publicado em antologias, diversos espaços virtuais e revistas literárias, como Macondo, Samizdat, Mallamargens e 7faces, entre outras. Componente da obra “Acorde” (Scortecci, 2011), com Igor Pablo Dutra e Wesley S. S. Costa; autor de “&” (Scortecci, 2015), “Glitch” (Scortecci, 2017), “Memento” (Penalux, 2020), “Ménage – Antologia Trilíngue de Poesia” (Helvétia Éditions, 2020), com Antonio Aílton; “Outro” (Penalux, 2022) e “Solo” (Litteralux, 2024 – premiada com o 2º lugar do Prêmio Claudio Willer de Poesia 2023, realizado pela União Brasileira de Escritores (UBE-SP).

- Paulo Rodrigues – Sebastião Ribeiro, qual é o lugar da poesia na sua vida?
Sebastião Ribeiro – Posso dizer que, por muitas vezes nos últimos 15 anos, a poesia foi o único lugar que sentia ter na vida, ou pelo menos o lugar onde me entendia, me enxergava. É onde me escondia e me revelava, me conhecia e me elevava, mais uma coisa que a outra por vezes, dependendo de onde eu estava e o que fazia no mundo. Então o lugar dela é de destaque, é do meu íntimo, mesmo que a publique e fale dela por aí. Digo isso sem romantismo ou nostalgia gratuita. É uma manifestação da minha existência além da previsível expressão. Curioso que, hoje, só posso dizer isso por causa de uma pergunta feita pelo meu primeiro professor de Literatura, Raimundo Nonato de Assis Marreiros, que ensinava no Centro de Ensino Médio Bernardo Coelho de Almeida, no Centro de São Luís: “— Sebastião, você escreve bem. Já tentou escrever poesia?”. Isso foi em 2002. Arrisquei e não parei. E aqui estou.
- Paulo Rodrigues – Você pode comentar um pouco sobre as suas principais influências na poesia?
Sebastião Ribeiro – Confesso que sempre achei a questão da “influência” na arte literária algo um pouco difícil de explicar, ao menos em minha experiência – que é única, como a de cada ser humano, artista, poeta ou não. Falar de influências também passa pela percepção que outras pessoas possam ter do nosso trabalho ou pelo que o mundo espera que falemos delas. Logo, para alguns poetas seria mais simples dizer que iniciaram seu fazer poético ou foram impelidos a fazer poesia por causa de um autor ou outro. Não é o meu caso. Claro que posso citar leituras que me ajudaram e ajudam a construir e sustentar a coluna da poesia e, principalmente, entendê-la, por exemplo, Nauro Machado, Carlos Drummond, Murilo Mendes, Fernando Pessoa… Considerando somente o literário, posso ainda destacar o poema “Como armar um presépio”, de João Paulo Paes, que li quando tinha por volta de 10 anos em um livro didático e que, hoje, reconheço como um catalisador para a força literária; a leitura de “As Flores do Mal”, de Baudelaire, lá por meus 16 anos; a poesia de Neruda em “Cem Sonetos de Amor” e “Jardim de Inverno”, além da íntegra do “Poema Sujo”, de Ferreira Gullar, que me arrebataram no começo da idade adulta.
Voltando para concluir a ideia, acima defini como “difícil de explicar” a questão da influência, porque não me sinto influenciado estritamente pela arte literária. No começo, era o que deveria ser feito, ler muito e ler sempre, mas entendo que o que deu vida e sentido e definiu melhor o contorno da minha poética foram (e são) outras formas de Arte. Minha poesia acaba sendo meio que um produto dos estímulos que a música e as artes visuais, por exemplo, trazem. Toda Arte, como a vida, não só influencia, mas exige uma resposta de mim, que só consigo trazer pela poesia (por enquanto).
- Paulo Rodrigues – Sebastião Ribeiro, como você avalia a poesia contemporânea maranhense?
