Morano Portela nos apresenta, em primeira mão, 4 poemas do novo livro do poeta Poesia de sempre/agora, coletânea contendo poemas de Cavalo-marinho (1990), Itinerário do caos (1998), Na asa turva da vertigem (2010) e Novos Poemas, a ser publicado em breve. Os 4 poemas integram a parte do livro inédito Novos Poemas.
ECCE HOMO
Diz aí, ó humano
– bicho feito de carne e dúvida –
de onde vem a ânsia muda
que em ti mora e se multiplica?

O rio passa e permanece.
Que palavras elevarão a prece
toda substância e comunhão
que irá proferir a aurora
inatingível à tua mão?
POEMA TRÍPLICE
pra ler poesia
minha mana
é preciso acariciá-la
soprar leve azul
em seus cílios
pra sentir poesia
meu brother
é preciso ecoar
silêncio no silêncio
sem ruídos
pra viver poesia
mon amour
é só andar nas ruas de são luís
subir descer ladeiras
entre séculos casarões
admirar a lua sobre os velhos telhados
os paralelepípedos da praia grande
as pedras de cantaria
e ali bem perto encantar-se
de olhos bem abertos
com o pôr do sol os barcos a vela
navegando pelo sonho
de viver
mon amour
de viver
dentro de tão bela tão bela
poesia
COMUNHÃO

Amor é gozo físico
prazer de juntos.
Ausência queimando
o líquido sal do desejo
de corpo dentro de corpo.
Sua linguagem nos leva
e lava onde palavra não –
mas limpos, olhos e abismos,
tudo em só sentir somos.
O amor nos diz e perturba
e confere ao milagre da carne
essa santidade torta
entre o ácido de cotidianas mortes
e a ilusão bendita
de que algo do humano
comunga-se, efêmero,
com o eterno.
NUDEZ II
melhor fora não cortar uma, mas as duas orelhas
tomado que sou às vezes (também) pela fúria ou depressão
e não quero (nem que pudesse) compor a 9ª sinfonia,
incluindo a alegria de schiller, pois já estaria quase
totalmente surdo, porém iria querer como rimbaud,
navegar um barco embriagado sob uma tempestade
abençoando meus despertares marinhos antes
de me calar pra sempre e
después après after perambular pelas ruas de
paralelepípedos da Praia Grande sem sequer saber
quem sabe um dia (quem sabe) salvar the world (e a mim, claro) ao deparar-me, enfim, com a poesia.
ALGUNS COMENTÁRIOS SOBRE A POESIA DE MORANO PORTELA
Sobre Cavalo-Marinho
Cavalo-Marinho é o fruto (inicial?) de um talento poético de grande carga emotiva a espraiar-se contidamente em versos restauradores, entre nós, do bom e seco fazer metafórico. Forma sempre condizente com o tema, esse livro possui uma flagrante unicidade textual, fruto, sem dúvida, de um trabalho coeso e desenvolvido ao longo dos tempos.
NAURO MACHADO
Assim, ao falar de Portela, não direi vulgarmente que estamos diante de um poeta que se revela. Prefiro dizer que a poesia é que se revelou nele. De qualquer modo, o que ele demonstra em sua obra é que a vida está no poema da mesma forma que o poema está na vida, visto que, semelhante ao poema, o homem é um ser de palavras, mesmo quando se mantenha em silêncio.
JOSÉ CHAGAS
Sobre Itinerário do Caos
Gostei da concisão e da força dos poemas. Do clima que eles geram. Do lirismo. Eu me impressiono com sua busca do essencial. No seu livro só há raízes e incessante galopar para as profundezas.
JOSÉ LOUZEIRO
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Morano Portela é membro-fundador da Academia Caxiense de Letras-ACL, tem publicados individualmente os livros da coletânea Cavalo-Marinho (vencedor em 1º lugar do concurso da Secretaria de Cultura do Estado – SECMA, 1990), Itinerário do caos (editado pela Caburé, produção independente, 1998), Na asa turva da vertigem (vencedor em 1º lugar no concurso da Literário e Artístico Cidade de São Luís – Prêmio Sousândrade, 2010) e Novos Poemas, inédito, faz parte da coletânea.
Tem participação em várias obras coletivas como Antologia da Poesia Brasileira, A Poesia Maranhense do Século XX, Circuito de Poesia Maranhense, entre outras.
Belos poemas do Morano. Concisão, precisão nas palavras, com um lirismo tímido, quase envergonhado, mas que sabe dar às palavras substância e amplitude, voltagem e horizonte.