Sacada Literária

Cultura, crítica e divulgação

Poeta Luiza Cantanhende - Foto: divulgação

POETA LUIZA CANTANHÊDE ENTREVISTADA POR PAULO RODRIGUES

“A poética de Luiza Cantanhêde […] cresce a partir de um ditame de sua sua natureza primeva, em que o impulso do olhar dá luz às coisas geminadas. Tudo em sua voz é tátil, intuitivo, confrontado com a experiência inaugural”, diz o poeta Salgado Maranhão no livro Plantação de Horizontes (2023), sobre a poesia dessa maranhense de Santa Inês, hoje residente em Teresina.

Por sua vez, prefaciando esse mesmo livro, diz a poeta/ensaísta Mariana Ianelli: “Terra e alento: dessa conjunção se faz um horizonte que Luiza Cantanhede sabe ser real e metafórico. Horizonte substantivo do chão que sustenta caminhos e aquele que é dado pela “lavoura dos sonhos”, os mirantes, as mãos das crianças, o flerte com a aurora”.

É sobre ela mesma, Luiza Cantanhêde, e sua poética, que trata  esta entrevista, enviada ao Sacada pelo também poeta, além de professor, ensaísta e ativista cultural, Paulo Rodrigues – e que vem enriquecer aqueles que acompanham seus trabalhos, suas obras e engajamentos, realizando nosso propósito. 

 

ENTREVISTA COM LUIZA CANTANHÊDE, POR PAULO RODRIGUES

 

PR – Poeta Luiza Cantanhêde, o Ferreira Gullar disse num verso: “só é poesia o que não se sabe”. A poesia é mesmo uma descoberta?

LC – Discordo um pouco do Mestre, quando diz que “só é poesia o que não se sabe” , porque para a mim a poesia é a revelação de tudo que não sei, daí podemos dizer que a poesia é também uma descoberta, sobretudo pela capacidade de revelar novos significados, ainda que nos convide a explorar o desconhecido.

PR – Você poderia comentar um pouco sobre suas principais influências de verso e prosa?

LC – O meu processo de leitura iniciou-se muito cedo, muitos desses/dessas autores(as) foram fundamentais na minha formação. Nos anos 80 ao passar férias em Teresina, encontrei na casa de meu irmão uma estante recheada de “autores e autoras” que me atravessaram e me encantaram de imediato: Clarice Lispector, Lygia Fagundes Telles, Murilo Mendes, Lima Barreto, Vinícius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade e muitos outros… Ainda adolescente li os autores citados, além de Garcia Márquez, Guimarães Rosa, Graciliano Ramos… A lista é enorme! Para não me alongar muito, destaco algumas obras que imprimiram em mim o espanto e o encantamento :

A paixão segundo G.H

(Clarice Lispector)

A confissão de Leontina

(Lygia Fagundes Telles)

Grande sertão veredas

(Guimarães Rosa)

Cem anos de solidão

(Gabriel Garcia Márquez)

Admirável mundo novo

(Aldous Huxley)

Lolita

(Vladimir Nabokov)

Isto sem falar em tantos poetas de ontem e de hoje, que são faróis a iluminar os meus caminhos.

PR – Como você analisa o cenário da poesia contemporânea brasileira? Quais poetas destacaria no cenário maranhense?

LC – Este cenário tem sido marcado por uma diversidade impressionante de vozes, temas e estilos, sobretudo das vozes outrora silenciadas, das ditas minorias, das periferias, que vem rompendo as barreiras tradicionais de publicações, e aqui eu destaco o papel importantíssimo das mulheres escritoras.

Essa diversidade, reflete as complexidades da sociedade atual, abordando questões como identidade, gênero, raça, política e outras questões sociais, o que enriquece a cena Literária oferecendo perspectivas multifacetadas e estimulando diálogos importantes. Quanto ao cenário maranhense, é impossível falar de poesia, sem citar, Ferreira Gullar, Nauro Machado e Salgado Maranhão, porém o campo Literário é vasto e em constante evolução, há uma nova safra de excelência na poesia contemporânea maranhense e um movimento forte de autores e autoras de um potencial criativo que alargam a força da literatura de nosso estado, onde, modéstia à parte, nos inserimos.

PR – Poeta, quando a escrita como expressão artística começa a fazer parte da sua vida?

LC – Desde muito cedo. Eu penso que a poesia nos escolhe bem antes de sabermos se é isso que queremos para nós. Eu sempre tive uma sensibilidade exacerbada, que me faz ver além do racional, aliada à leitura de mundo e de livros, só que em 2016 isso foi “atestado” com a publicação do meu primeiro livro Palafitas,  que foi muito bem aceito e me apresentou ao mundo Literário de fato.

PR – Como funciona o seu processo criativo para a poesia?

LC – Não tenho muitas regras preestabelecidas, o primeiro critério sempre foi a leitura (eu leio muito). Guimarães Rosa já dizia: “Quando escrevo repito o que já vivi antes”. No meu caso em particular, para criar eu preciso de uma provocação, do abstracionismo, das  inquietações, mas meus olhos precisam se espantar com algo materializado: Um rio, um caminho, um babaçual, uma rosa… Eu cito aqui um trecho do poema Dois dedos abaixo do nível do mar, do livro  Palafitas, que bem define a minha relação com a escrita:  “A minha palavra é de coisa vivida”

PR – Como foi organizar a antologia O QUE NÃO CALOU DENTRO DE NÓS?

LC – Quando criamos o coletivo Vozes do Vale pensamos que, além de agregarmos poetas da nossa região, poderíamos oferecer uma visão abrangente de diferentes estilos, temas e vozes. Por isso a importância da publicação dessa antologia, que você me ajudou a organizar com a participação e parceria de Anna Liz, Carlos Vinhort, Evilásio Júnior e Luis Henrique Sousa Costa. Antologia esta, que também surgiu da necessidade e da importância de se revelar à nossa região, ao nosso estado e ao mundo, a qualidade e a força do que vem sendo produzido fora dos grandes centros, além de funcionar como um registro histórico desta época e de seus movimentos Literários.

PR – O projeto POESIA EM MOVIMENTO é necessário realmente? A literatura ajuda na formação humana dos estudantes da escola pública?

LC – Sim! Necessário e importante.  Ao levarmos poetas e poesia para as escolas, que é um dos objetivos do projeto, nós contribuímos para o desenvolvimento da sensibilidade estética e linguística dos alunos, incentivando uma apreciação mais profunda da linguagem e da arte.

E, sim,  literatura na escola pública desempenha um papel fundamental na formação humana dos estudantes, contribuindo para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais, linguísticas e críticas, além de promover a sensibilidade, a empatia e a apreciação estética.

Falo isso como estudante, que fui e sou e como poeta que percorre escolas.

PR – Deixe uma mensagem para os nossos leitores.

LC – Precisamos lutar contra a aridez de sentimentos, contra a voragem tecnocrática, sonhar um mundo mais humano, mais justo, precisamos levar para as escolas, ruas, praças, o discurso íntimo, trágico e salvador da poesia, Que a arte, a educação, a sensibilidade sejam escudos contra o desrespeito pela beleza do mundo, contra a destruição dos valores da vida.

 

DOIS POEMAS DE LUIZA CANTANHÊDE

 

NUNCA COLETEI FLORES

 

Esta mulher que habita

Em mim

Carrega em seu peito

As cantigas tristes

O bendizer das rezadeiras

As mãos nuas plantando

Os desalentos

E essa estrada cortada pelo

Horizonte

 

 

AUDIÇÃO

O que ouço

Vem do

Amor

Ajoelhado

Nu

Morrendo

Em mim

 

*