Sebastião Ribeiro – Admito que não consigo comentar sobre a produção contemporânea em nosso estado somente como leitor ou somente como poeta, também considerando que sou parte da turma. Dessa maneira, avalio-a como potente, variada e agregadora. Potente pela qualidade, o trabalho estético e o compromisso dos autores em cultivar suas vozes únicas e a originalidade, dentro do esperado em um mundo hiperconectado; variada, pois percebo diferentes temas, espaços e exploração de possibilidades formais e do sentimento, tanto na poesia que está consolidada quanto a dos mais recentes, como eu; e agregadora, pois sinto que continuamos em um processo de reconhecimento e valorização do que é produzido em todo estado e não apenas na capital, e como se torna essencial manter o diálogo com diferentes poetas e diferentes realidades, o que enriquece e fortalece a literatura maranhense, colocando-a em destaque no que se produz nacionalmente.
- Paulo Rodrigues – O poeta e tradutor Paulo Henriques Brito comentou numa entrevista: “A tradução é uma forma de escrita literária”. Você também é um exímio tradutor. Concorda com o mestre?
Sebastião Ribeiro – Agradeço a bondade pelo “exímio” (risos). Devo dizer que concordo plenamente com a fala do Brito, já que o exercício de tradução literária, um trabalho honesto e comprometido com a expressão artística, é muito mais que calques. Exige referências, pesquisa, atenção, conhecimento de causa e leitura de vida – aspectos que não diferem muito do necessário para o fazer literário “original”, assim por dizer. Há uma necessidade de reflexão e transcriação, inúmeras vezes, seja qual for o caminho: língua estrangeira para materna ou vice-versa. Ainda que o texto final tenha se alimentado basicamente do original, ele carregará uma identidade a mais, uma faceta algo que nova e parte da experiência do tradutor, além de permitir o acesso de outros em suas próprias experiências, abrindo possibilidades ao leitor monolíngue (mesmo entre tradutores online e inteligências artificiais) que talvez ele nunca acessaria; dessa forma, o texto traduzido se faz (tomadas as devidas proporções) objeto artístico independente.
- Paulo Rodrigues – Meu poeta, comente o processo de elaboração do livro “Ménage” que você fez com Antonio Aílton. Foi difícil organizar uma antologia trilíngue?
Sebastião Ribeiro – Ménage foi desafio, mas principalmente uma experiência enriquecedora. Falei um pouco sobre o processo em um artigo do Sacada Literária impresso, que saía no JP Turismo (edição de 1° de julho de 2021), mas quero destacar o momento da ideia, que foi do Ailton, inclusive, quando estávamos a caminho de uma das edições do sarau Na Pele da Palavra, em Caxias – MA, organizado pelo querido e saudoso Carvalho Junior. Eu e Aílton levamos o projeto a cabo durante 2020. Considerando que não sou um tradutor profissional e todas as peculiaridades da poética ailtoniana e a minha própria, além do processo em si de organizar e editar um livro (que sabemos não é simples, nem rápido), posso dizer que passei e saí do processo mais experiente e sensível em relação à escrita. Encarar e levar à frente um projeto como esse foi um ato de coragem e confiança na força de nossas poéticas, na possibilidade de oferecer parte da tradição literária do estado para o mundo.
- Paulo Rodrigues – O livro SOLO, premiado em 2023 com o 2º lugar do Prêmio Claudio Willer de Poesia da UBE de São Paulo, representa um amadurecimento na poética de Sebastião Ribeiro?
Sebastião Ribeiro – Se tomarmos a palavra “amadurecimento” no sentido de “melhoramento”, ou como oposição a algo que estava imaturo, não creio que posso dizer que houve um. Mas no sentido de “fortalecimento”, digo que sim, houve amadurecimento, pois, o momento emocional que exigiu aqueles poemas causou algum crescimento. Posso falar que houve amadurecimento também no que se refere ao uso cada vez mais consciente e objetivo (à minha maneira) da linguagem poética. A experiência que vou ganhando na vida acaba por me fazer um poeta mais experiente, também. Felizmente, esse crescimento foi percebido pelos pares, pelos leitores e pelos representantes da UBE, o que me trouxe mais confiança de que devo continuar trilhando a poesia.
