ENTREVISTA COM O POETA
BIOQUE MESITO
[Entrevistador: Paulo Rodrigues*]
Bioque Mesito poeta, nascido em 3 de fevereiro de 1972. Possui vários prêmios em concursos de poesia em âmbito local, regional e nacional. É autor dos livros de poesia A inconstante órbita dos extremos (Editora Cone Sul-SP, 2001); A anticópia dos placebos existenciais (Edfunc-MA, 2008); A desordem das coisas naturais (Editora Penalux-SP, 2018); Odisseia do nada registrado (Editora Penalux-SP, 2020) e Uma estranha maneira de se comparar amanhãs (Editora Penalux-SP, 2021).
- Paulo Rodrigues – Poeta Bioque Mesito, o filósofo Heidegger afirmava: “a liberdade é importante para que o homem consiga livremente formar sua própria essência”. A poesia foi uma escolha?
Bioque Mesito – Para mim, a poesia nunca foi uma escolha. Ela me encontrou, como um chamado inevitável, como algo que sempre esteve à espreita, aguardando o momento certo para emergir. Escrevo porque a vida exige isso de mim, porque preciso captar o pulsar da existência e, de algum modo, transformar o que sinto em palavras.
A poesia é minha maneira de lidar com a imensidão de ser humano, de confrontar cada momento, cada lampejo de beleza, cada dúvida e vazio que a vida carrega. Não há nada de racional ou calculado no ato de escrever; é como se cada verso fosse um fragmento da minha própria condição. Escrevo porque, de alguma forma, a humanidade me inspira a existir assim, em palavras.
- Paulo Rodrigues – Há traços do existencialismo na sua poesia. Você se considera um poeta existencialista?
Bioque Mesito – Sim, eu me considero um poeta existencialista, mas não porque escolhi sê-lo — é mais uma consequência de como vejo o mundo e de como a vida me atravessa. A poesia, para mim, é uma busca por significado em meio ao caos, uma tentativa de compreender o que é ser neste mundo, onde tudo é transitório e nada é certo. A cada poema, eu examino as profundezas do que significa existir: o sofrimento, o amor, a solidão, e o absurdo que ronda cada escolha, cada renúncia.
A minha poesia nasce desse confronto com a própria existência, dessa tentativa de dar forma ao que muitas vezes parece indizível. Então, se ser existencialista é escrever para entender, para desafiar o vazio, para mergulhar no mistério da condição humana — então, sim, sou um poeta existencialista.
- Paulo Rodrigues – Poeta, você poderia comentar um pouco sobre suas principais influências na poesia?
Bioque Mesito – Minha poesia é um reflexo de um universo vasto e diversificado de influências que me moldaram ao longo do tempo. Poetas como Bandeira Tribuzi, Ferreira Gullar, Nauro Machado, José Chagas e Luís Augusto Cassas trouxeram suas nuances e sabedoria, abrindo novos caminhos para a minha escrita. A riqueza da poesia francesa, com Jacques Prévert, me ensinou sobre a musicalidade das palavras, enquanto a força da poesia russa, representada por Maiakovski, me impactou com sua intensidade.
Sinto que a tradição modernista brasileira também me motivou, especialmente através das vozes de Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meireles e Affonso Romano de Sant’Anna, que expandiram os limites da linguagem poética. Poetas como Roberto Piva e Paulo Leminski acrescentaram camadas de inovação e experimentação com as quais pude experimentar. Porém, Jorge Luis Borges é um dos autores que mais admiro, com sua capacidade de explorar a linguagem e a existência de maneiras que me provocam e me colocam em ares inovadores. Essa diversidade de influências serviu e serve para que eu tenha respeito pelos que vieram antes e continue no processo da escrita, mas também me levou a questionar e refletir sobre a condição humana, que é o verdadeiro cerne da poesia.
- Paulo Rodrigues – Boa parte da poesia contemporânea brasileira está inserida na busca pela criação e pela experiência. Como você avalia os poetas contemporâneos? Há bons autores na poesia contemporânea do Maranhão?
