Sacada Literária

Cultura, crítica e divulgação

Escritor José Ewerton Neto - Divulgação

JOSÉ EWERTON NETO a propósito do romance “A Ilha e o céu de Berenice”

 

SOBRE O ESCRITOR J. EWERTON NETO

 

O escritor José Ewerton Neto (Guimarães, MA, 04/04/1953) é um dos mais significativos que produzem hoje, com origem no Maranhão, tanto na prosa, onde atua com mais frequência, quanto na poesia. Seu romance mais conhecido é O ofício de matar suicidas, reedição de 1999 de O prazer de matar, premiado no Concurso Cidade de São Luís e publicado pelo extinto Serviços de Obras Gráficas do Estado – SIOGE, em 1993. Na poesia, seu livro seu livro Cidade aritmética obteve, em 1995, o prêmio Sousândrade, no Concurso Literário e Artístico Cidade de São Luís, e foi publicado pela FUNC. 

De lá para cá, o autor tem escrito regularmente crônicas para jornais e sobretudo contos, gênero no qual tem se destacado com reconhecimentos, como os recebidos por livros como O menino que via o além (2008), que foi adquirida pela Secretaria de Cultura de Belo Horizonte para compor o acervo das bibliotecas do Ensino Público e Ei, você conhece Alexander Guaracy? (2009), além de outros.

Em 2021, José Ewerton Neto, ou simplesmente Ewerton, publicou A ilha e o céu de Berenice, seu terceiro romance, e é a propósito deste que recebemos, das mãos do autor, o texto da escritora Gabriela Lages Veloso, que tece importante comentário de apresentação do romance.

A propósito dessa oportunidade, aproveitamos também para fazer duas perguntas ao autor, cujas respostas nos revelam, em poucas linhas, a estatura de compreensão que tem Ewerton sobre sua obra e seu processo criativo. Com isso, o Sacada Literária se alegra de abrir este espaço a quem tem e ainda terá muito a nos acrescentar.

Sacada LiteráriaQue lugar o romance “A Ilha e o céu de Berenice” ocupa em tua escrita, e quais alegrias ele te traz enquanto escritor com outros romances lançados, como “O ofício de matar suicidas”?

José Ewerton Neto – Considero que este romance marca minha escrita de forma especial por ser minha primeira narrativa longa ambientada em São Luís. Os outros como o O ofício… q vc citou sã ambientados em qualquer paisagem urbana, são romances em que as características dos  personagens não são influenciadas pela cultura local como acontece, de certa forma, com a Ilha e o céu de Berenice,  onde a personagem principal é uma mulher, de personalidade peculiar à sensibilidade feminina, mas com desejos, aspirações e sonhos influenciados pela cultura local.

Sacada LiteráriaA escritora e mestranda em Letras Gabriela Lages Veloso em texto recente sobre “A Ilha e o céu de Berenice”, compreende seu estilo como tendo certo “naturalismo”, e que. ao mesmo tempo, se utiliza de uma “linguagem poética”, ao tratar de questões sociais e da violência no cenário urbano. Mas, num sentido geral, na sua visão, até que ponto elementos como a poeticidade e o lirismo, ou mesmo o riso, podem tirar o peso de uma leitura austera sem minimizar a gravidade e a importância que o assunto requer?

José Ewerton Neto – O ser humano como disse Henry James é a soma de suas ilusões e a poesia é uma de suas ilusões mais satisfatórias no sentido da realização. O poético, assim, é inerente ao gênero humano e está presente em todos os momentos de sua existência, mesmo os mais cruciais e angustiantes. Em um romance que descreve as agruras e os temores da juventude ao se defrontar com o pragmatismo e a indiferença do mundo adulto, a poesia teria de estar presente como elemento vivo dessas perspectivas e ilusões bruscamente interrompidas. No caso, essa poesia pode ser transmitida tanto no apelo à arte (já que a personagem principal do romance é uma bailarina) como pelo próprio ambiente de uma cidade com tantos elementos  poéticos  como São Luís. Mas posso dizer, como autor, que os momentos líricos da narrativa e da trama surgiram de forma inconsciente e espontânea, nada foi proposital ou pré-concebido.

