Lourival de Jesus Serejo Sousa nasceu na cidade de Viana (MA). É membro da Academia Maranhense de Letras, onde ocupa a Cadeira no 35; membro fundador da Academia Imperatrizense de Letras, Cadeira no 4; membro fundador da Academia Vianense de Letras, Cadeira no 10; membro fundador da Academia Maranhense de Letras Jurídicas, Cadeira no 10.
As obras de Lourival Serejo dividem-se em literárias e jurídicas. No âmbito da literatura, já publicou os seguintes livros: O presépio queimado (1991), Rua do porto (1997), Do alto da Matriz (2001), O baile de São Gonçalo (2002), Da aldeia de Maracu à Vila de Viana (2007), Entre Viana e Viena (2012), Aluísio Azevedo sempre (2013), Pescador de memórias (2013), Casablanca (2016), Havana: literatura, músicas e mojito (2018), Mistérios de uma cidade invisível (2019), O tormento de Santiago (2020), Literatura no espelho (2021), e o tempo larga o relógio a galopes por seus prados (2022), Amazônia distópica (2023) e Eco de sinos sobre a cidade (2024).
Na área jurídica, tem vários trabalhos publicados nas principais revistas do país e os seguintes livros de sua autoria: Contribuições ao estudo do Direito (São Luís: Edufma); Direito Constitucional da Família, 3ª edição (Rio de Janeiro: Lumen Juris); Provas ilícitas no direito de família (São Paulo: IOB Thomson); Programa de direito eleitoral (Belo Horizonte: Del Rey); A família partida ao meio (São Luís:Esmam); Formação do Juiz: anotações de uma experiência (Curitiba: Juruá); Ética e magistratura (Rio de Janeiro:GZ Editora); Os novos diálogos do direito de família (São Luís: Edufma) e Direito Eleitoral (Belo Horizonte: Del Rey).

- Paulo Rodrigues – O escritor Émile Zola afirmou: “Os governos suspeitam da literatura porque é uma força que lhes escapa”. A literatura é mesmo capaz de interferir na vida material concreta?
Lourival Serejo – A literatura tem força suficiente para interferir em tudo, inclusive na política. Conta-se que Lincoln, ao receber em seu gabinete presidencial, a escritora Harriet Stowe, autora do livro A cabana do Pai Tomás, indagou-a: “Então, você é a responsável pelo desencadeamento da Guerra Civil?”
Há uma afirmação de Victor Hugo que reforça esse entendimento: “A literatura começa por formar o público, para depois fazer o povo. Escrever é governar.” Não é à toa que todos os governos autoritários censuram ou queimam os livros, fato muito bem descrito na obra de Ray Bradbury, Fahrenheit 451.
- Paulo Rodrigues – Lourival Serejo, como você analisa a relação entre Direito e Literatura? São saberes que convergem ao longo do caminho?
Lourival Serejo – Esse é um dos temas do meu foco de estudo, inclusive tenho um trabalho publicado sobre a presença da magistratura em alguns romances brasileiros.
São dezenas e dezenas de livros que marcam essa convergência. Destaco apenas três: O conto da Aia, de Margaret Atwood; O círculo de giz caucasiano, de Bertolt Brecht; e Crime e castigo, de Dostoiévski. O recente imortal a tomar posse na ABL, José Roberto de Castro Neves, tem um livro excelente sobre esse tema: A invenção do Direito, em que traz lições de Ésquilo, Sófocles, Eurípedes e Aristóteles aplicáveis ao Direito.
Esse entrelaçamento do Direito com a Literatura acontece porque ambos se expressam pela linguagem, pelas palavras. Gadamer chega a dizer expressamente que Direito é linguagem.
- Paulo Rodrigues – François Ost, jurista e filósofo do Direito, comentou: “Shakespeare é frequentemente citado, na Corte Suprema dos Estados Unidos, como sustentação para argumento técnico”. É possível usar a literatura na construção das peças e da sustentação oral?
Lourival Serejo – Alegro-me de você invocar François Ost, autor de minha preferência. Em sua obra Contar o Direito, ele analisa as fontes do imaginário jurídico, invocando diversos autores que podem ser utilizados para reforçar argumentos em sustentação oral. Tanto é possível que é comumente utilizado pelos bons advogados. As obras de Shakespeare O mercador de Veneza e Medida por medida sempre são invocadas para combater o excesso de execução. Então, não só é possível como denota cultura literária do advogado. E o feito é altamente positivo.
- Paulo Rodrigues – Vamos falar um pouco sobre o poeta Lourival Serejo. O que é ser poeta? Como define a sua poesia?
Lourival Serejo – Tenho tanto respeito pelo título de poeta que evito me autodefinir como tal, com receio de estar equivocado. Para mim, ser poeta é ter a capacidade de capturar o presente, o ambiente em sua volta, com acurada sensibilidade; é ser capaz de ouvir vozes e ver o invisível; é saber sentir a poesia dos detalhes. Mas também o poeta pode dar voos para além da realidade. Veja que Fernando Pessoa invoca sempre a metafísica em seus poemas. A propósito, Bachelard diz que o poema é uma metafísica instantânea. A minha poesia traz atenção pelo social, pelo contemporâneo, sem esquecer o eu lírico presente em profundas indagações.

