Sacada Literária

Cultura, crítica e divulgação

Poeta e Professor Altemar Lima

ALTEMAR LIMA entrevistado por PAULO RODRIGUES

PAULO RODRIGUES ENTREVISTA O POETA

ALTEMAR LIMA

 

1. Paulo Rodrigues – Poeta Altemar Lima, você já esteve em diferentes espaços do Poder Público. E agora está atuando mais uma vez com educação. Qual o sonho do Altemar Lima para educação pública do Brasil?

Altemar Lima –  De fato, desde cedo, adolescente, fui tocado para o problema das desigualdades sociais e ferido pela falta de oportunidades, algo comum aos segmentos mais pobres da nossa população. Na década de 1970, menino, movido pelos desatinos do destino, segui o itinerário da adversidade do migrante nordestino, saindo de uma cidade  do interior do Maranhão, para a periferia do Distrito Federal e depois para “a cidade maravilha, purgatório da beleza e do caos”, como diz a canção interpretada pela Fernandinha Abreu, ex-Blitz. Por lá, vivi todas as ranhuras e agruras de um maranhense pobre que vai para  a cidade grande, com os “pés cansados e feridos de andar légua tirana”, porém diante da mais avassaladora adversidade, tinha a convicção de que o conhecimento era uma ferramenta poderosa de superação, pois até então morava em uma escola, na casa da minha avó Luiza Francelina, uma alfabetizadora extraordinária, que lecionava em casa.  Meus sonhos sobre a educação foram sendo cimentados pela escassez e pela esperança. Lembro que quando fui prestar o vestibular aos dezesseis anos, fiquei dividido entre Filosofia e Letras e essas duas opções me levariam inevitavelmente para o magistério, fruto da minha experiência anterior. Sempre digo que o magistério me escolheu! E essa afirmação não é uma questão retórica, é uma condição de vida, confirmada pela minha trajetória!          

Veja, educação é um fenômeno complexo, precisa-se de estudo, por isso ao longo da vida intento compreender e formular proposições para essa área. O conceito de ‘equidade’ parece responder parcialmente à pergunta. Um dos meus sonhos é que haja equidade na distribuição dos sabres socialmente legitimados. No dia em que os filhos das classes subalternizadas entenderem que a educação é uma ferramenta revolucionária e se apropriarem das estruturas de ensino existentes, ainda que com suas precariedades, quebrarão os grilhões que obstaculizam a justiça social. Estudar, aprender, romper os processos de seletividades estabelecidos pelas elites dirigentes, que nos impossibilitam  de construir um projeto intelectual, é um ato revolucionário! Sei que a mim e a muitos outros da minha geração estava destinado o caminho da roça, do subemprego, como única alternativa possível de sobrevivência, mas felizmente rompi essa bolha e isso foi possível por meio da educação!     

2. Paulo Rodrigues – A Cláudia Costin afirmou em uma entrevista: “Isso não quer dizer que o professor tem que ser uma pessoa só generosa.  Ele tem que ter direito de ter orgulho profissional. E orgulho profissional quer dizer orgulho das suas práticas. Isso quer dizer também que a formação de professores tem que ser centrada não só na teoria, como prevalece no Brasil, (…) e também pensar em conectar com a prática. ”. Você concorda com a Cláudia Costin?

