Sacada Literária

Cultura, crítica e divulgação

Anna Liz, poeta

ANNA LIZ – palavras domam escuros

 

Retalhos de Liz – Anna Liz, 2018.

Anna Liz é de Santa Luzia, Maranhão. Poeta, cronista e pesquisadora. Mestra em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará. Tem participação em inúmeras antologias lançadas no Brasil e em outros países, além de já ter publicado oito livros solo. Organizou duas antologias com obras de 25 escritoras maranhenses. Este ano está lançando o livro com a escritora Silvana Meneses – Poemas mínimos.  Faz parte de algumas Academias e Núcleos Acadêmicos de Letras, é membro correspondente da Academia Ludovicense de Letras. Membro da Rede sem Fronteiras. Em 2021, ficou em 3º lugar no Prêmio Alejandro Cabassa, categoria crônica, da União Brasileira de Escritores- RJ. 3º lugar no Prêmio de Poesia Samuel Barreto; Destaque literário no Selo OffFlip Nordeste, 2023.

 

 

10 poemas

de

Anna Liz

 

 

PALAVRAS DOMAM ESCUROS

 

Numa noite sem luar,

vibram tuas ancas e

uma luz gagueja em tuas mãos:

 

superfície misteriosa.

 

Tudo suscita amor e morte

Como um coice cego de desespero.

 

Onde o verso se inflama

As palavras domam escuros

entre a saudade e o abismo.

 

 

PALAVRA/MAPA

 

uma palavra

vale mais que um mapa

se é longa a estrada

 

a mesma mão que traça, risca ou desenha,

captura os desatentos

liberta os cansados

 

mesmo que o verso sangre

os pés na caminhada

 

a noite nos abraça e revela

uma única palavra ilumina

a palidez dos astros

 

enquanto um deus nos esquece

no escuro

 

a mesma palavra que corta, fere e fura a carne

domestica os incautos

e levanta os exaustos.

 

uma palavra vale mais que um mapa

se se conhece ou não a estrada.

 

 

A FACE CARREGADA

 

Não escrevo para salvar

o mundo,

sinto muito.

 

não tenho conseguido

salvar nem a mim mesma.

 

pode ser que haja arsênico

sobre a mesa da cozinha.

 

eu já não creio em redenção.

 

minha pequenez não

passa despercebida

 

e se eu me descrevesse

seria um quadro com

uma face

 

nem face de mãe

nem face de virgem

 

apenas uma face carregada

de tormenta.

 

 

CATARATA(S)

 

Tenho muitas águas

nos olhos –

um cortinado em queda

pelos meus rochedos.

 

não fosse o lago

(aos meus pés)

a refletir meus sonhos

 

eu não reconheceria

as distâncias

 

 

DO QUE ME RESTA

 

tudo fere minha solidão

tenho pressa de silêncio

 

meus rastros e restos não

se recuperam mais

e minhas mãos

expõem meus remendos

e rebocos

 

escrevo versos jamais lidos

mas é assim que sobrevivo.

 

 

CAMINHO DE AREIA

 

O decote do vestido carrega

uma vida que nunca coube

em sacramentos e passarelas.

 

A margem é o caminho

e a areia dita a sua história

 

O pai morto, o dinheiro parco

a mãe costurando no canto

a filha entendeu (desde cedo)

que abrigo são pedaços de lápis e de papel…

 

só a rede armada recolhe os

rascunhos de vida e

a fome de desaparecer.

 

 

DESTINO

 

entre nuvem e onda,

sou lua

ser unicamente humana

limita-me

 

as estradas são difíceis

mas minha sede orienta o voo

 

 

PONTO CARDEAL

 

aponta-me um ponto

e encontrarei a chama

que erradica a treva

e a solidão

 

seja a bússola

ao alcance da

pouca visão

 

guia-me sobre o fogo

da resistência,

já caí em muitas armadilhas

e o caminho é sempre o mesmo

 

dê-me a mão,

preciso refazer-me

e arrancar das minhas entranhas

o poema-entre-poemas

que escorre dos meus olhos.

 

 

A POESIA QUE INVENTEI

 

para enfrentar meus monstros

reinventei-me na poesia

preenchi as lacunas

com versos

 

sou um vazio gramático

meus olhos arroxeados

meu peito hemorrágico

um abismo em meu ventre

um beco pouco iluminado

 

a trava na garganta

conta uma história…

 

e nessa folha rabiscada

escancaro meu coração

revelo outra identidade

 

eu nunca pude chorar

agora sei:

o poema é o meu choro

 

 

DO QUE ME MOVE

 

flor, semente, fruto

sonho, chão,

pés, labuta

 

na flor e

no passado,

pisam meus calos

feito cavalo de pau.

 

os pés são as asas

dos que têm sede.

 

 

*

 

 

Livros de Anna Liz – fonte revistaconexãoliteratura.com.br