Sacada Literária

Cultura, crítica e divulgação

Isaque Rosa Almeida, UEMA/Campus Itapecuru

Aluno de Letras da UEMA/Itapecuru resenha o livro A CAMISETA DE ATLAS, de Antonio Aílton

A CAMISETA DE ATLAS, DE ANTONIO AÍLTON

 

Isaque Rosa Almeida*

 

 

O AUTOR E A OBRA 

 Antonio Aílton [Santos Silva] é um poeta maranhense, natural da cidade de Bacabal. Sendo um dos mais influentes e respeitados do estado, ganhou bastante reconhecimento entre os escritores do cenário poético. Sua notoriedade deu-se a partir dos anos noventa em São Luís. Aílton é poeta, professor, pesquisador da poesia brasileira contemporânea e Doutor em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco. Entre os prêmios que recebeu ao longo de sua carreira, estão o Prêmio Literário e Cultural Cidade de São Luís (nas categorias poesia e ensaio) e o Prêmio Cidade do Recife (poesia).

Na obra que será aqui apresentada, A Camiseta de Atlas (EDUFMA, 2023), Aílton expressa sentimentos e reflexões, sempre enfatizando acontecimentos, cenários reais da sociedade em diferentes perspectivas, adentrando em diversas causas relevantes de discussões. Um exemplo disso é o poema, “20 cofres vazios para carregadores indispostos”, onde se percebe claramente uma crítica social e cultural, utilizando de referências para delimitar essa crítica. Nesse poema, o poeta faz referência à mais-valia e aos meios de produção, os quais são conceitos da luta de Karl Marx. Ele também faz menção a Émile Durkheim, um dos principais arquitetos da ciência social moderna, destacando a tensão entre progresso e suicídio. A obra está repleta de menções relevantes, sendo seus poemas cheios de sutilezas e referências contemporâneas, com forte e marcante presença da ironia com humanidade, recursos que têm um papel decisivo na poética de Antonio Aílton.

 

CONTEXTUALIZAÇÃO

A camiseta de Atlas é uma obra recente e atual, pertencente ao contexto da poesia brasileira contemporânea. Nessa perspectiva, sua escrita traz consigo grande influência de conceitos, acontecimentos, fatos e referências ligadas à atualidade. A obra captura essa conjuntura ao mostrar de forma realista duras realidades, tais como desigualdades, críticas sociais e culturais, que põem ser lidas a partir de uma perspectiva sociológica, dentre outras. A noção de que até os atos mais simples da vida podem carregar significado e complexidade, além das dificuldades de pessoas em subempregos, como o demonstrado no poema “A garçonete” ou em “Estiva”. A junção do contexto histórico contemporâneo com a ironia e a humanidade poética do autor se sobressaem, tornando esses aspectos marca registrada na obra em questão.

 

RESUMO CRÍTICO

Esta obra de Antonio Aílton apresenta uma estrutura composta por uma grande diversidade de poemas, cada um deles com uma abordagem distinta e assuntos pautados no cotidiano do homem contemporâneo, trazendo temas relacionados a causas sociais, vida cotidiana e até amor. Com ampla gama de interpretações, a forte presença da ironia conduz o leitor a refletir profundamente sobre a possível mensagem contida em cada verso e estrofe, mantendo-se atento e reflexivo. Entretanto, podendo concordar ou ter uma visão diferente, uma vez que a ironia é desvencilhada do eu-lírico e adentra na polifonia, tornando os escritos com múltiplas vozes ou discursos, sem uma voz monolítica.

 

ANÁLISE TEMÁTICA DE ALGUNS POEMAS

Tomando como base os poemas com representações e referências às críticas e lutas sociais, alguns chamam bastante atenção pela notória relevância do tema para o autor, sendo uma de suas características. No poema “Nariz de hilux”, há uma crítica à política, ao cinismo presente e às desigualdades. O autor destaca o cinismo como sendo parte da política nacional, que a princípio deveria representar a população e os interesses públicos, mas que se mostra ao contrário, os políticos agem com indiferença e falta de honestidade com seus próprios eleitores, visando apenas o interesse próprio e benefícios. O autor usa o termo atual “pós-humano” para enfatizar sua crítica, que eventualmente significa uma pessoa ou ser hipotético cujas habilidades são superiores às dos humanos atuais, conforme explica a professora Maria Lucia Santaella, em Pós-humano – Por quê? (2007, p. 136): “Para me referir à atual necessidade de repensamento do humano na pluralidade de suas dimensões – molecular, corporal, psíquica, social, antropológica, filosófica, etc. – utilizo o termo pós-humano”. Esse ser hipotético seria uma máscara para as verdadeiras intenções da politicagem brasileira; sutil, porém com significado profundo. Nesse viés, percebe-se uma crítica das diferentes realidades do país, ao consumismo exagerado de uma minoria, em contraste com a miséria de uma parcela significante da população: “Os pobres por natureza não precisam dividir seus bens / ou porque não os têm / ou porque nunca os tiveram”.

 

A maior arte da política é o cinismo

travestido de pós-humano

Os que são pobres por natureza não precisam dividir seus bens

ou porque não os têm

ou porque nunca os tiveram

Mas não é preciso ter bens para dividi-los

(p. 41).