Altemar Lima – Historicamente a profissão de professor tem sido desvalorizada. Esse é um fato. E tem relação com a negação do acesso ao conhecimento socialmente legitimado por parte das elites brasileiras, desde o Império! A primeira lei que trata de educação no Brasil proibia o ensino de leitura e da escrita para negros e índios. Com a instauração da República, a luta dos Pioneiros da Educação Nova para tornar a educação pública, travada vigorosamente com as forças conservadoras da Igreja Católica, que detinham a primazia de ensinar, nunca foi de todo vitoriosa. Entendo que refletir criticamente sobre  a História da Educação no Brasil, é fundamental,  pois  a educação, entendida como capital cultural é algo de grande valor, então na perspectiva das elites dirigentes brasileiras, não deveria ser distribuída para todos, apenas para o seus. A educação sempre foi um território de disputa e continua a ser, engana-se quem descuida-se desse entendimento. Essa lógica, assentada em um viés religioso, até meados nos anos de 1960, e, hodiernamente, sob o pretexto de assegurar a qualidade da educação, tem sido convenientemente negada para os segmentos mais pobres da população. Somente depois da Constituição de 1988, entendeu-se a educação como direito de todos, porém até o momento, ocorreu a universalização apenas da educação fundamental, e essa universalização está longe de chegar à educação infantil, ao ensino médio e muito menos ao ensino superior. Os dados de acesso são incontestáveis. Isso significa, que a educação – como capital cultural – continua sendo negado. E no ensino fundamental, em que houve a universalização,  há dois processos contraditórios e simultâneos: a inclusão e a exclusão, pois tem-se a universalização da matrícula na escola pública de ensino fundamental, portanto a inclusão, todavia os dados de aprendizado adequado, de proficiência, em português e matemática, demonstram que não há a aprendizagem necessária, ou seja, sob o manto da inclusão se engendra silenciosamente a exclusão, representada pela não aprendizagem,  e a responsabilidade sobre esse fenômeno recai, via de regra  ou sobre o professor, ou sobre os pais ou sobre os alunos! O estado como promotor da aprendizagem não aparece nesse cenário, não se percebe além dessa penumbra…

Portanto, se os setores excluídos não se organizarem, e aí incluo os professores, para compreender, para além da aparência, os processos de perpetuação das desigualdades que se legitimam por meio da educação, não serão sujeitos cientes, mas inscientes, como diria Darcy Ribeiro! Ao professor carece formação superior adequada, senso crítico, que o situe em seu espectro de classe, falta-lhe organização, tempo para estudar e compreender os processos sociais para além do senso comum. Esses fatos de natureza sociológica, portanto coletiva, desromantizam o papel do professor! Não creio em abordagens que exaltam a ação individual do professor, como único instrumento promotor do sucesso da aprendizagem. Apesar de compreender que o seu esforço, a sua dedicação, são fundamentais, entretanto se não nos compreendermos como intelectuais orgânicos, no sentido gramsciano do termo, parte de um segmento de classes, e as crianças a quem nos dedicamos, como parte necessária à superação do individualismo, seremos apenas reprodutores do status quo. Então, ser generoso é, antes de tudo,  compreender a marcha com suas ações, contradições e inflexões e entender que a sociedade estamos construindo ou reproduzindo com a nossa práxis.   

3. Paulo Rodrigues – Quais são as boas práticas que a educação pública de Alto Alegre do Pindaré tem para ensinar ao país?

Fonte: freepik.com

Altemar Lima – Compreendermos que não basta abrigar o aluno no interior do sistema de escolarização, é necessário assegurar os meios para a concretização  da aprendizagem, desenvolver o senso crítico tanto dos alunos, quanto dos pais para que consigam  compreender a educação como um instrumento de emancipação de sua condição social e proponente de valores. É necessário manter uma rede física escolar de boa qualidade e climatizada; dotar as escolas com mídias digitais; estabelecer  estratégias de estimulação da frequência e da aprendizagem. Entretanto, isso somente se tornará possível quando houver a compreensão e o engajamento dos gestores municipais e toda a população atendida pelo sistema público de escolarização.  Fomos pioneiros na adoção do ensino por ciclos, na adoção de ações de combate à evasão, estabelecendo premiação por assiduidade, em razão disso, já tivemos o melhor Ideb do Norte/Nordeste… implantamos a primeira escola municipal bilingue de ensino fundamental, temos muitos avanços. Mas, temos muitos desafios também, ainda não resolvemos, por exemplo, o problema da aprendizagem nas escolas multisseriadas. Percebemos que as escolas da periferia do sistema de ensino carecem de novas estratégias, soluções locais para melhorar a aprendizagem das crianças camponesas;  ainda não solucionamos a falta de professores de língua inglesa e de matemática! Temos hoje 45 professores mestres e mestrandos, além de quase quatrocentos cursando a graduação, isso representa um grande avanço. Estamos estruturando o setor de pesquisa aplicada à educação, pois entendo que  temos que estudar os problemas locais à luz das ciências da educação e apresentar soluções para situações concretas, concretizando de fato teoria e prática. Temos que ampliar as escolas de educação infantil… esse é um desafio que precisa ser superado. 