 

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SOBRE O ROMANCE “A ILHA E O CÉU DE BERENICE”

Gabriela Lages Veloso*

 

José Ewerton Neto é escritor e membro da Academia Maranhense de Letras. É autor de diversos livros, dentre os quais destacam-se: Cidade Aritmética e Estátua da Noite (pertencentes ao gênero poesia); os romances O ofício de matar suicidas e O menino que via o Além; a novela O entrevistador de lendas, o livro de contos Pequeno dicionário de paixões cruzadas e O ABC bem-humorado de São Luís (pertencente ao gênero crônica).

Em 2021, José Ewerton Neto publicou A ilha e o céu de Berenice, o seu terceiro romance, sendo o primeiro ambientado na cidade de São Luís. Essa obra foi imaginada a partir de uma notícia das páginas de um jornal.
A morte de um professor, por bala perdida em uma festa de estudantes, desencadeia uma série de acontecimentos, que fazem vir à tona as paixões e os sentimentos inconfessáveis dos personagens da narrativa. Vale ressaltar que a escrita desse livro foi iniciada no século passado, período no qual a trama se desenrola.

A literatura brasileira contemporânea tem se ocupado, sobretudo, com os modos de figuração da vida urbana, os embates que os sujeitos empreendem diante do lugar que vivem, transitam e, consequentemente, elaboram suas frágeis construções identitárias. Desse modo, Patrocínio (2014) propõe a tríade violência, marginalidade e realidade social, enquanto temário recorrente da ficção contemporânea.
Na tentativa de fazer um mapeamento das margens e abrir espaço para as novas vozes sociais, os escritores contemporâneos têm evidenciado percursos narrativos de personagens em trânsito e oprimidos em suas marcas de subjetivação (etnia, classe social, gênero, idade, orientação sexual). Nesse sentido, sobreleva-se o romance A ilha e o céu de Berenice (2021), tal como é possível notar no trecho a seguir:

Notou que aquelas casas eram desprovidas de luxo mas, embora velhas, tinham resquícios de opulência vindos da memória e tempos antigos, como, aliás, eram comuns nas ruas do Centro, mas estas ostentavam, além disso, um certo ar de cumplicidade que lhes era dado pela proximidade umas com as outras. […] Na realidade, ao subir aquelas ladeiras era como se todas aquelas casas fossem uma só e ele estivesse invadindo um corredor estreito sob olhares que convergiam por detrás dos musgos das paredes […] as ladeiras pareciam ir e voltar com uma única intenção: drenar a presença das horas e evitar que sacudissem fortemente aquela luz noturna do passado, de melancolia e preguiça (NETO, 2021, p. 33).

Ao longo de toda a narrativa, um ar de suspense se instaura, o que captura a atenção dos leitores e leitoras. Outro aspecto de suma importância é a linguagem utilizada pelo autor: um misto de naturalista (simples, coloquial, apresentando a realidade tal como ela é) e poética. Além do espaço urbano, também é necessário observar a construção dos personagens, desde a escolha de seus nomes.
Por exemplo, os nomes dos protagonistas são Jácio e Berenice. Jácio provém do latim jacere, que significa “manifestar suspeitas”, por isso, é um nome bem interessante para um delegado. Por sua vez, Berenice vem do grego Berenike, que quer dizer literalmente “portadora da vitória”, significado que também coaduna com a narrativa.

É válido enfatizar que o romance é permeado por uma série de críticas sociais. Aborda, de maneira clara e objetiva, a crueldade da pobreza e das desigualdades sociais, as diversas injustiças causadas pela corrupção e os vários abusos que as mulheres enfrentam no cotidiano: violência física, sexual e psicológica.

Portanto, A ilha e o céu de Berenice (2021) propicia um olhar mais agudo e crítico sobre a cidade e a realidade social, ao apresentar reflexões sobre o ambiente em que vivemos e construímos nossas identidades. Afinal, todos somos ilhas de anseios e expectativas.

 

Gabriela Lages Veloso é escritora, poeta, crítica literária e mestranda em Letras pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Autora de Através dos Espelhos de Guimarães Rosa e Jostein Gaarder: reflexos e figurações (Editora Diálogos, ensaio, 2021) e O mar de vidro (Caravana Grupo Editorial, poesia, 2023). Organizou a Antologia Poéticas Contemporâneas: uma cartografia da escrita de mulheres (Brecci Books, 2023).