Sacada Literária

Cultura, crítica e divulgação

Silvana Menezes, poeta

Paulo Rodrigues entrevista SILVANA MENESES

 SILVANA MENESES

“Escrever é o meu voo interno”

 

 

1. Paulo Rodrigues – Poeta Silvana Meneses, fale um pouco sobre a sua carreira literária.

Silvana Meneses – Desde que me dei conta da minha existência gonçalvina, parida em um balaio cheia de dias passarinhos, já na adolescência, em que meus olhos, ainda são poços de sol de pai, em que por ele inventei o mundo, e acendeu o cheiro da poesia, em que o alinhavo de muitas sílabas já me cortavam a carne num chamamento para o esplendor da composição das coisas, para o brilho dos fios da caligrafia, rascunhos de um pedaço do mundo, e até hoje, continuo na saga de catar e moer palavras, essas marginais que amparam o sol para cair na minha mão, as com curvas, com meandros, de rio, as que são salto no escuro, risco, salvação, o silêncio de Deus para parir a vida cotidianamente, “ávida/dívida/de vida”.

O incentivo veio também do meu irmão poeta Renato Meneses, que já estava nessa parceria entre vida e poesia, a garimpar a palavra, nela me achar como metal puro, brilhante, que na bigorna se molda, fundindo-se em poesia, “a palavra é lápis/lápide/lapidação”.

Em 1988 publiquei meu primeiro livro, Embarcação, e o mais recente, em 2023, Haicais – Bashô me basta.

2. Paulo Rodrigues – Como você conciliou a carreira entre a professora universitária e a poeta Silvana Meneses?

Silvana Meneses – Arte e ciência pertencem à mesma busca imaginativa humana, embora ligadas a domínios diferentes de conhecimento e valor, mas que estabelecem um diálogo entre verso e universo, “apenas verso/se vira universo/controvérsia”.
Foi uma caminhada em conjunto, à proporção que me afirmava e amadurecia como professora, também como poeta. Os conhecimentos que chegavam não foram só científicos, mas nos âmbitos pessoal, afetivo e poético. Ser professora e poeta me permite ressignificar a realidade e me refinar como pessoa na mais bela de todas as aventuras, a vida. Encontrei poesia nesse contexto durante os meus 33 anos de docência universitária, e, em 2014, publiquei o livro Reação, fruto da minha vivência e experiência profissional, em que é uma mistura da minha profissão de química com a poesia, “na química me encontrei/na poesia me dissolvi/em tanta reação aconteci”, “eu e a poesia/sólida liga de palavras/que se con/fundem”.

3. Paulo Rodrigues – Poeta, você poderia comentar sobre os livros e os autores que influenciaram a sua poesia?

Silvana Meneses –  Os autores que mais me identifico são Adélia Prado, Hilda Hilst, Laura Amélia, Lúcia Santos, Elisa Lucinda, Viviane Mosé, Alice Ruiz, Leminski, Manoel de Barros, José Chagas, Mário Quintana, Celso Borges, Bashô, Salgado Maranhão, Cecília Meireles, Sophia de Mello, todos esses de uma forma ou de outra me alimentam poética e espiritualmente, despertam e expandem a minha consciência porque trazem no seu fazer poético versos fortes, paixão voraz pela vida, espiritualidade, questionamento sobre a existência, tratam da condição da mulher, da simplicidade, da transformação do cotidiano, da irreverência, humor, natureza, desconstrução da linguagem, em que algumas dessas características fazem parte da minha poesia, em que venho aprendendo a atravessar as dores, mas também, ser “um copo de mar/ser sol e maresia/em demasia”, “ser/ser a palavra livre/livre arbítrio/eu e deus no abismo”.

4. Paulo Rodrigues – Como surgiu sua relação com os haicais? O livro Haicais lançado em 2023 foi bem recepcionado. Como você o avalia?

Silvana Meneses – A minha interação com os poemas curtos começou lendo Laura Amélia, a quem admiro por demais, a sua poesia, surgindo interesse em ler autores haicaístas, onde me encontrei e me encantei por essa forma poética singularmente japonesa, repleta de subjetivismo com rica mensagem e reflexão, “falo daquela/folha caída que me/acolheu no chão”. Essa busca do instante poético que Bashô transformou em exercício espiritual, modo de vida e arte, venho buscando esta simplicidade e despojamento no que eu escrevo, porque é de uma grandeza imensurável quando se consegue dizer muito com tão pouco, como também enxergar a capacidade da poesia de constituir sentido ao mundo, “se a vida/for do outro lado/o que faço aqui?” E hoje, considero como minha identidade literária esta concisão e simplicidade presentes no haicai.

Em 2023, publiquei o livro Coletânea de haicais – Bashô me basta, com 276 poeminhas, um sonho realizado, e as pessoas que o leram, delas tenho recebido um retorno positivo, o que me incentiva a ler e estudar mais sobre esta forma poética, “na luz do haicai/meus olhos vaga-lumes/piscam o poema”.

5. Paulo Rodrigues – Silvana, você diz em um poema: “as cinzas ainda/ mornas deste poema/meu calor o aquece”. A vida dialoga com a poesia?

