Erasmo Dibell
Um dos maiores nomes da música do Maranhão

Natural de Carolina (MA), Erasmo Dibell é um dos artistas mais populares do estado e um dos melhores compositores maranhenses que surgiram a partir da primeira metade dos anos 90. Violonista e intérprete, Erasmo já foi gravado por várias cantoras e cantores brasileiros.
A obra de Erasmo Dibell destaca-se pela diversidade de ritmos. É evidente a influência dos grandes mestres da música popular brasileira em suas criações, mas a forma diferenciada com que aborda questões sociais, o lirismo de sua poesia e seu peculiar suingue ao violão, são os diferenciais que o credenciam a buscar espaço e reconhecimento na multifacetada música produzida hoje no Brasil.
Seu primeiro disco solo (Sarará/1993), produzido pelo percussionista Papete, com arranjos de Marcelo Carvalho, Papete e Erasmo Dibell, foi considerado pelo jornal Correio Brasiliense como um dos melhores CDs lançados naquele ano.
O segundo trabalho (O amor é azul/1995) teve como produtor e arranjador o maestro Zé Américo Bastos. Este disco lhe abriu portas no cenário nacional despertando o interesse de conhecidos intérpretes por suas composições.
Em seu disco Tudo de Bom/2008, Erasmo estreia como arranjador e produtor, celebrando parcerias com Drica Melazzo e Zé Américo. O CD ratifica mais uma vez a força e a qualidade lírica de suas composições.
Está cheio de projetos novos. É, sem dúvida, um dos grandes compositores do Maranhão.
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- Paulo Rodrigues – Erasmo Dibell, Janis Joplin afirmou: “Algumas vezes a música é a única forma de melhorar a vida”. A música melhora a vida de fato?
Erasmo Dibell – Eu acredito que a música melhora, sim, nossas vidas. A gente vê exemplos vários. Vou citar aqui alguns. O trabalho musical que se desenvolve nas periferias das cidades acaba resultando ali na descoberta de talentos, e isso acaba virando ofício. Vira meio de vida digna para muitas pessoas que não tinham, vamos dizer, expectativa de nada. Lembrando do período de pandemia, a gente vê mais um exemplo de o quanto a música foi bálsamo na vida das pessoas. Naquele período de isolamento em especial, a música salvou muitas existências.
Nesse período da pandemia eu estava morando em Brasília. Assistia, nos eventos, contratados pelos condomínios, a um saxofonista na quadra de esportes do prédio, aquilo era maravilhoso. A vibração, os aplausos demorados, o silêncio cantante, o humano invadindo tudo com suas sonoridades.
A música educa, questiona, confronta. É um grande oceano humano.
Portanto, a sentença foi certeira.
- Paulo Rodrigues – Erasmo, você viveria sem a música? Fez estudos formais para desenvolver tantas habilidades musicais?
Erasmo Dibell – De viver, creio que viveria, porque eu sou brasileiro. Sou sobrevivente. Mas não sei se seria tão feliz quanto sou (tendo a música na minha vida). A música como ofício, como missão de vida. Porque é assim que eu vejo o meu envolvimento com a música.
Eu costumo brincar no show e dizer que é um caso de amor intenso, porque de fato é isso mesmo em minha vida. Eu não tenho formação acadêmica. Tenho alguma noção por causa daquela pouca informação – que eu sou da época da Vigu Violão e Guitarra, aquelas revistas de música cifrada – mas eu acho que me categorizo como autodidata. Eu não conheço profundamente essa música que é escrita em partitura e que se executa em qualquer canto do mundo. Fale você o idioma que falar, tendo esse conhecimento a coisa se desenrola.
Eu tenho é o grande amor pelo que faço. Minha emoção reside em encontrar uma nota que atrevesse uma lua cheia.

- Paulo Rodrigues – Você disse numa entrevista que foi influenciado por Chico Buarque, Caetano Veloso, João do Vale. Tem outros mestres que fazem a cabeça do Erasmo Dibell?