Bioque Mesito – Acredito que a poesia contemporânea no Maranhão está repleta de vozes valiosas. Não posso deixar de mencionar Hagamenon de Jesus, um poeta do qual aprendi muito e continuo a aprender; Antonio Aílton, um dos maiores expoentes da nossa poesia e um crítico literário de olhar certeiro; Dyl Pires, radicado em São Paulo, mas de origem ludovicense, que é outra voz importante nesse cenário; Ricardo Leão, que se destaca com sua habilidade de utilizar formas e temáticas variadas; Natan Campos, que brilha tanto na prosa quanto na poesia; Geane Fiddan, radicada em Recife, mas que é uma poeta sensível e consciente; Rafael Oliveira, um poeta de mão cheia que sabe lidar bem com as palavras; Cláudio Terças, que é muito cuidadoso com o que diz em poesia; e César William, que apresenta uma obra sólida e impactante.
Os irmãos Marinho, Samuel (uma poesia ultracontemporânea) e Samarone (existencialmente poético), têm se mostrado grandes contribuintes para o panorama poético, enquanto Wanda Cunha mantém um trabalho coerente e profundo. Também cito César Borralho, que possui um tom poético muito inventivo, e Rogério Rocha, que vem cavando seu espaço de forma admirável.
Paulo Rodrigues desponta como uma grande voz da nossa poesia, além de tecer comentários críticos muito interessantes. Não posso esquecer Luiza Cantanhêde, Anna Lis e Evilásio Junior, que são parte da turma do Vale do Pindaré, contribuindo de maneira significativa e vibrante à cena literária.
Poetas como Silvana Meneses, que usa a síntese da poesia como marca singular; Sebastião Ribeiro, com uma poética robusta que merece mais leitura; Neurivan Sousa, que possui um trabalho muito particular e cuidadoso com a palavra; Lindevania Martins, que brilha tanto na prosa quanto na poesia; Daniel Blume, que a cada novo livro vem crescendo; e Júlio César, que conheci recentemente, são outros poetas que merecem destaque.
O poeta Eduardo Júlio se revela sintético, mas sempre lúcido. Marcelo Chalvinski, com sua poesia madura e enviesada, Fernando Abreu e Paulo Melo Sousa escrevem com maturidade, trazendo reflexões que nos tocam. E, claro, não posso deixar de lembrar meus amigos Rosemary Rêgo, Carvalho Junior e Celso Borges, que nos deixaram cedo, mas cuja influência permanece. Peço desculpas se deixei alguém de fora, mas são essas as vozes que me vêm à mente e às quais tenho apreço. A cena poética contemporânea está rica em diversidade e profundidade, e acredito que estamos apenas começando a explorar todas as suas possibilidades.
- Paulo Rodrigues – Para que serve a poesia hoje? Qual é a ambição da poesia de Bioque Mesito?
Bioque Mesito – Acredito que a poesia hoje serve como um reflexo das nossas inquietações e um meio de conexão entre as pessoas. Em tempos de tanta complexidade e desafios, a poesia nos permite expressar a profundidade das coisas e questionar a realidade ao nosso redor. A minha maior contribuição para a poesia é compartilhar e divulgar a literatura de meus pares, celebrando a riqueza e a diversidade das vozes contemporâneas. Ao destacar o trabalho de outros poetas, não só enriqueço meu próprio processo literário, mas também ajudo a criar uma rede de apoio e reconhecimento que fortalece a cena poética. Acredito que, ao fazer isso, estou contribuindo para um diálogo mais amplo sobre a importância da literatura na nossa sociedade, mostrando que cada poema, cada livro, tem o poder de transformar e de nos conectar.
- Paulo Rodrigues – Bioque, como você avalia a relação entre os poetas do Maranhão?