Silvana Meneses – Sim, acredito no poder da linguagem, um poema não é só questão de estrutura, estética, mas principalmente da experiência de vida do autor e da extensão do seu olhar, e isso se traduz num mundo de possibilidades e realidades, “escrevo/porque estou perto do fogo/que me cura e flora”. Para mim, a literatura tem função rica e humanizadora. Eu concordo com Mia Couto quando ele diz que “não há outra maneira de reconquistar um sentido de felicidade que não seja pelo caminho de nos restituir um olhar poético que é humanizador e compreende a condição humana”, às vezes, basta esse olhar poético para nos tornar mais compreensivos e tolerantes, “e os olhos/iluminaram a vida/uma estrela”, “meus olhos cegos/no acendimento/do mundo”. A poesia também é esperança no conceito do educador Paulo Freire, de esperançar, ou seja, maneiras de ser, estar e agir no mundo, “o mundo/besuntado de esperança/tem outra tessitura/a fúria da beleza”.

A poesia não tem limites, tem mais de um horizonte, e é um dos modos de ver e questionar o mundo.

6. Paulo Rodrigues – Quais são os novos projetos literários da poeta Silvana Meneses?

Silvana Meneses – Para 2025, tenho dois projetos encaminhados, um, com uma poeta que admiro muito, a Anna Liz, de Santa Luzia, um livro em parceria, um diálogo entre nossos poeminhas, e o outro, é com o cantor e compositor Sérgio Habibe, que me deu a grande satisfação de musicar alguns dos meus poemas e que logo mais estarão disponíveis nas plataformas de músicas, e, também, continuar fazendo minhas performances poéticas prestigiando autores que eu gosto muito.

7. Paulo Rodrigues – Como funciona o processo criativo da poeta Silvana Meneses? Escreve com frequência? Ou precisa ser provocada?

Silvana Meneses – Escrever é o meu voo interno, faz parte do meu autoconhecimento, “viver/ver-me/nu verso”, esse é o verdadeiro sentimento, “me ser visível/nessa noite mirante/de olhos arregalados/que parecem candeeiro/depois do pôr do sol”.  Embora existam períodos em que me encontro, “mais seca que o deserto/nem a areia me arranha/com suas mãos de poeta”.

Mas também entendo esses momentos e os respeito, no entanto, também chega a necessidade de provocar o olhar poético para sentir o que o sol da palavra e eu temos para nos dizer, “palavra não dita/lateja como ferida/inflama a dor”, leio, observo a natureza, “chove/as horas gotejam/impaciência”, ouço o silêncio, “só lembro do silêncio/e da sua lucidez/mas não enlouqueci”. Este olhar vem também da dureza e beleza do cotidiano “tecer a vida/é tarefa das mais caras/mais cara que o diamante”, que a duras pena, ou  não, vamos nos reelaborando “não é deserto/entre as folhas secas/poema pétala”, da minha percepção de mundo “trago os mesmos olhos/do nascer do dia/cheios de susto e vazio”.

Escrever é de uma responsabilidade muito grande, requer honestidade, estudo, cuidado. O poeta Torquato disse, “toda palavra guarda uma cilada”, e eu digo, “escrever é sangrar/é consagrar no real/toda dor de ser”.

8. Paulo Rodrigues – Deixe uma mensagem para os nossos leitores.

 Silvana Meneses –  Um poeminha que diz, “a vida é luz/mas às vezes brinca-se/de cabra cega”, então é imprescindível esta vigília sobre o nosso olhar, “cai uma estrela/na boca da noite/vaga-lumes no ar”, “instante, relâmpago/existem num piscar de olhos/a vida também”.

Como disse tão bem Antônio Cícero, “guardar uma coisa é iluminá-la ou estar por ela iluminada”. Guardemos nossa vida e nossa poesia.

 

 

Silvana Nenezes. Fonte: textosencantadores.blogspot.com

 

Poemas

 

migrou para o meu olhar

toda poesia que há

procuro o som arrebata(dor).

 

o amor me perdeu de vista

meu olho tende a vagar

nessa falta de vida.

 

mesmo quando a última

pétala cair

ainda assim

abrirei mão do martelo.

 

já estava esquecendo a vida

a vida toda já se passou

mas sigo com brilho nos olhos.

 

lavrador da palavra

cava o poema

o fundo da vida.

 

arrematei a vida

mas é cartão postal

ledo engano, quem sabe

no próximo ano.

 

dias outonais

de intenso calor

a vida morna.

 

minha solidão

tem asas, mas não

sai do meu pé.

 

 

Minibio:

Silvana Lourença de Meneses, caxiense, formação em Química Industrial pela UFC, doutorado em Zootecnia pela UNESP, profa. da Universidade Estadual do Maranhão em São Luís, membro da ACL – Academia Caxiense de Letras e da AJEB – Associação de Jornalistas e Escritoras do Brasil, com 8 livros de poesia publicados.

 

 

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 *Paulo Rodrigues, entrevistador, é poeta, com diversos livros publicados e premiações.