Erasmo Dibell – Além desses artistas que você cita da entrevista que eu dei, tem muitos artistas importantes nesse meu processo criativo. E, ultimamente, eu tenho evitado citar nomes, porque sempre peco, fica sempre alguém importante para trás. Mas, pecando novamente e me redimindo com este artista. Eu quero citar o Braguinha Barroso como um artista fundamental no meu processo criativo.
Quando eu conheci o Braguinha na segunda metade dos anos 80, a minha música tomou um outro rumo. Eu passei a compor, especialmente, as músicas mais rítmicas, com mais swing, dentro dessa linha a que eu me refiro. Tive o prazer de estar com ele em 2015, se eu não me engano.
Entre 2013 e 2015, nos vimos. Foi um período em que eu fui muito a Palmas. Aí eu digo, mestre, olha aí como é que eu fiquei.
Eu acho que ele, com aquela generosidade, tirou o corpo fora e disse: “não, eu não toco assim não, essa coisa aí é tua”. Mas, enfim, é a ele que eu atribuo esse norte que eu segui.
Meus parceiros já identificam quando uma música é minha (pela forma como eu estou ali tocando aquela música). Então, me redimo com o Braguinha, porque, de fato, ele é muito importante.
O Braguinha é muito importante na minha vida, é um artista que o Brasil ainda precisa descobrir.
- Paulo Rodrigues – Você é muito popular no Maranhão. Agrada ao público por onde vai. Qual é o diferencial do Erasmo Dibell?
Erasmo Dibell – Agradecido pelo artista muito popular no Maranhão, por agradar ao público. Eu não tenho essa resposta. Talvez do que ouço de retorno da plateia após o show. Falam sempre de uma sensação de ampliação da sensibilidade. Fico feliz.
E esse comentário a respeito da maneira como eu executo o meu caso de amor com o Pinho, com o violão. Talvez seja esse o diferencial nesse meu processo das apresentações ao vivo, das gravações de disco. Talvez seja isso!
Saiba, Paulo, que é uma resposta difícil para mim.

- Paulo Rodrigues – Fale um pouco sobre a repercussão do CD Sarará, que foi lançado em 1993. A crítica recebeu de forma muito positiva, não é verdade?
Erasmo Dibell – O primeiro disco, na realidade foi um LP Sarará, em 1993. Estava naquele processo de mudança, a maioria das pessoas encostando o vinil e aderindo à novidade do CD, que era um disco sem chiado, sem aquele chiado tradicional do vinil. Esse disco foi graças ao querido parceiro Papete Viana, que conseguiu financiamento para este trabalho.
Eu amo, além de ser o primeiro disco, um momento muito feliz com músicos maravilhosos, aqui já não vou citar os nomes de todos, aliás, exceto o Papete, por causa dessa contribuição que antecede a gravação do disco. Mas é um disco que me agrada muito e acabou tendo mesmo, de fato, um amigo levou uma pilha de lançamentos do Maranhão para Brasília.
E por lá tive a felicidade de, entre muitos discos, receber a melhor crítica, mas acabou que comercialmente o disco não teve muita saída, porque já estava praticamente todo mundo partindo para essa coisa da novidade do CD. Eu me lembro que eu tinha desse disco, até por esses dias, eu ainda tinha alguns. Aconteceu uma coisa curiosa, eu esqueço o nome desse camarada. Sei que era alemão e me achou através da rede social. Disse que ficou impressionado com o LP Sarará e que o artista precisava ser remunerado. Transferiu uma grana considerável para mim. Fiquei impressionado.
Mas é aquela coisa, é o xodó, é o primeiro, tanto que agora fiz em CD dando esse mesmo nome (Sarará), para uma coletânea que já está disponível para todo mundo nas plataformas de música, lançamento pelo selo do meu parceiro, querido amigo Zeca Baleiro.
- Paulo Rodrigues – Qual a importância dos Festivais de Música? Eles ajudavam a divulgar o artista?
Erasmo Dibell – Os festivais foram e continuam sendo uma vitrine importantíssima para compositores e intérpretes. A gente tem aí a história de grandes artistas que admiramos e todos eles saíram dos grandes festivais, que aconteciam aqui no nosso país.