Bioque Mesito – A relação entre os poetas do Maranhão é marcada por uma grande comunhão, onde diferentes estilos convivem harmoniosamente. Tanto os que estão na trilha há mais tempo, como Salgado Maranhão, Luís Augusto Cassas, Laura Amélia Damous, Alberico Carneiro, Viriato Gaspar, Rossini Corrêa, Wybson Carvalho, Morano Portela, e José Ewerton Neto, quanto os poetas mais novos que têm lançado seus trabalhos recentemente e se destacado, trazem uma riqueza de vozes que enriquece nosso panorama literário. Essa diversidade é essencial, pois cada poeta traz sua perspectiva única, suas vivências e suas experiências, criando um diálogo constante entre gerações.
Essa convivência não apenas fortalece a cena poética, mas também gera um espaço de aprendizado e troca, onde todos nós, independentemente do tempo de carreira, podemos crescer juntos. Essa interconexão entre poetas é um dos aspectos mais bonitos da nossa literatura, e me sinto privilegiado por fazer parte desse movimento coletivo. Dentro desse contexto, não posso deixar de mencionar o grupo [de rede social] “Integrantes da Noite”, que reúne uma parcela significativa desses poetas e escritores de vários estilos. Esse coletivo é um verdadeiro reflexo da diversidade literária do Maranhão, onde cada membro traz sua própria voz e abordagem, enriquecendo ainda mais o diálogo criativo.
- Paulo Rodrigues – Como funciona o processo criativo do poeta Bioque Mesito?
Bioque Mesito – Meu processo criativo é profundamente influenciado pelo que observo no mundo ao meu redor, especialmente pelo esfacelamento da humanidade e pelos atos de brutalidade que marcam a nossa realidade. Cada experiência, cada imagem e cada sentimento que surge diante de mim se transforma em um questionamento que busco expressar por meio da poesia. Para mim, a criação é um reflexo da minha percepção crítica do que nos rodeia, um convite à reflexão sobre as contradições que vivenciamos.
Transformo essas inquietações em poemas, buscando não apenas descrever a realidade, mas também questioná-la e, em certo sentido, transcender suas limitações. A poesia se torna, então, uma ferramenta para explorar a essência humana, um espaço de resistência onde posso dar voz ao que muitas vezes é silenciado. Nesse processo, cada palavra é cuidadosamente escolhida, cada imagem é evocada com intenção. Ao compartilhar essas inquietações, eu me conecto com os outros e provoco uma discussão mais profunda sobre a condição humana. Assim, meu trabalho poético se torna um reflexo e um questionamento do mundo, um diálogo entre o que vejo e o que sinto, sempre em busca de uma transformação existencial.
- Paulo Rodrigues – Bioque, quais são os novos projetos literários que você está desenvolvendo?
Bioque Mesito – Estou sempre inquieto, e essa inquietude me acompanha desde os meus primeiros passos na escrita. Atualmente, meus projetos mais imediatos incluem o lançamento da Antologia dos Integrantes da Noite, que será uma coletânea de vozes e estilos diversos que compõem o nosso grupo. Além disso, estou trabalhando no meu sexto livro intitulado Revoada de Interrogações.
Outro projeto que me entusiasma é a exposição de poemas, que contará com a participação de alguns poetas maranhenses. Essa iniciativa pretende celebrar a riqueza da nossa literatura e proporcionar um espaço para que essas vozes se entrelacem, compartilhando suas experiências e perspectivas. Cada um desses projetos reflete minha busca constante por diálogo e conexão com a literatura, contribuindo para o panorama poético do Maranhão e além.
- Paulo Rodrigues – Você teria alguma curiosidade literária que pudesse partilhar com os leitores?
Bioque Mesito – Tenho sempre curiosidades, sejam literárias ou de outras vertentes, e uma que me intriga é o porquê do esquecimento da literatura, especialmente da poesia, por parte da iniciativa pública. É doloroso ver como a poesia, essa expressão tão rica da condição humana, é deixada de lado. Evento como a Feira do Livro de São Luís (Felis) parece agonizar a cada ano, pela falta de inventividade e valorização dos escritores maranhenses. A diminuição dos festivais de poesia é outra questão que me preocupa, pois esses espaços eram vitais para a divulgação e celebração da nossa arte. Porém, existe luz em meio a esses absurdos culturais e, aqui, desejo vida longa ao Concurso da Sobrames, capitaneado pelo poeta Rafael Oliveira, que com recursos próprios, fez uma linda festa com poetas de várias cidades do Maranhão. É interessante ressaltarmos isso, porque, enquanto instituições com poucos recursos conseguem fazer algo, a prefeitura e órgãos da cultura que seriam responsáveis têm negligenciado o Concurso Literário e Artístico Cidade de São Luís, que é lei municipal.
