Juliana Madna Amorim Mendes*
“– A liberdade não pode ser um privilégio da raça branca, porque é uma aspiração natural da condição humana. Toda restrição à liberdade constitui uma violência contra essa aspiração. Ninguém têm o direito de sequestrar um ser humano, privando-a da dignidade essencial da sua liberdade. E é isso que se vem fazendo aqui, com os negros e os seus descendentes. Vocês são livres e são moços: não permitam que haja escravos no Brasil! O cativeiro é um crime, e um crime coletivo, de que toda a Nação é responsável! Crime da Nação contra si mesma! Crime do homem contra a humanidade! À entrada dos nossos portos, poderia ser colocado este aviso: “Aqui se vendem homens, mulheres e crianças, para trabalharem a vida inteira debaixo do chicote.””
Os Tambores de São Luís de Josué Montello é um romance épico que traz em sua narrativa o entrelaçamento do texto ficcional com adições de personagens e momentos históricos que ocorreram em São Luís, capital maranhense. Publicado em 1975, resenho a 4ª edição, publicada em 1981, no Rio de Janeiro pela Livraria José Olympio Editora, no total de 495 páginas.
O enredo se inicia com a ida de Damião, personagem principal, à casa de sua bisneta para ver o seu trineto nascer. Partindo a pé, por não ter encontrado um carro de aluguel, o senhor de 80 anos, traz em suas memórias a sua saga, desde sua infância até a vitória dos negros, quando finalmente são libertados.
O romance traz o lado humano, mostrando como a sociedade da época vivia, toda a sua estrutura é montada a partir de flashbacks que Damião relembra durante sua caminhada. No início de seu trajeto, encosta num botequim, para acender seu cigarro, mas presencia dois corpos que foram assassinados, um sendo o dono do local, e o outro pelo que reparara não era da cidade, pois vestia roupas estrangeiras. Ele deixa tudo como estar e segue seu caminho. Relembra sua vida no quilombo com sua família, suas capturas, a volta para a fazenda em Turiaçu, os castigos sofridos, a morte do pai, a separação de sua mãe e irmã, sua ida para a capital da província, São Luís. Já na cidade grande, passa a cursar o seminário para ser padre, mas o preconceito de cor, como colocado no livro, impede-o de seguir a ordenação.
Conhece Genoveva Pia, uma mulher guerreira e que ajuda nas fugas dos negros nas madrugadas, passa a morar na casa dela, mas nunca deixa de visitar seu bom e velho amigo, o padre Policarpo. Após a morte do padre, Damião se casa com a filha de seu amigo, chamada Aparecida e tem dois filhos, Janu e Balbino, Janu se casa e Balbino vai embora para o exterior, morar em Liverpool. Passa a lecionar no Liceu Maranhense, no entanto com a morte covarde de Genoveva, ele transmite um discurso a todos do colégio sobre o crime contra sua amiga e causa seu afastamento do Liceu. Anos depois Aparecida morre. ele passa por momentos difíceis, sem emprego, começa a beber pelos largos do Centro Histórico. Conhece Dona Santinha, que o acolhe, tirando-o da vida boêmia e relembrando que ele deveria estar lutando e ajudando os negros que ainda são escravos, arruma emprego para ele e passa a cuidar como se fosse seu filho.
Damião cria um grupo abolicionista e interfere em diversas situações que são injustas para os negros, se envolve no Caso da Baronesa de Grajaú, e sempre estar ajudando os negros até que vivencia duas grandes conquistas, a libertação dos escravos com a Lei Áurea e a conquista de Benigna, por quem sempre fora apaixonado. O livro finda-se com ele colocando o nome do trineto de Julião, nome de seu pai, e recebendo no dia seguinte, ao acordar, a notícia, através de Benigna, que houvera um assassinato no botequim, e que um dos mortos era um homem de meia idade que viera de Liverpool visitar o pai que não via há anos.
Josué Montello discorre a narrativa em terceira pessoa, com mais de 400 personagens, alguns são figuras históricas, como a Donana Jansen, Ana Rosa Ribeiro (Baronesa de Grajaú), ambas conhecidas como senhoras sadistas que praticavam torturas a seus escravos, o promotor Celso Magalhães, o desembargador Pontes Vergueiro, o poeta Gonçalves Dias, o escritor Viriato Corrêa, o escritor Dunshee de Abranches, a Princesa Isabel, seu pai Antônio Bernardo Montello, entre outros.
Traz uma descrição detalhista dos casarões do centro histórico, ao ler, estamos a fazer um passeio turístico pela São Luís do período oitocentista imperial. Há também o retrato do cenário cultural, político e econômico, o dia a dia das fazendas, a relação senhor/escravo, a discussão da real face das leis contra a escravidão que foram surgindo, como a lei do ventre livre e a lei dos sexagenários. O livro simplesmente se chama Os Tambores de São Luís, porque durante todo o trajeto que Damião percorre de sua casa a casa da bisneta, da sua chegada a São Luís ainda moço, até seu reencontro com Benigna, sempre se ouve o rufar dos tambores da Casa das Minas “e até ali lhe seguiram os tambores”, simplesmente maravilhoso a narrativa, sempre ouvindo os tambores.
Josué Montello, nasceu em São Luís do Maranhão, em 21 de agosto de 1917 e faleceu no Rio de Janeiro em 15 de março de 2006. Fora diretor da Biblioteca Nacional, do Museu de República, Museu Histórico. Fora membro de inúmeras academias nacionais e internacionais, entre elas a Academia Brasileira de Letras, foi o mais novo a entrar na ABL e o mais velho a sair, sendo que faleceu aos 88 anos. Publicou romances, ensaios, novelas, peças teatrais, crônicas e livros infanto-juvenis. Ganhou diversos prêmios e condecorações nacionais e internacionais, sendo considerado autodidata, deixou um arcabouço literário valoroso a literatura brasileira, fonte de estudos até os dias atuais.
Essa fora a primeira obra de Josué Montello que tive o prazer de realizar a leitura, indico, pois além de ser um romance que te prende, ele nos mostra a história nua e crua dos nossos antepassados, te convido a ouvir Os Tambores.
Os Tambores de São Luís
Ano: 1981 / Páginas: 495
Editora: Livraria José Olympio
Resenha de minha autoria, disponível também no meu endereço eletrônico: Os Tambores de São Luís – Abelha Literária (wordpress.com)
* Graduada em Letras Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Estadual do Maranhão, graduada em Pedagogia pela Faculdade de São José dos Campos, Especialista em Literatura e Ensino pela Universidade Estadual do Maranhão, graduanda em pós no curso de Educação Especial e Inclusiva e Neuropsicopedagogia Institucional e Clínica no Centro Universitário Faveni. Escritora, professora da Educação Básica, contato: [email protected].
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