4. Paulo Rodrigues –  O Brasil parece que ainda não se descobriu. A escola desconhece seus escritores, seus poetas, principalmente os contemporâneos. A escola precisa formar leitores para ampliar as aprendizagens?

Altemar Lima – Enquanto não se compreender a função da educação como instrumento de poder e de transformação das condições de existência vamos continuar na periferia, sem usufruir dos bens culturais de estética mais complexa, que exceda ao exercício da simples contemplação. O contato da criança com livro, com a literatura faz enorme diferença para sua vida. Infelizmente e, não por acaso, a indústria cultural destina produtos culturais de acordo com o nível de entendimento do público, tornado um produto volátil de consumo. Dou o exemplo da música romântica popular ou brega. Inadvertidamente há quem pense que ter predileção por um determinado tipo de música (sertanejo, brega etc.) é uma questão de gosto pessoal. Ledo engano, o que há de fato é  a padronização das preferências e tendências musicais pela via da repetição, um enlatado de frivolidades… Tenho prestado atenção em certas linguagens musicais que, em última instância, reforçam estereótipos e contribuem gravemente para a violência simbólica contra a mulher, pois a dor do homem é supostamente  decorrente da decisão unilateral e injustificada da mulher de romper a relação amorosa. Nesse caso, há por certo, a culpabilização da mulher de todos os seus atos quase sempre motivados pela ingratidão, pela traição, pela sordidez, pela vilania etc. Isso tocado milhares de vezes é naturalmente internalizado, por crianças e adultos,  e atua para a construção da subjetividade masculina, tornando a mulher em eterna causadora do infortúnio alheio: mulher ingrata e fingida, mulher bandida, mulher ciumenta etc. Não há como negar que esse entendimento sobre a mulher reforça a tragédia social do feminicídio, afinal o homem bebe, se exaspera, não tem razão de viver, sofre, por culpa de uma “mulher ser coração!” Não por inocência, esse tipo de produção cultural,  atua como cimento para uma percepção machista e completamente equivocada do sentimento amoroso. Pior que isso, é que o poder público, para atender aos anseios dessa indústria cultural, financia e reproduz esse entulho cultural e esquece a importância de promover outras e necessárias manifestações culturais. Desconsiderar a importância das artes cênicas, do cinema, da fotografia, da dança, da literatura para a vida, limita o horizonte da existência, torna o sujeito escravo da sua própria ignorância. Organizar feiras de livro, mostras culturais, festivais de música, poesia, teatro e cinema são questões primordiais para garantir o acesso das crianças a uma produção artística que as façam pensar… Por isso, tento não apenas ler, tento apreciar um texto, um livro, tento não apenas ouvir música, mas compreender o que ela pretende  dizer, ou seja, tento buscar o prazer estético na literatura, na música, no teatro, no cinema etc.

A estética é uma área de conhecimento da filosofia, portanto tem imbricações com as artes em geral, mas o que apreciar em uma “música” que repete o óbvio? Dia desses ouvi uma canção que repetia freneticamente:  “bebe e senta, bebe e senta, bebe e senta”, uma lástima! Mas, ouvi uma canção assim: “a poesia é a palavra que quer viver.” Se já ouviram “Caminhos de Sol”,  entenderam o que significa a palavra que quer viver. Tomei um susto de tanta beleza presente nesse verso! Ouvir Grelo ou Djavan não é uma questão de gosto, é uma questão de estética! A escola me ensinou a gostar de música e de literatura, portanto ela tem o dever primaz de criar leitores e escritores, de construir “olhos de metáfora” nas crianças, dar-lhes asas à imaginação, desenvolver a habilidade de interpretar uma canção. Louvo os poetas por sua tenacidade, mas estamos longe de ser ouvidos, mas sei que não seremos vencidos enquanto houver inspiração!