 

Seguindo dentro das causas temáticas possíveis de reflexão, o “Poema para as unhas da quebradeira de castanhas” possui uma análise centrada na realidade dessas mulheres. Para ser mais preciso, o autor ressalta, sem recorrer à romantização, a difícil realidade em que as mesmas se encontram. A desvalorização, a falta de apoio social e a invisibilidade da classe trabalhadora são temáticas abordadas. Esse poema transmite uma mensagem direta baseada em um fato brutal, de que essas trabalhadoras são vistas socialmente apenas como possíveis ferramentas de trabalho, sem mais utilidades além das quais lhe foram impostas, que ao fim de suas atividades seriam descartadas e trocadas. A expressão, num verso desse poema, “são alicates com garras brilhantes” dá destaque a essa visão, uma vez que a palavra “alicate” seria uma expressão para mãos, sem nenhuma função além do trabalho.

A aceitação, tanto por parte social quanto das próprias trabalhadoras, as mantém naquele estado de permanência e desvalorização. Seus valores já são os mais baixos possíveis, mas, fora daquele ambiente, os valores são menores ainda, e isso as faz permanecer nessa inércia. Uma vida sem oportunidades e sem o direito a um dia brilharem, “Humanos sem brilho, de olhar cabisbaixo”. O autor deixa claro que esse paradigma se mantém pela falta de oportunidades, desigualdades e a falta de empatia para com o próximo: “Cretino destino”. Antonio Aílton explora de maneira exemplar seu notório descontentamento diante dessa problemática, que possui uma ligação com seus demais poemas com essas temáticas que adentram no campo sociológico. Ele assume papel de sinceridade em mostrar a crueldade dos fatos, não diminuindo ou romantizando a dor e sofrimento dessas trabalhadoras. O descaso, o abandono, a solidão, a tristeza e a falta de proteção e cuidados não são ocultos, são abordados de forma nua e crua, exatamente como deve ser, “Há ali a velha dor abafada e sem luvas / do subjugo humano”.

 

As quebradeiras de castanha do mercado livre

são alicates com garras brilhantes

Mas há a coisa, os metais duros

e há o humano

O humano se utiliza das coisas

Humanos sem brilho, de olhar cabisbaixo

não pertencem ao mercado livre

As meninas não pertencem ao mercado livre

não serão compradas

As meninas quebradeiras de castanha não têm alicate, têm unhas

rasgando o leite ácido sobre a pele

(p. 32-33).

 

Por sua vez, o poema intitulado “Estiva”, mantém a linha de raciocínio e relação com os demais poemas apresentados aqui. Estiva também destaca uma crítica com posicionamento centrado. Ele expressa um contexto atual, perceptível com a descrição de equipamentos tecnológicos industriais. A crítica pode estar presente em um acontecimento contemporâneo que cresce com o passar dos anos, o avanço das tecnologias e a substituição do trabalho humano, que consequentemente leva à desvalorização da mão de obra do homem: “agora que as empilhadeiras eletrônicas / movem malhas de estopa e engradados”. O seguinte fragmento, “especializam-se / em transportar um mar / dentro da cabeça”, ressalta a ironia do autor, que nos leva a compreender que os trabalhadores levam em seus pensamentos muitos problemas e preocupações. Isso tem a ver com a própria preocupação com a perda do trabalho ou ainda com o aumento de responsabilidades, o que levaria ao desgaste psicológico, uma vez que o trabalho braçal foi atribuído às máquinas.

 

Agora que as empilhadeiras eletrônicas

movem malhas de estopa e engradados

de um lado para outro

e os longos braços mecânicos

abastecem os contêineres

sem nada perguntar

os homens do porto

especializam-se

em transportar um mar

dentro da cabeça

 (p. 20).

 

CONCLUSÕES FINAIS

O livro A Camiseta de Atlas é uma obra composta por vários poemas, cada um deles segue uma estrutura e estética única, com temáticas e assuntos específicos. Contudo, uma semelhança entre a grande maioria deles, o que os faz serem conectados por um ideal, é a motivação do autor em exprimir causas atuais e contemporâneas, a qual é feita de maneira sublime, associando seus escritos com questões sociais reais. Os pontos positivos da obra perpassam sobre essas questões, adentrando no campo sociológico, o que movimenta discussões e possíveis posicionamentos para o embate a esses paradigmas. Um possível ponto que poderia ser negativo ou não, pode ser relacionado à grande presença da própria ironia nos poemas, já que, ao mesmo tempo que pode dar liberdade de interpretação ao leitor, pode dificultar na absorção da mensagem central que o autor quer passar, mas essa pauta é complexa. Esse esse ponto pode ser flexível para cada indivíduo. A obra é uma experiência única que pode ser bastante impactante e agregar diferentes perspectivas que desafiam e provocam reflexões profundas.

 

 

REFERÊNCIAS: SILVA, Antonio Aílton Santos. A Camiseta de Atlas. São Luís: Editora: EDUFMA, 2023.

SANTAELLA, Maria Lucia. Pós-humano: por quê?. REVISTA USP, São Paulo, n.74, p. 126-137, junho/agosto 2007.

 

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Isaque Rosa Almeida é aluno do Curso de Letras Português da Universidade Estadual do Maranhão/Campus de Itapecuru-Mirim.