- Paulo Rodrigues – Fale um pouco sobre o livro “e o tempo larga o relógio a galope por seus prados”, que foi lançado pela editora 7 Letras do Rio de Janeiro, poeta.
Lourival Serejo – Esse é um livro que marca uma segunda fase da minha evolução poética. Enquanto O pescador de memórias foi impulsivo, marcado por fortes emoções, e o tempo larga o relógio a galope por seus prados é um livro pensado, questionado, estudado. Se eu fosse reescrevê-lo hoje, já teria algumas mudanças. Esse fenômeno da insatisfação do poeta é a busca constante pelo aperfeiçoamento. Você sabe que o poeta é um ser inacabado. Aquele que entende que atingiu a plenitude estiola-se logo, logo.
- Paulo Rodrigues – No livro Pescador de memórias tem uns versos que dizem: “O silêncio das águas paradas/ imóvel/ puxa a gente para dentro. / O vazio fala / o silêncio que se refugia / e se transforma em água”. As águas da memória estão diluídas na sua poética? O memorialístico é importante para poesia?
Lourival Serejo – Sou filho das águas da Baixada, nasci à beira de um lago. Sobre esse tema da memória, conto um fato curioso. Depois de publicar precocemente meu livro de memórias (Do alto da Matriz), senti que ainda faltava outras coisas para dizer para além da prosa. Então, fui compelido a gerar O pescador de memórias. São tantos os exemplos de grandes poemas alimentados pela força da terra. Para ficar só no Maranhão, cito O poema sujo, de Gullar, em que ele mistura o homem com a cidade e vice-versa, os poemas de José Chagas e aquele tocante soneto de Humberto de Campos, Miritiba.
- Paulo Rodrigues – Qual sua impressão sobre os poetas e a poesia contemporânea, no Brasil e no Maranhão?
Lourival Serejo – É muito positivo constatar que a poesia está viva, e bem viva, tanto no Maranhão como no Brasil. Com a considerável quantidade de poetas, é natural a diversidade de técnicas e estilos. Assim, naturalmente surgem as preferências. A minha, por exemplo, vai para os poemas que expressam sentimentos que tocam o leitor, como a leveza de Wislawa Szymborska, a concisão de Murilo Mendes, a estética de Drummond e Gullar, e muitos outros. Acredito que o poeta perde sua vocação de profeta quando ele opta por fazer uma poesia essencialmente cerebrina, profundamente hermética, para além de Paul Celan, destinada com exclusividade a um público acadêmico.
- Paulo Rodrigues – Quais são os novos projetos literários do poeta Lourival Serejo?
Lourival Serejo – Quem começa a escrever está condenado a não ficar parado. A atividade poética avança para além do tempo. Veja o exemplo do poeta chileno Nicanor Parra que, centenário, publicou uma antologia de poemas só para maiores de cem anos.
Já estou às voltas com um novo livro de poemas, trabalhado há quase dois anos. Conheço poetas empolgados que escrevem um poema por dia. É um fluxo invejável, mas de duvidosa qualidade. No momento, estou concluindo um livro de contos e outro de poemas. Todos com o cuidado de um artesão.
- Paulo Rodrigues – Finalizando, deixe uma mensagem para os nossos leitores e leitoras.
Lourival Serejo – Minha mensagem é de entusiasmo e de convocação à luta pela divulgação das letras maranhenses. A Academia Maranhense de Letras tem se empenhado continuamente na divulgação da nossa literatura, em sentido amplo e em estimular respeitáveis talentos desconhecidos em nossa vida literária. Nosso trabalho é divulgá-los e promovê-los. Fazer conhecidos os nossos poetas, nossos escritores. Precisamos criar salas de leituras, continuar frequentando os colégios, patrocinar oficinas, tudo fazer para despertar o prazer da leitura entre os jovens. Cooptar os jovens deve ser nosso objetivo permanente. Precisamos unir todos aqueles que se dedicam às atividades culturais. Costumo dizer que fora da literatura não há salvação. E lembrar Flaubert: “O único meio de suportar a existência é despojar-se na literatura como numa orgia perpétua.”