5. Paulo Rodrigues – Como a literatura chegou na vida do Altemar Lima?

Altemar Lima – Lembro que quando criança eu criava um passarinho canoro, um bigode, que gorjeava espetacularmente em uma gaiola, certo dia uma professora do ensino fundamental me presenteou com um poema de Olavo Bilac, que versejava assim: “Deixa menino insensato, o passarinho voar, que mal de fez a avezinha que passa a vida a cantar?”. Naquele dia, depois de recorrer ao dicionário, libertei o passarinho e me tornei poeta! A literatura chegou até a mim por meio da educação, acredito que com muita gente também foi assim.  No sentido inverso do poema do Drummond há sempre um professor ou professora no meio do caminho! Fiquei tão motivado, que aos doze anos fiz um curso de jornalismo por correspondência por meio do Instituto Universal Brasileiro, e me tornei jornalista mirim do Jornal de Brasília, jornal que eu vendia aos finais de semana pelas ruas de Ceilândia – DF; depois fiz todos os cursos bíblicos das Casas Publicadoras do Brasil, depois disso, decorei poemas de Castro Alves e Álvares de Azevedo.

6. Paulo Rodrigues – Quais autores influenciaram a produção literária do Altemar Lima?  

Altemar Lima – Uma professora me presenteou com um livro de bolso chamado: Poetas Românticos Brasileiros, declamava alguns poemas desse livro e passei a ser conhecido na escola em razão disso! Ser identificado como poeta passou a constituir uma identidade para mim, um diferencial, de algum modo isso me destaca dos outros alunos e despertava a atenção dos professores para essa relação incomum com a literatura. Isso foi muito importante. Nessa ocasião, eu escrevia “longas cartas pra ninguém”, como dizia o poeta Antônio Cícero, pois as escrevia e as perdia intencionalmente na rua, e achava aquela uma brincadeira muito divertida, imaginando que sentimentos poderiam despertar em quem as encontrasse, até hoje penso nisso, principalmente quando ouço a música “Corsário”, de João Bosco. Naquela época, fui tomado pelas emanações românticas dos poetas do Século XIX, paixão intensa e profunda, idealização amorosa, emotividade, estava criando uma certa identidade com o sentimentalismo amoroso desses autores, queria saber sobre suas vidas, seus amores e isso me levava à biblioteca ou à professora! Importante que era levado a sério, não era entendido como um devaneio adolescente, novamente a escola foi fundamental. Com base nesses instintos escrevi aos 13 anos um livro mimeografado chamado “Dedicatória”, dedicado a uma colega de escola! Certo dia ganhei de presente um livro do poeta alagoano Lêdo Ivo que se chamava “Ode ao crepúsculo”, com linguagem lírica e simbolista, então entendi que a poesia poderia ser uma asa importe e não me afastei mais dela. Ledo Ivo, que tive a oportunidade de conhecer quando cursava Letras na Universidade Castelo Branco, no Rio,  foi uma grande inspiração para mim. Depois conheci a obra de Moacir de Oliveira Felix, de quem me tornei amigo, quando li Toda Poesia, uma coletânea de poemas do Ferreira Gullar, aí se consolidou minha verve literária! Li todas as crônicas de Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino, daí não parei mais. Na ocasião, tinha o intento de viver de escrever, mas esse sonho ainda está latente e incompleto…   

7. Paulo Rodrigues – O livro Ensaios para Madrugada mistura contos e poesia? Fale um pouco sobre essa obra.

Altemar Lima – Esse livro é uma tentativa de fundir gêneros textuais, havia escrito alguns livros de poesia, um romance, um livro acadêmico, então tive a ideia de escrever um livro híbrido de contos e poesias! É um livro que explora sinestesicamente minhas reminiscências, é marcado pelas memórias afetivas, olfativas e pictórias da minha infância, e pela dor da perda precoce do meu irmão Altemir, um evento trágico que marcará toda minha existência e da minha família.

