Tradução por Sebastião Ribeiro*
Alba
A translation for Russ Fitzgerald
If your hand had been meaningless
Not a single blade of grass
Would spring from the earth’s surface.
Easy to write, to kiss—
No, I said, read your paper.
Be there
Like the earth
When shadow covers the wet grass.
Alba
Uma tradução para Russ Fitzgerald
Se tua mão não tivesse sentido
Nenhuma lâmina de grama
Brotaria da face da terra.
Fácil de escrever, de beijar…
Não, eu disse, lê teu jornal.
Fique aí
Como a terra
Quando a sombra encobre a grama orvalhada.
______________________________________________________________________
Dear Lorca,
I would like to make poems out of real objects. The lemon to be a lemon that the reader could cut or squeeze or taste – a real lemon like a newspaper in a collage is a real newspaper. I would like the moon in my poems to be real moon, one which could be suddenly covered with a cloud that has nothing to do with the poem – a moon utterly independent of images. The imagination pictures the real. I would like to point to the real, disclose it, to make a poem that has no sound in it but pointing of a finger.
We have both tried to be independent of imagines (you from the start and I only when I grew old enough to tire of trying to make things connect),to make things visible rather than to make pictures of them (phantasia non imaginary) . How easy it is in erotic musings or in the truer imagination of a dream to invent a beautiful boy. How difficult to take a boy in a blue bathing suit that I have watched as casually as a tree and to make him visible in a poem as a tree is visible, not as an imagine, or a picture but something alive – caught forever in the structure of words. Live rooms, live lemons, live boys in bathing suits. The poem is a collage of the real.
But things decay, reason argues. Real things become garbage. The piece of lemon you shellac to the canvas begins to develop a mold, the newspaper tells of incredibly ancient events in forgotten slang, the boy becomes a grandfather. Yes but the garbage of the real still reaches out into the current world making its objects, in turn, visible- lemon calls to its lemon, newspaper to newspaper, boy to boy. As things decay they bring their equivalent into being.
Things do not connect; they correspond. That is what makes it possible for a poet to translate real objects, to bring them across language as easily as he can bring them across time. That tree you saw in Spain is a tree I could never have seen in California, that lemon has a different smell and a different taste, BUT the answer is this – every place and every time has a real object to correspond with your real object- that lemon may correspond become this lemon, or it may even become this piece of seaweed, or this particular color of gray in this ocean. One does not need to imagine that lemon; one needs to discover it.
Even these letters. They correspond with something (I don’t know what) that you have written (perhaps as unapparently as that lemon corresponds to this piece of seaweed) and, in turn, some future poet will write something which corresponds to them. That is corresponds how we dead men write to each other.
Love,
Jack
*
Prezado Lorca,
Eu gostaria de criar poemas de objetos reais. O limão ser um limão que o leitor pudesse cortar ou espremer ou sentir o gosto – um limão de verdade, como um jornal numa colagem é um jornal de verdade. Gostaria que a lua em meus poemas fosse uma lua real, que pudesse ser repentinamente coberta por uma nuvem que não tenha nada a ver com o poema. Gostaria de apontar para a vida de verdade, a revelar, criar um poema que não tenha som em si mas o apontar de um dedo.
Nós dois tentamos ser independentes de imaginares (você desde o começo e eu somente quando envelheci o bastante para cansar de tentar fazer as coisas se conectarem), tornar as coisas visíveis em vez de criar imagens delas (fantasia não imaginária). Como isso é fácil em transes eróticos ou na mais verdadeira imaginação de um sonho, inventar um rapaz bonito. O quão difícil é trazer um rapaz numa sunga azul que eu casualmente assisti como uma árvore e torná-lo visível num poema como uma árvore é visível, não um imaginar ou uma imagem, mas algo vivo – preso para sempre na estrutura das palavras. Cômodos vivos, limões vivos, rapazes de sunga vivos. O poema é uma colagem do real.
Mas as coisas se deterioram, a razão argumenta. Coisas reais se tornam lixo. A fatia de limão que você enverniza no canvas começa a mofar, o jornal fala sobre eventos incrivelmente antigos numa gíria esquecida, o rapaz se torna avô. Sim, mas o lixo do real ainda alcança este mundo tornando seus objetos, por sua vez, visíveis — limão leva a limão, jornal a jornal, rapaz a rapaz. Enquanto as coisas apodrecem, elas trazem o seu equivalente a ser.
As coisas não se conectam, elas se correspondem. Isso é o que torna possível para um poeta traduzir objetos reais, trazê-los através da linguagem tão facilmente quanto ele as traz através do tempo. Aquela árvore na Espanha é uma árvore que eu nunca poderia ter visto na Califórnia, aquele limão cheira e tem um gosto diferente, MAS a resposta é esta – cada lugar e cada momento tem um objeto real que corresponde ao seu objeto real – aquele limão pode se tornar este limão, ou pode até se tornar este pedaço de alga, ou este cinza peculiar neste oceano. Não se precisa imaginar aquele limão; se precisa descobri-lo.
Mesmo estas cartas. Elas correspondem a algo (não sei ao que) que você já escreveu (talvez não obviamente quanto aquele limão corresponde a este pedaço de alga) e, por sua vez, algum poeta futuro escreverá algo que corresponda a elas. Assim que nós, os mortos, escrevemos uns para os outros.
Com carinho,
Jack.
______________________________________________________________________
He Died at Sunrise
A translation for Allen Joyce
Night of four moons
And a single tree,
With a single shadow
And a single bird.
I look into my body for
The tracks of your lips.
A stream kisses into wind
Without touch.
I carry the No you gave me
Clenched in my palm
Like something made of wax
An almost-white lemon.
Night of four moons
And a single tree
At the point of a needle
Is my love, spinning.
Ele morreu ao amanhecer
Uma tradução para Allen Joyce
Noite de quatro luas
e uma única árvore,
com uma sombra só
e apenas um pássaro.
Procuro em meu corpo
o caminho dos teus lábios.
Um ribeiro beija pelo vento
sem toque algum.
Carrego o Não que me deste
seguro em minha mão
como algo feito de cera
um limão esbranquecido.
Noite de quatro luas
e uma única árvore.
Na ponta de uma agulha
está o meu amor, girando.
*
Jack Spicer (1925 – 1965) foi um poeta americano, frequentemente associado ao “movimento” chamado San Francisco (ou Berkeley) Renaissance. Sua poesia está reunida na coletânea My Vocabulary Did This to Me: The Collected Poetry of Jack Spicer (2008, editada por Peter Gizzi e Kevin Killian), que venceu o American Book Award em 2009.
*Sebastião Ribeiro é poeta, autor de Memento (Penalux, 2021) e Outro (Penalux, 2022)
Excelentes poemas.
Poemaços, continuam reverberando, palavras sem fim!