Macabéa desvairada é poesia no palco
Andréa Oliveira*

A coleção de poemas de Lúcia Santos reunida em Macabéa desvairada, seu sexto livro, tem ginga de palco com bossa de mulher que pisa firme e ao mesmo tempo leve no mundo. Eles saltam da página e dançam, com ironia e desejo ainda que gritem dores, ausências, saudade. Gosto quando os poemas trazem a voz de quem os escreve e com Lúcia, mais do que ouvir, eu a vejo incorporando cada palavra, acentuando onde quer as tônicas, as pausas, o entre dentes.
bora dançar na chuva
garoar na praça
respingar na tarde
o ar da graça
Como observadora do mundo e do submundo de si e de quem a atravessa, ela usa as palavras com intimidade, seja na rima ou no trocadilho, em tempos de paz ou na guerra do amor que é ou não é. Em seu desvario, Macabéa vai lambendo os duplos sentidos enquanto envia pistas falsas. Doma verbos, pisa em brasas e mastiga metáforas como se fosse chiclete, tudo para parecer fácil a trama intrincada de mensagens cifradas desse seu diário íntimo e público.
susto de borrar batom
fevereiro arromba a porta e
nem entrei no réveillon
A certa altura do livro, Lúcia captura poemas na cidade que inventa por trás de uma câmera. minha esquina/ tem uma fresta/ folhas se sentem em casa. Seus instantâneos trazem a voz das esquinas e a sua também, no contraplano, com olhos acesos encarando os bichos de rua ou no exercício de delicadeza sobre o amor de Tonico e Socorro.
[…] meu pai segura com força na eternidade. delicadamente, nas mãos de minha mãe.
Os poemas dançam ainda mais quando o livro convida a ouvir o álbum eu não quero prosa se não for pra tanto, que reúne poemas seus transformados em música. Com produção de André Bedurê, o disco está nas plataformas digitais, mas as letras das canções moram também nesse livro bordado de vermelho pelas mãos da designer Andréa Pedro. Abre com a voz de Ceumar e vai seguindo com Bedurê, Nô Stopa, Gugs, Chico César, Verônica Sabino, Zeca Baleiro, Bruna Moraes, Daíra e Duda Brack, Rubi, Gisele de Santi, Nosly, Roberto Sampaio até fechar com Anastácia.
Gosto de ouvir o álbum todo e sempre faço bis em Último Post, parceria dela com Zeca Baleiro. Nada, nada brilha/Como os olhos de quem ama/Chama que inflama o dia/Pó da poesia/Sol da canção.
Na palavra ou na imagem, Lúcia não canta sozinha. Em sua ciranda giram muitas mulheres, de antes, de hoje e as que virão, mas primeiro entram aquelas que mostram a língua ou o dedo em riste, olham nos olhos, chutam o balde, dançam na chuva e fazem respingo virar tempestade.
Andréa Oliveira, escritora e jornalista
*
Lúcia Santos. Fonte: divulgação
Sobre Lúcia Santos, biografia/poemas:
https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%BAcia_Santos
https://dinodealcantarablog.files.wordpress.com/2021/06/lucia-santos-1.pdf
https://www.germinaliteratura.com.br/2013/lucia_santos.htm
Você pode ter perdido
Aluno de Letras da UEMA/Campus Itapecuru resenha o conto COLHEITA, de Lindevania Martins
Aluno de Letras da UEMA/Itapecuru resenha o livro A CAMISETA DE ATLAS, de Antonio Aílton
Arte [e literatura] nos cursos de Medicina