A morte é um mistério e um evento natural, porém inaceitável, difícil de ser assimilado, por isso o homem em sua trajetória civilizatória construiu as mais diversas narrativas para consolar-se da sua inevitável condição de ser mortal, eu me amparei na poesia, na tentativa de traduzir uma dor que não tem cura, nem tradução, pois como disse no poema “Os olhos da tarde”: “somente as pedras compreendem a dor da morte.”

A própria dualidade corpo/alma, é uma construção social para nos dar conforto diante  da morte. Como compensação, somos dotados da capacidade de procriar, e não há evento mais extraordinário do que você, como ser, como existência, ser capaz de gerar outro ser, dar à luz a uma outra existência! Fico abismado com a grandiosidade disso. O livro também aborda poeticamente essa condição. Passo horas a refletir sobre esta questão: como é possível um ser, ser capaz de gerar outro ser, independente e capaz de se reproduzir? Talvez por isso, a literatura bíblica seja tão poeticamente assertiva quando diz que filhos são bençãos do Senhor! Percebeu alguma semelhança com título “Ode ao crepúsculo”? Pois 40 anos me separam desse livro, ainda assim ele está presente na minha vida, tanto que inconscientemente influenciou a escolha do título do meu último livro: Ensaios para a Madrugada!    

8. Paulo Rodrigues –  Poeta, você também compõe músicas. Tem canção gravada por alguns nomes importantes. Quais os pontos de contato entre letra de canção e poesia?

Altemar Lima – Resolvi compor minhas próprias músicas, porque viajo muito e ouço muito rádio, e cansei de ouvir essas “músicas” que se ouve nas rádios, impulsionadas pelas redes sociais. Tenho composições que permitem durante a viagem ouvir algo que faça algum sentido, que não está à venda, mas que me traz algum prazer estético. Ouço e me emociono com Luís Gonzaga, Cartola, Caetano, Djavan, Zé Ramalho, Belchior, Roupa Nova. Minha rejeição aos modismos atuais nada tem a ver com conflito de geração, ou com saudosismo, ouço músicas de qualquer tempo, desde façam algum sentido, entreguem uma mensagem, gosto muito do pop rock dos anos 1980, porque são vozes que buscam indagar o mundo… Luís Melodia, Adriana Calcanhoto, Altemar Dutra, Zeca Baleiro, Chico César e Vinícios de Moraes têm um lugar especial na minha playlist e aí se tiver um vinho por perto, você pode estar certo que vai ser bom… Lembrei de Regra Três de Toquinho e Vinícios… Gosto de exercitar, como um exercício prazeroso a atividade de compor e tenho bons parceiros, prazeroso assim, nobre poeta, como está sendo a nossa conversa…

9. Paulo Rodrigues – Deixe uma mensagem para os nossos leitores.

Altemar Lima – Valorizem os poetas, leiam seus livros, declamem seus poemas, principalmente dos poetas que pulsam perto de vocês, da sua cidade, do seu bairro, da sua rua, pois eles têm olhos de metáfora. Afinal, como dizia Gullar “a arte existe porque a vida não basta.” Salve Paulo Rodrigues, Luís Henrique, Luiza Cantanhede, Carlos Vinhort , Airton Sousa, Anna Liz, Lary Maria e Salgado Maranhão, que a vida nos seja leve!

 

*

 

Altemar Lima – Biografia

É Licenciado em Letras, Especialista em Gestão Escolar; Especialista em Supervisão Escolar; Pós-graduado em Filosofia; Mestre em Educação pela UFMA; doutorando em Educação pela Universidade Lusófona de Lisboa; embaixador do Instituto Galileu Galilei; membro do Centro Integrado de Desenvolvimento da Educação – CeiD de Lisboa; professor convidado do Instituto Lusófono de Educação. Ocupa a Cadeira 23, da Academia Arariense-Vitoriense de Letras. É poeta, escritor e compositor, e dentre as suas composições destaca-se a música Louvação a Alto Alegre do Pindaré, que escreveu em parceria com Jajá Ayres, para celebrar a sua querida cidade, soando como um hino àquela que considera ser sua terra natal. É autor das obras: Carnaval dos Mortos, Cantos de um Amor Imperfeito, Monumento ao Desejo, A Explicação da Repetência e da Evasão Pelas Vítimas do Fracasso Escolas e Ensaios para a Madrugada. Foi saudado pelo poeta Nauro Machado, como “poeta  camponês do mundo”, posicionando-se no cenário maranhense como incentivador da cultura e das letras.

