HÁ RIOS ONDE RIMAS SÃO MORTALHAS
Um recado foi deixado
debaixo dos sujos
tapetes.
Em meio aos cisos brancos
das bocas dos canibais
há cantos em falsete
serpentes aladas planando
ao lado dos corpos flácidos.
Rios por entre miragens
nas plácidas margens
onde rimas são mortalhas
que respingam qual
gotas
a sangrar na chuva
sobre as calhas
rotas.
A sorte deixou-me
quando esqueci
das
promessas
que nunca foram pagas
dos tesouros furtados
de dentro das casas
de meus ancestrais
Dorme o rio infecto
de sangue, vestes,
limos dos mangues,
restos de monges
e demais excrecências
lançadas ao Una,
bem longe do Corda,
ao Anil reminiscências,
acorda Bacanga,
acorda!!!
Cada verso que teço
no contínuo tempo-espaço
é um acorde de valsa
orquestra em descompasso
um bode solto na praça
da cidade onde aconteço.
Cada verso que faço
é qual barra de aço
a espancar mortais
com o ódio fortuito
dos games gratuitos
das proles morféticas
das drogas sintéticas
no fundo dos currais.
Meu curto evangelho
eu o prego às pressas,
com meus trajes persas
a secar nos varais.
No jogo da sorte
que joga o poeta
eu rio da morte
no verão de Creta
e danço insolente
na frente do touro
que pisa a serpente
num afresco mouro.
Entre um salto e outro
na escuridão do poço
regurgito o indizível
em tudo o que falo
Quando um sono frouxo
semeio com esforço
um outono impossível
esvai-se pelo ralo.
*
Rogério Rocha (São Luís/MA) é um pensador, poeta e produtor cultural, graduado em Filosofia e Bacharel em direito, pós-graduado em Direito Constitucional e Ética e mestre em Criminologia. É membro da Academia Poética Brasileira, da Academia de Letras Artes e Ciências do GOB-MA, e da Academia Maçônica de Letras – MA. É membro-fundador e organizador de projetos Iniciativa Eidos e do Duo Litera, que realizam eventos de Literatura e Filosofia. Autor do livro Pedra nos Olhos (2019).
Acho que essa poética é a que deves e vem buscando. Te aproximando mais da diversidade do texto e menos filosófica por assim dizer. Um bom poema que demonstra que dominas bem as palavras. Valeu, Rogério Rocha!
Ótimo poema!! Muito profundo!! Parabéns!!!
O poema de Rogério Rocha, intitulado Há Rios Onde Rimas São Mortalhas, apresenta uma complexa interação entre elementos líricos, simbólicos e surrealistas. O título sugere um contraste intrigante entre a beleza dos rios e a mortalidade das rimas, antecipando o tema da dualidade e da efemeridade ao longo do poema. O poema segue uma estrutura irregular em termos de estrofes e métrica, o que reflete a complexidade dos sentimentos e imagens evocados pelo poeta. A ausência de rima regular também é notável, sugerindo uma liberdade criativa. O poema é rico em imagens surrealistas e perturbadoras. Cisos brancos das bocas dos canibais, serpentes aladas e corpos flácidos criam uma atmosfera onírica e perturbadora. A natureza desempenha um papel importante, com referências a rios, mangues e elementos naturais que se misturam com a história e a herança cultural (“restos de monges”, “tesouros furtados de dentro das casas de meus ancestrais”). Essa fusão de elementos naturais e culturais cria uma paisagem única e misteriosa. Há uma profusão de símbolos e metáforas, como “rimas são mortalhas”, que sugerem que a expressão poética pode ser ao mesmo tempo uma forma de celebração e uma representação da mortalidade. O rio infecto pode simbolizar a decadência e a corrupção. O poema parece ser uma reflexão sobre a condição do poeta e a sua relação com a sociedade. A ironia está presente quando o poeta ri da morte e dança insolentemente na frente do touro, desafiando convenções e expectativas. O poema sugere uma luta entre a autenticidade do poeta e as pressões sociais. A busca pela verdade e a expressão genuína são retratadas como desafiadoras, mas fundamentais. Apesar da ausência de rima regular, o poema tem um ritmo próprio, com aliterações e assonâncias que contribuem para a sua musicalidade. Isso ajuda a criar uma atmosfera única e envolvente. É um poema que desafia as convenções, explorando a dualidade da expressão poética, a relação entre natureza e cultura, e a busca pela autenticidade, convidando o leitor a uma reflexão profunda sobre a arte e a vida.