Sacada Literária

Cultura, crítica e divulgação

Noite-estrelada-sobre-o-Rodano-Van-Gogh-1888

RAIMUNDO SOARES – poema

SEMPREVIVA, ESBOÇO

 

É estranho está aqui e escrever

E saber que ninguém vai ver

Não há olhos próximos fora os meus

Não há nada lá fora hoje

É julho e a noite é quente

E não há ninguém que possa ler

O que estou a escrever

 

 

É noite e não sinto teus olhos

Estou só aqui e desejo que as coisas passem

Eu que queria estar contigo agora

Eu queria estar levemente bêbado e feliz

Tua mão em minha mão teu riso em meu riso

Mas que importa agora

Se estou sozinho aqui

E ninguém me lê?

 

Itapecuru-Mirim – MA, Praça da Prefeitura.
Fonte: https://www.abrahao.com.br

Ah Itapecuru, as horas estão mornas

As horas todas estão assim

Carvalho esteve aqui quantos anos faz?

Viu teu dia colheu tua noite

Ah, Itapecuru, que é a vida

Que nos afeta a todos? E a morte

Essa coisa caprichosa

Leva os melhores primeiro

 

Meu amigo escreveu um livro azul

Um livro inicial na noite de Itapecuru

E ele ergueu bem alto

A tocha azul de suas memórias

Também há um eremita na encruzilhada

Guardando os dias da poesia

É um guerreiro de alma antiga

Que maneja uma lança pesada

E um ornamentado escudo

 

Também o pintor que pintou de verde

As avenidas principais, ele tingiu a terra

Com tinta amarela colhida do rio

E montou uma galeria de paisagens

No meio da ponte, oh Itapecuru

Tuas cores estão salvas em telas e quadros

Mas nem a arte salvará os dias

 

Encontrei flores em campos sonoros

Eu guardei o nome para não esquecer

Mas hoje não há flor nem nada

Apenas um nome escrito na saudade

Como uma estátua de sal

Na paisagem do dia as cores vazadas

Te guardei em poemas e dilemas

Eu que não queria nada

Hoje só não quero esquecer.

 

E onde está quem cantei primeiro?

Onde anda quem nunca teve nome?

Até parece um sonho à sombra dum catavento

Vai, corre, menino! Uma parede de fogo e fumaça

Cresce no horizonte

Vai, chama teu avô, ele conhece encantaria

Ele chorou antes de nascer

Assim a vó mais velha me contou

 

Salve, minha mãe, sua bênção mais uma vez

Quanto tempo não vejo o imperador que está longe?

Vejo o lilás quando as horas estranham sozinhas

Vai irmã, coloca mais livros em tua lista

Ninguém tem asas como as tuas

Pequena irmã entra no navio

Que no horizonte começa o inverno

 

E assim cresce o grande pé de azeitonas

Maior que qualquer prédio

Mais belo que qualquer igreja

Guardei para mim as estrelas azuis

que iluminavam campos vazios

eu que vesti armadura completa

eu que não queria nada

hoje só não quero esquecer.

 

 

 

 

 

*Raimundo Soares, poeta nascido em Itapecuru-MA