- Paulo Rodrigues – Os prêmios literários atraem os leitores?
Sebastião Ribeiro – Acredito que sim, visto que, apesar de não serem essenciais para atestar a qualidade, popularidade e/ou influência de uma obra, ajudam a evidenciá-la no contexto de produção literária (onde se produz muito), recepção (onde se lê pouco) e do mercado no Brasil (onde se vende pouco). Um reconhecimento literário é interessante também por ajudar a criar e manter o diálogo sobre uma obra, levando o nome do autor a outros cantos, onde, espera-se, a curiosidade pela sua produção seja despertada.
- Paulo Rodrigues – Você diz no poema GALVANISMO: “Talvez eu/ que ainda busco esperante/ de olhos fechados/ várias espécies de salvação”. O poeta vê na poesia uma salvação?
Sebastião Ribeiro – Espero que sim. De alguma forma, em algum nível. O cultivar e internalizar a Arte, o expressar-se, o autoconhecer-se são processos que me remetem à busca da (s) verdade (s) (por mais duras que possam ser), algo de âncora, de espelho onde o humano se entende e se partilha. A Poesia também é espécie de refúgio, espaço de liberdade, lugar onde se encontra algum conforto, tomadas as devidas proporções e idiossincrasias. Mas não esqueçamos que, toda busca ou tentativa de salvação, carrega riscos, se aposta algo. A salvação pela poesia não é necessariamente remissão ou arrebatamento.
- Paulo Rodrigues – Deixe uma mensagem para os nossos leitores.
Sebastião Ribeiro – Leiam. Leiam sempre e leiam de tudo, mas fundamentalmente, leiam o que desafia, o que não se conforma, o que questiona, o que expande os horizontes de dentro para fora. Permitam-se o diferente, o novo. Temos um grande número de autores maranhenses, especialmente os contemporâneos, abertos a novas leituras. Deliciem-se!

POEMAS
[Sebastião Ribeiro]
Andábatas
Algo nele não voa
penso que os lábios
me gruda à poltrona
como se eu fosse
apenas menção informe
da galáxia primordial
Daqui seus olhos
não reinventam a beleza
mas me lançam
ao que um dia será morte
Suspenso na distância
ele desatado eu cindido
encontro algo meu no
sentido do que é longe
Algo voa além de nós
pobres lebres arrebatadas
Não há desaviso quando
batalhamos no escuro.
Sorte
Quando Vênus me busca da varanda
me concentro no rastro dos foguetes
de Alcântara
estranho
algo se denuncia
algo de pressa e mar bravio
O mundo quebra em minha costa
Pousado em névoa
espero em tudo a chuva fraca
há dias em que não se sabe
o que fazer com a bonança
Esses tropeços que
a ciência previu antes do homem
é por se seguir em frente
mesmo que a Quina não chegue
seu amor foda outro contra a parede
ou se imagine estourando o miolo
de um fura-fila
mesmo nesse milagre
nas plantas de supermercado.
Propósito
Herdeiro do próprio reflexo
em meus termos sorvo o fruto
mundano da árvore néscia
tramo uma dor supérflua
acessória ao único corpo
que posso queimar
fracionado apesar do piso
dos índices cinemáticos do
governo cresci
além do broto pisado
de meu sorriso metálico
protubera a mesquinhez
Cogito ascese com um
pedaço de filé na boca
descalço maldigo o nome
do que desistiu de mim
Descalço consulto o tempo
costuro as órbitas do afeto
em rede social
sustento: o que tenho
é fascículo de destinos
– o que não –
mostras do eterno
longe dos corpos que tive
das partículas do que fui
imagino em meu caminho
algo do suspiro
daqueles deuses convulsivos
entranhados nas paredes
da Unidade 731
Homofobia
I’ve lost the will to fight
I was not made for life
(Age of Adz, Sufjan Stevens)
i.
