Arte [e literatura] nos cursos de Medicina

A arte de escrever

 Rafael Oliveira*

As universidades têm inserido a arte como disciplina nos cursos de medicina. Natalino Salgado Filho em artigo publicado em O ESTADO – A arte de cuidar, a arte de viver – mostra que “Canadá e EUA têm mais de quarenta universidades em que a arte é parte integrante da formação médica”. Sem dúvida, esse modelo de ensino inovador estimula o lado sensível do médico, sobretudo porque no mundo pós-moderno as relações em medicina são tacitamente comerciais. Os direitos do consumidor estão aí pra provar que o binômio médico-cliente se caracteriza pela relação de compra e venda do produto mais valioso da vida: a saúde! Além disso, os processos contra médicos avolumam-se a cada dia mais pelos tribunais.

 Ser médico, entretanto, é ser consciente de que por trás dos estetoscópios, dos aparelhos de pressão, das imagens radiológicas, dos diagnósticos, dos receituários há sempre um inconsciente (médico) artístico ligado à pintura, à música, ao teatro, à poesia, à escultura, à dança etc. No cenário mundial, por exemplo, muitos escritores consagrados foram médicos. Arthur Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes, estudou medicina na Universidade Edimburgo. Robin Cook, criador do gênero médico na literatura, na Universidade de Columbia. Cook é autor de romances com temática médica: Febre, Coma, Erro médico. Anton Tchekhov cursou medicina na faculdade de Moscou. Ele foi também teatrólogo, contista e ensaísta. Paul Fleming, poeta alemão, estudou medicina da Universidade de Leipizig. Deixou versos como estes: “Ah, viesse aquele tempo em que tempo não há, / P’ra nos levar do nosso para os tempos de lá / E a nós de nós mesmos, para podermos ser/Iguais àquele tempo que já deixou de ser!” (Tradução de João Barrento).

Na literatura brasileira, Joaquim Manoel de Macedo, autor de A moreninha, era médico. Pedro Nava cursou medicina na antiga Faculdade Medicina de Belo Horizonte. Foi memorialista e historiador. Sua obra mais citada é Baú de Ossos. O autor de Sagarana e Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa, formou-se em medicina na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Moacyr Scliar, tornou-se médico pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS). Escreveu romances, contos, crônicas e manteve uma coluna semanal na Folha onde opinava criticamente sobre temas da vida, do tempo e da sociedade.

Na literatura maranhense, o padre e médico João Mohana (João Miguel Mohana) transitou com expertise por temas complexos e polêmicos: sexuais, religiosos e psicológicos. Sua obra prima é: Maria da Tempestade.  Por outro lado, a SOBRAMES-MA (Sociedade de Médicos Escritores), congrega uma plêiade de médicos que tratam a palavra com a devida sensibilidade e/ou maestria. Mário Luna Filho, Cirurgião Pediátrico, publicou Do sapato ao pé descalço (poemas) e Do granito e do infinito (poemas). Arquimedes Vale, Endoscopista, publicou Resíduos cartesianos (poemas), Apologia do abstrato (poemas) e Agora eu conto (contos).  Michel Hebert, Pediatra, publicou Verbo em ebulição: oração, salmos e poesias (poemas), Palavras e verbos (poemas), A Bíblia em versos. Antônio de Pádua Filho, Urologista, publicou O velejador (contos), Encontros (romance) e Confraria do caos. Natalino Salgado Filho, Nefrologista, publicou Tarquínio Lopes Filho: médico, político, jornalista e administrador que virou mito (ensaio) e Neiva Moreira: apóstolo da liberdade (ensaio). Euler Sauaia, Neurocirurgião, publicou Eu, poeta (poemas).  Érico Cantanhede, Cirurgião Geral, publicou Pedras no muro (poemas) e Diário de um câncer. Socorro Veras, Neurologista Pediatra, publicou: Eu Nua e Pura.

Conclui-se, com isso, que a medicina e a arte estão sempre entrelaçadas ou de mãos dadas. E buscar na arte um contraponto para a medicina significa tornar a missão de cuidar do outro uma tarefa agradável e, ao mesmo tempo, gratificante. Apolo, Asclépio e Hipócrates, obviamente, agradecem.

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*Rafael Oliveira é Médico, poeta, membro da SOBRAMES-MA.