*
Poemas
de
Lourival Serejo
1.
DO LIVRO PESCADOR DE MEMÓRIAS
Geometria do lago
Uma linha reta
sai dos meus pés,
rente sobre as águas do lago,
e estanca ao pé do Mocoroca,
e sobe por suas encostas
até à ponta afiada da última pedra.
A incompletude dessa figura me seduz
a decifrar o mistério
da sua hipotenusa.
O desafio da hipotenusa me atormenta.
Nostalgia de um pescador
A vida inteira passei pescando
no afã de ver minha rede cheia de peixes.
As madrugadas me seduziam
e logo me abandonavam na solidão do lago.
Colecionei alvoradas de todas as cores
as quais ficaram esquecidas na memória.
Perdi os fios das recordações
que apodreceram com o tempo
como os fios de uma tarrafa.
Hoje o lago me chama
e não respondo.
As madrugadas não significam mais nada para mim:
sou apenas lembranças.
Tarrafa do tempo
Não consigo libertar-me desta tarrafa
sou um peixe prisioneiro
condenado
a viver preso na
tarrafa do tempo
a lembrar
coisas que não devia
sonhos mortos
olhos parados
paixões pisadas
caminhos sem rumo
rostos exauridos
passos estancados
mortos queridos.
Tento abrir um orifício nesta tarrafa,
mas os anos me fizeram crescer
e meu crescimento é a garantia da prisão.
Quanto mais anos acrescento
mais a tarrafa me prende
com a certeza de que
nunca fugirei.
Pescador de memórias
Minhas memórias não precisam da madeleine de Proust,
porque elas têm em que se inspirar,
onde se acomodar
e reproduzir.
Minhas memórias descem as ladeiras da cidade
com as enxurradas das chuvas
e vão todas para o lago.
Ali podem ficar uma eternidade
até serem pescadas.
Se busco um detalhe,
uma lembrança bem pequena, uma piabinha,
uso um anzol,
o anzol longo e bem feito que meu pai fazia,
mas se quero um montão de coisas,
se quero abarrotar uma canoa de lembranças,
lanço uma tarrafa no lago.
Eu sou um pescador de memórias.
2.
DO LIVRO E O TEMPO LARGA O RELÓGIO A GALOPE PELOS PRADOS
Metamorfose
Me desconstruo
e me dissolvo
para nascer de novo.
Talvez assim
alguma coisa aconteça
no meu horóscopo.
negação
infância?
que infância?
saudades da aurora do poeta?
só na vida dele.
a minha não teve aurora
começava às seis da tarde
ouvindo o gemido da cigarra
para alegria dos noctívagos errantes
ruminava inveja dos
que podiam afrontar
o mundo com poemas de liberdade
dos que não eram asmáticos
fraquinho
remédios
vaporub no peito
vaporub na garganta
vaporub no nariz.
não, nem saudades nem nada
absolutamente nada
queimei tudo da memória
daquela infância cinzenta
e simplória.
Depois que li Agualusa
depois que li Agualusa em
[sua crônica semanal
depois que li Agualusa
desejei ser uma estaca de matar
vampiro.
Mas o que disse Agualusa
de tão sério assim?
Disse que a poesia, a boa poesia,
é uma estaca de madeira no coração da maldade.
A pedreira
quebro palavras em
pe da ços
com a fúria de um
tornado.
reúno cacos de
letras
para encontrar a palavra
perfeita
e não consigo. onde está a
palavra
que persegue minha
paciência?
Percorri
como um cigano
todos os cantos do mundo,
imigrante sem rumo
satélite sem algoritmos
barco sem rota.
analisei mapas de todas as épocas, tudo
à procura de um lugar
para viver.
passados longos anos
me encontro no marco da partida.
ponho tudo numa garrafa
e atiro às ondas do mar.
3.
INÉDITOS
Al di là
carreguei pedras e estrelas
envolvi-me com fe
ras e dilúvios
até me perder nu
ma esfera de mil voltas
hoje já não sei de onde
vim e até aonde chega
rei nadando no mar negro
das ambiguidades.
Na Amazônia
naquela imensidão de cores sobrepostas
cada árvore é uma árvore e uma voz
que fala com suas irmãs
que dialoga com os pássaros
que acalenta a natureza
com poemas verdes
densamente verdes
e grita quando o fogo se aproxima
e emudece quando morre.

***
Paulo Rodrigues, entrevistador, é poeta e jornalista, autor de A claridade da gente (Penalux, 2023) e Cordilheira (Pautá, 2024), entre outros livros importantes e premiados.

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