 

Poemas de Altemar Lima

[Livro: Monumento ao Desejo

Poema “O rio”, página 34]

 

O rio

 

A lembrança

navega o rio

com sotaques de luar.

 

Em estranha sinfonia,

o rio ruma

para o norte

e se põe a murmurar…

 

O rio é a veia,

é a vida

da minha aldeia…

 

Que no sul

persegue a vida,

que no norte

encontra a morte.

 

Mas, lá no oceano distante,

no meio do universo,

há pitadas de doçura

do rio que eu conheço.

 

– O que disse o rio?

Agora ouço de perto,

as mãos em concha a ouvir

um grito que vem do fundo:

 

– Sou o rio que passa!

– E você, quem é?

 

*

 

[Livro: Ensaios para a Madrugada

Poema: “Ensaios para a Madrugada”, página 48-49]

 

Ensaios para a Madrugada

 

Luzes multiformes, a lua cisma pelo céu, encontra o rio em abraços sensuais. Vento uiva pelos telhados, lobos noturnos. Todos dormem! Enquanto o menino passeia pelas sombras, como lembrança que não dorme. Joga bola, mima cães, doma gatos no abrigo dos quintais. Passeia pelos telhados! Liberta pássaros. Saci noturno! Anda sobre as águas, desce ao fundo, nada com os peixes; joga bola de gude com vagalumes. Olhos vagalumes. Todos dormem. A cidade não decifra segredos da noite. Enquanto estrelas escorrem do céu para o chão, metal líquido, heras espraiando muros. Todos dormem. O menino bate à porta, corre para não ser visto! Pura travessura, noite espia. Corre, empina papagaios, inventa cores. Todos dormem. Sobe escadarias da Rua Rio Branco, descalço, volta a subir. Esconde-esconde com as sombras, vulto, vento, brisa, passeia. Desconhece o medo, diverte-se, imita gente, imita pássaros, todos os pássaros. Sorriem outras crianças invisíveis. Todos dormem. Esculpem castelos, amarelinha. Inventam gestos, carlitos noturnos, dançam sob a chuva… Magenta, a noite escorre pelas ruas indo à madrugada. Ele cerzindo mantos para estrelas. Canções de ninar, transeuntes secretos, aspira neblina como algodão doce. Todos dormem. Amanhecendo… mugido das vacas no curral, galos adivinham o dia; silencioso sol vindo, apagando pegadas, menino envolto no manto da noite indo. Crianças voam. O menino monta seu unicórnio e volta para algum lugar…

 

*

 

[Livro: Ensaios para a Madrugada

Poema: Cinco da tarde, páginas 114-115]

 

Cinco da Tarde

 

vozes retinam

no mosaico das horas

em agonia

– foi breve sua partida!

 

a catedral repica

seus credos

salpicados de fé e sangue

às cinco da tarde:

o cortejo passa, um silêncio expia!

 

espreito a paisagem:

um quadro na parede

(os olhos tremidos de insônia)

as pedras,

os frutos,

os musgos,

a natureza morta

 

a casa vazia,

a estante vazia

a morte se estende

pela tarde vazia:

– o espelho arde no torpor das coisas aprisionadas!

 

ao redor da mesa

apenas os fantasmas

que me visitam

à mesa posta

às cinco da tarde

 

ao longe

uma canção

lanceteia o osso,

a artéria, a saudade

e faz sangrar

uma revoada de pássaros cegos

às cinco da tarde:

– que a noite lhe seja leve!