Tive o privilégio de concorrer em alguns festivais pelo Brasil. Com Filhos da Precisão ganhei o primeiro lugar no Faber, que era um festival grande. Acontecia e movimentava Imperatriz, o Nordeste, o Brasil. Foi nessa vitória no Faber em 1991, que eu conheci o Papete.
Na sequência disso, o Papete já gravou essa música, o que me levou para os palcos de São Luís.
Consequentemente, a gravação do LP Sarará de 93.
Então, é isso. Uma pena que na nossa região, não tenhamos mais tantos festivais como tínhamos aí até a segunda metade dos anos 90.
Importante essa ferramenta (para compositores e intérpretes novos). É muito importante que se pense com carinho no retorno dessa ferramenta fundamental, especialmente para a descoberta de novos talentos.
- Paulo Rodrigues – Você é um compositor eclético. Trabalha com vários gêneros. Como funciona o seu processo criativo?
Erasmo Dibell – O meu processo criativo é um processo espontâneo. Eu não paro para fazer música. Estou no meu cotidiano, uma frase solta por alguém na rua, uma cena, uma circunstância. Isso me provoca. A música chega como chuva. A grande maioria do meu trabalho já nasce com uma sequência harmônica, melodia, e não demora muito, a letra já chega junto ali.
Eu não paro para compor.
Naturalmente, com esse tempo de estrada, o meu autoral é espontâneo.
- Paulo Rodrigues – Erasmo Dibell, na música Filhos da Precisão temos os seguintes versos: “Pelas marginais/ Passarão meninos/ Guardando o país/ Por quem batem os sinos/ Se pelas catedrais/ Os filhos da precisão/ Pedirão mais/ Por outro destino”. Os “filhos da precisão” ainda pedem outros destinos?
Erasmo Dibell – A gente ainda tem muito que crescer como ser humano, crescer espiritualmente. Essa música é, salvo engano, de 88, 89. Num período em que eu estava por Belo Horizonte. Essa música, infelizmente, continua atual.
Tem mazela nessa música, que nós estamos em pleno século XXI. A mazela está agravada, ela não virou passado no nosso processo de vida. Então, acredito que sim.
- Paulo Rodrigues – Vem trabalho novo do Erasmo Dibell?
Erasmo Dibell – Estou numa missão em casa, no meu estúdio, organizando esse home estúdio para que eu possa fazer um som com qualidade de ser aproveitado para a gravação.
Estou pegando muita coisa autoral, que praticamente ninguém conhece. Organizando: começo, meio e fim. Formatando mesmo para se usar em futuras gravações. Essa minha parte, eu estou me demorando porque estou querendo fazer, de forma que o que sair daqui de Violão e Voz já seja definitivo. Sirva para uma gravação nesses moldes do que a gente faz hoje.
Com essa coisa da tecnologia, de certa forma, posso tocar com o maestro Zé Américo, lá no Rio de Janeiro. Com o Rui Mário, Marcelinho Rebelo, Moisés Mota, em São Luís. Com o Alexandre Galhãs, aqui em Imperatriz, sem ter que sair do meu estúdio para o dele.
Enfim, eu estou com essa missão, muita música. Estou priorizando isso com relação se a pergunta for voltada para isso que eu estou imaginando.
- Paulo Rodrigues – Como está funcionando o trabalho de divulgação da música maranhense nas escolas?
Erasmo Dibell – Esse trabalho do Mais Música nas escolas é fundamental. Nós precisamos fazer mais pela música. É muito importante.
A gente tem no nosso convívio uma galera de 20 anos pra cá, que praticamente não sabe nada a nosso respeito. Eles não conhecem os bons compositores do Maranhão.
Acredito que esse tipo de projeto seja fundamental. Nós tivemos um boom nos anos 90 dessa história da nossa música, em São Luís. A coisa foi tão grande que resvalou praticamente todo o estado.
No entanto, depois disso, a coisa esfriou, não sei.
Mas, estou empolgado com o papel que estou exercendo nesse projeto, porque a gente tem uma grande quantidade de escolas em Imperatriz. Queria fazer todas. Levar a música para a cabeça da juventude.