Fato que
o tempo está cozido
na carne da mãe vazia
e do filho que foge
ele brinca entre
hérnia e cólica
pesado a quem
apenas vive
ii.
Sobre a coragem
existiu um poema enterrado
tropeça no desespero
comendo moscas e formigas
iii.
Ando e resumo o passo
já absorto na ideia: quando
me montaram haveria
quem previsse do meu
mundo a queda?
iv.
Incerto se o sonho
é a ladeira que escalo
ou o beco que me sobra
após o coma
em ambos havia piche
nas asas agora ossos
v.
Uma vez no mundo
busco ou persigo?
Estar aqui
é dissolver na lama
que se evita
no vapor do escarro?
vi.
Do muro de barro
caído me fiz apenas
vidro
não mais
vista de sal da baía
não mais
festim de beijo
fui da queda
a fuga do sonido
vii.
Para outrem sou
o outo
do outro se mantém
o túmulo
do reflexo não se exuma
o dente
do igual não se expia
a tripa
viii.
O menino que se fura
que anda e se corta
que se deita e desloca
que levanta e se atira
que descende e se quebra
ignora o fim da esper/
Solitude
A cabeça oferecida
a boca aberta
claramente Bacon
me pintaria
nenhuma canção de 3 min
que me possa explicar a vida
as notas em clausura
afastadas na sala
a ventania na procela
o olhar para cima
se desprende do que vê
órbitas em ânsia de foguetes
querem muito qualquer coisa
que ame os anjos de todos
os enforcados
é sempre um vulto
um acalanto vindo da tevê
ou caio sozinho ou
servirei cem versões de um
louco perguntando
o que que há?
Ritmo
As teias sob a mesa
valsam
durante essa canção
vinda de meus ossos
logo
pelo interior dos dias
tudo será música
sem efeito
sem moedas no chão
durante o passeio
sem fotografias
das mãos
dele
desejo profundo
em iniciar algo
de 3 em 3 dias
portas fechadas
1 vez p/ mês
sonhos
quinzenais
deveriam revelar
um degrau ou outro
porém
esse registro único
que não consegues
provar da minha
saliva
suporta-se escuro
durante
a última execução
do dia
daquela Canção
de Ossos
feat.
A Orchestra do Ônibus Antigo
que me deposita
na cama
Aguarde
um tarô de marselha
na gaveta de cuecas
um novo testamento
cinco anos de poeira
estrelas em 144p sobre
a casa que não deixo
mãos que os dias
me previnem de reparar
litomante talvez seja
fui menino entre britas
gozado um ano de duas
metas estar acamado
derradeiro não um
suspiro mas assovio
já resido no som
que a janela busca
fé e perigo
entre galopes
sorrio por minha figura
que muda a cada hora
sinto o mormaço das
pausas de minha fala
nem arautos
ou meteoritos nem
palmas na porta nem
sonhos com vacas
nada aponta quando serei
tomado pelas panturrilhas
Isca
Entrego-me ao anzol
até nada parece muito
Do necessário, fujo
até o sufoco é válido
Te singro alucinado
ardo, quando te resfrio
A fome de brilho tanta
no escuro tudo formiga
Turvas nossas buscas
no silêncio, esperamos
Tateamos nos sonos
universos em comum
Em quem se escondia
o golpe de misericórdia
Em nós, quem lançava
quem degustava a isca.
***
Paulo Rodrigues, entrevistador, é poeta e jornalista.
Sebastião Ribeiro é um poeta enorme. Sabe nos atravessar com uma poesia humana e dramática. Parabéns!
Obrigado, querido poeta e amigo! Fico feliz pela entrevista e que minha mensagem tenha te tocado! Abração!
Uma excelente matéria