É encorajador perceber que as academias de letras, como a Academia Maranhense de Letras (AML) e a Academia Ludovicense de Letras (ALL), estão se esforçando para fomentar a literatura. Elas têm promovido homenagens, saraus, lançamentos de livros e aproximado o público amante da literatura dos poetas e escritores, criando um ambiente mais acolhedor e incentivador. Essas iniciativas são um sopro de vida para a cena literária, lembrando-nos que a poesia e a literatura, em geral, ainda têm um lugar importante em nossas vidas.
- Paulo Rodrigues – Deixe uma mensagem para os nossos leitores.
Bioque Mesito – Vivam da melhor forma possível e com integridade, porque viver é o que nos conecta à melhor poesia, que é a nossa existência.
Todo os poemas abaixo são parte integrante do livro ainda inédito “Revoada de interrogações”.
AS CONDIÇÕES TEMPORÁRIAS
a que se destinam
as tecnologias se carnificinas
são mais céleres
do que protótipos oriundos
de inteligências artificiais
há um estado virtualizado
que amordaça o arbítrio
seduzido pelos impactos
de robozinhos implacáveis
ontens emergindo de nós
oferecidos em bitcoins
negociados no metaverso
não são mais pura ficção
um sestro que se especializa
em reter nossas sensações
CEGUEIRA REMOTA
a vida seria plena
se tivéssemos tempo
de cessar a pressa
à antiga maneira
de contar os ponteiros
o pouso lento das máquinas
ao contrário de nossa busca
pendulamos nossos destinos
o livre arbítrio à porta
só se vive por algum motivo
o bambúrrio de amar
sem incumbências
o que não se pode
mascarar a gente
emperra
A CASA DAS PRIMEIRAS INVENÇÕES
a minha avó limpando o terreiro
me lembrava a velha da litania
as paisagens mórbidas e sutis
do antigo bairro do sacavém
não sei ao certo o que ela catava
talvez folhas ou inúteis pedregulhos
ficava imaginando aquele mundo
como se as tardes fossem minhas
em seus estampados de chita
dançava sinuosa entre a chuva
segurando as cadeiras na varanda
observava subir entre os telhados
pegando frutos que caíam maduros
sem saber que tudo um dia acabaria
CIRCUNSCREVE
a Salgado Maranhão
no sangue que desce da minha pálpebra
famigerada linha contumaz entre moucos
perpassa a imagem de um tempo inviolável
tentando esmiuçar as flores de minha janela
no contexto parecido com as batidas torpes
do chão das minhas coronárias estúpidas
são meus dragões que não sabem dos amanhãs
incerteza pétrea ao avançar sob as tutelas vãs
o afagar da tua mão em minha desnorteada
clareza pende entre obscuros movimentos
uma chaga de destemperos a aniquilar o som
que perpassa sinalizando as cruas fechaduras
nos invernais sentimentos que nos atropelam
do mistério que caminha rouco ao tom da vida
*
[O entrevistador, Paulo Rodrigues, é poeta, professor e ensaísta, autor de Cinelândia, 2021, e A Claridade da gente, 2023, entre outros.]
Entrevista e seleta maravilhosas! Parabéns Paulo, Bioque e o Sacada!
Poeta Sebastião Ribeiro, realmente, a entrevista ficou de alto nível. Um abraço fraterno!
O Sacada agradece a vocês, poetas primorosos e pessoas extraordinárias. Abração!
O poeta Bioque Mesito é uma potência da poesia do Maranhão!
Você também, meu amigo!
Matéria maravilhosa, entrevista, pensares, poesias! 👏👏👏👏
Obrigado, querida poeta Karla Castro. Juntos, somos mais fortes. Te admiro!