- Paulo Rodrigues – Deixe uma mensagem para os nossos leitores.
Erasmo Dibell – Querido Paulo Rodrigues, deixar um abraço caloroso para você e para todos os seguidores do Sacada Literária. Espero que a gente se veja com brevidade.
Forte abraço!
Letras de Erasmo Dibell:
Filhos da Precisão
[Erasmo Dibell]
Pelas marginais
Passarão meninos
Guardando o país
Por quem batem os sinos
Se pelas catedrais
Os filhos da precisão
Pedirão mais
Por outro destino
Do que por sair da lama
Com pose de dama em carnavais
Esquecerão as dores
Lembrarão de Deus
Num porvir
Que aflore dor
Pelas marginais
Passarão meninos
Guardando o país
Por quem batem os sinos
Se pelas catedrais
Os filhos da precisão
Pedirão mais
Por outro destino
Do que por sair da lama
Com pose de dama em carnavais
Esquecerão as dores
Lembrarão de Deus
Num porvir
Que aflore dor
Viagem de Novembro
[Erasmo Dibell]
Foi uma vez
Numa triste tarde de novembro
Logo eu parti
E aos poucos te perdi de vista
E viajar foi como morrer
Só em saber que na manhã seguinte
Estaria assim tão distante
E não veria mais teu sorriso
A morte rondou minha cabeça
E conter tanta dor foi preciso
Amanheci
Era um dia triste ainda em novembro
Te busquei em vão
E aos poucos lembrei da viagem
Mas estar aqui é como nem estar
Pois estás sempre comigo
É que no meu coração
O pensamento guiando a saudade
Voa qualquer légua
Pra estar com as pessoas que mais amo
Estar aqui é como nem estar
Pois estás sempre comigo
É que no meu coração
O pensamento guiando a saudade
Voa qualquer légua
Pra estar com as pessoas que mais amo
Lá, rá, lá, iaiá
Lá, lá, ia, rá, lá
Lá, ra, lá, iá
Tudo de Bom
[Erasmo Dibell]
Meu amor
Você pra mim é mesmo tudo de bom
Bendita costela, mistério de Deus
Se preciso mais daria por ti
Meu amor
Você pra mim é mesmo tudo de bom
A melhor dádiva das que Deus me deu
Mais mil vezes amaria você
Só pra ter a vida assim
Você é tudo pra mim
O que eu faria sem você meu bem?
Sem teu beijo no meu
Tudo vira nada
É que eu sou mesmo teu
E nós somos um
Sarará
[Erasmo Dibell]
Reggae pulsação de negro
De uma negra lá do Congo pro Brasil
Foi que surgiu a minha bisavó Justina Reis
Azinha pros forros
Iô, iô, iô, iô, iô, iô
Como Raimunda Nonata, neta de Balbina
Única de Azinha que Carica roubou
Num penta Parnaíba abaixo
Iô, iô, iô, iô, iô, iô
E tiveram treze filhos
Treze meio negros entre o Piauí e o Maranhão
Devido a confusão que o sangue deu
Terá dado certo
Iô, iô, iô, iô, iô, iô
E por certo deram netos
Numa remistura já no Tocantins
Que até sarará deu
Sarará
E o sarará sou eu
Que até sarará deu
E o sarará sou eu
Iô, iô, iô, iô, iô, iô
Reggae pulsação de negro
Treze meio negros entre o Piauí e o Maranhão
Devido a confusão que o sangue deu
Terá dado certo
Iô, iô, iô, iô, iô, iô
E por certo deram netos
Numa remistura já no Tocantins
Que até sarará deu
Sarará
E o sarará sou eu
Que até sarará deu
E o sarará sou eu
Iô, iô, iô, iô, iô, iô
Que até, que até sarará deu
Sarará
E o sarará sou eu
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Paulo Rodrigues, entrevistador, é poeta e jornalista, autor de livros premiados.
Erasmo Dibell é um dos grandes nomes da música do Maranhão. Parabéns ao Sacada Literária por divulgar o melhor da cultura do Maranhão.
Um grande compositor da música brasileira. Parabéns ao Sacada!