O CONTO COLHEITA, DE LINDEVANIA MARTINS
Jorge Eduardo Lopes Mendes*

O conto Colheita, de autoria da escritora maranhense Lindevania Martins, foi publicado em três espaços diferentes: no InComunidade (Revista Portuguesa) e no site Notícias da Região Tocantina (do jornalista Marcos Fábio), no formato virtual, publicado também, em formato impresso, na antologia do Mural das Minas, organizado por Marcos Fábio e José Neres.
A pinheirense Lindevania Martins, além de escritora, é prosadora, poeta, pesquisadora, palestrante, graduada e doutora em Direito (UFRJ), mestra em Sociedade e Cultura (UFMA) e defensora pública da mulher e da população LGBTQIA+. Na sua trajetória como escritora, Martins contabiliza vários prêmios literários, destacando-se o 6° Prêmio CEPE Nacional de Literatura, com o livro Teresa Decide Falar (2022). Publicou também livros como Anônimos (2003), A Moça da Limpeza (2021).
Colheita é uma narrativa breve, que contém apenas dois personagens, sendo eles: Josefa – a figura central, uma mulher jovem, muito determinada e corajosa – e um garoto que aparenta ter entre 14 a 16 anos, covarde e impiedoso. A família da protagonista não conseguia plantar em suas próprias terras, porque a família do menino desviou o curso do rio que abastecia a localidade. Diante dessa situação, Joana invadiu a propriedade do “malfeitor” para furtar-lhe alguns tomates. Contudo, seu ato “criminoso” não passou despercebido. O mancebo, ao encontrá-la subtraindo os frutos, pôs a vida de Josefa sob a mira de um revólver calibre 38.
Embora tivesse uma arma mirando o seu corpo, a mulher mostrou-se corajosa. Debalde tentou dissuadir seu assassino, mas este, frio e calculista, em um ato de covardia, apertou o gatilho e tirou a vida de Josefa.
Esse conto suscita uma análise baseando-se na sociologia da literatura e nos pressupostos do feminismo literário, que, neste escrito, complementam-se e possibilitam ao leitor uma reflexão mais profunda diante do problema social apresentado na narrativa.
Para Neto (2007, p. 18), a sociologia da literatura ocorre quando o pesquisador “ao estudar o modo como um gênero literário (seu aparecimento, enfraquecimento ou transformação) está sujeito a injunções culturais e históricas e ao esboçar uma tipologia do gênero com base em pressupostos filosóficos que elegem o indivíduo e seu entorno como motivo”. Em outras palavras, isto quer dizer que essa linha de estudo possibilita compreender o papel que a literatura exerce para a sociedade e como o seu produto é recebido nesse contexto social ao qual está inserida uma determinada obra literária.
Seguindo esse ponto de vista, o conto propicia uma discussão acerca do conflito social que envolve as duas famílias, no qual está nítida a existência de uma tensão entre classes sociais. De acordo como o texto, pode-se inferir que a família da protagonista possui pouco poder aquisitivo, e que seu sustento provinha unicamente da produção obtida em suas terras, ao passo que a outra família, dona de fazenda, goza de maiores privilégios financeiros.
— Não pode correr? Você dificulta as coisas. O que tinha que vir até a nossa fazenda? Não sabia que podia encontrar um de nós?
— Você sabe. É a fome. Teu pai nos impediu de plantar em nossas terras quando desviou o curso do rio (Martins, 2022, p. 01).
O desvio do curso do rio impossibilitou a atividade lucrativa e, por conseguinte, prejudicou a subsistência do primeiro núcleo familiar. Esse fato leva o leitor refletir como as ações da elite social, que neste caso é representada pela segunda família, impacta diretamente na vida da população menos favorecida, que, na maioria dos casos, tem os seus direitos vilipendiados.
Ao relacionar o conto com a realidade do Maranhão, pode-se afirmar que a narrativa de Lindevania é uma representação dos vários conflitos agrários ocorridos no estado, que envolvem disputa por terras, água, trabalho e outros motivos. Segundo os dados oficiais, a Unidade Federativa, no ranking nacional dos conflitos agrários, ocupa a terceira posição, o que torna a correlação mais evidente entre o real e o ficcional.
— Vim porque não tive outra opção. Não gosto de fazer o que fiz.
— Está roubando de nós.
— E o que você pretende fazer não é muito pior?
Ele bufou de raiva:
— É dura a vida aqui.
— E a nossa vida não é mais dura ainda?
—Temos que zelar pelo que é nosso. Meu pai sempre diz. Vocês destroem tudo que construímos.
— E vocês nem nos deixam construir (Martins, 2022, p. 02).
Evocando agora os pressupostos feministas, sabemos que o Feminismo, enquanto movimento social, despontou a partir dos anos 60, e possibilitou que a população feminina, antes privada de envolver-se, publicamente, em quaisquer atividades de cunho intelectual, alcançasse espaço em vários âmbitos, dentre eles o mundo da escrita. Na Literatura, a mulher tinha vez apenas como personagem dos cânones literários, mas não como produtora destes.
As personagens femininas, fruto da criação masculina, reforçavam o estereótipo culturalmente estabelecido pela visão machista. Consoante Zolin (2009, p. 226), a figura feminina, nos textos, foi construída a partir das características de “mulher sedutora, perigosa e imoral, o da mulher como megera, o da mulher indefesa e incapaz e, entre outros, o da mulher como anjo capaz de se sacrificar pelos que a cercam”.
Ao comparar os aspectos da personagem Josefa, uma representação de figura feminina, com as qualidades que foram descritas, percebe-se uma quebra com o paradigma machista. A Literatura de autoria feminina, como essa de Lindevânia, busca representar a mulher como um ser humano autônomo e consciente, capaz de aperceber-se de sua realidade e questioná-la. Nesse sentido, não mais cabe à pessoa do sexo feminino o papel de ente frágil e dependente.
Além de discutir todas essas questões que foram apontadas, na contemporaneidade, as obras dessa vertente literária preocupam-se em espelhar o tratamento que o público feminino recebe da sociedade por lutar em prol dos seus direitos, salientando que a luta das mulheres para alçar postos sociais é uma batalha que, dia após dia, é travada em resistência ao pensamento machista e patriarcal.
Destarte, a obra de Lindevania Martins, devido à sua relevância no tocante aos aspectos histórico-sociais, representa um lumiar para a consciência humana, provocando reflexões acerca da realidade que se vive no Maranhão e no Brasil. Com um texto sucinto e direto, simultaneamente simples e profundo, permite ao leitor, independentemente do nível de escolaridade, compreender a mensagem que lhe é passada.
REFERÊNCIAS
MARTINS, Lindevania. Colheita. Revista InComunidade, 2022. Disponível em: https://www.incomunidade.pt/colheita-lindevania-martins/. Acesso em 25/12/2024.
ARAÚJO NETO, Miguel Leocádio. A sociologia da literatura: origens e questionamentos. Revista Entrelaces, Fortaleza, v. 1, n. 1, p. 15-20, ago. 2007.
TOFANELO, Gabriela Fonseca. A Trajetória do Feminismo na Literatura de Autoria Feminina Brasileira: Espaços e Conquistas. Maringá: SIES, 2015.
ZOLIN, Lúcia Osana. Literatura de autoria feminina. In: ZOLIN, Lúcia Osana; BONNICI, Thomas. Teoria Literária. 3. ed. Maringá: Eduem, 2009.
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Jorge Eduardo Lopes Mendes é estudante do Curso de Letras Licenciatura em Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa da Universidade Estadual do Maranhão/Campus Itapecuru-Mirim.
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