Sacada Literária

Cultura, crítica e divulgação

Poeta Evilásio Júnior

Poeta EVILÁSIO JÚNIOR entrevistado por PAULO RODRIGUES

Conversa entre poetas

 

O poeta, ensaísta e professor de literatura Paulo Rodrigues vem fazendo uma série de entrevistas com poetas representantes da diversidade literária que acontece hoje no Brasil e, de modo mais específico, no Maranhão. Nesta, apreciamos as palavras iluminadas e iluminadoras do poeta EVILÁSIO JÚNIOR.

Que a poesia promova sempre nosso afeto e aproximação.

 

  1. PR – Poeta Evilásio Júnior, o Ricardo Aleixo afirmou: “Poesia é liberdade”. É isso mesmo? Como você visualiza a poesia?

EJ – A palavra só se desenvolve no campo da liberdade, com a possibilidade de poder dizer sem censuras, de aprofundar no homem a concepção de humanidade. Quando escavamos os nossos abismos, com a lâmina afiada da poesia, trazemos à superfície camadas e mais camadas dos silêncios que habitam os nossos vazios. Ser poeta é preencher as ausências com a força simbólica da palavra.

 

  1. PR – O racismo é estruturante da sociedade brasileira. Você trabalha muito esse tema na sua poesia. Aspectos sociológicos afetam sua produção?

EJ – Tenho lido e refletido sobre essa temática e buscando aprofundar sobre a nossa constituição enquanto povo.  O nosso país traz em seu tecido social marcas profundas de um passado recente de exploração humana, de violência contra grupos minoritários, mandonismo, patriarcalismo e escravagismo, que tirou de um grande contingente populacional o direito ao estatuto ontológico. É preciso inverter esse discurso hegemônico, pensando por outras bases, tocando nas feridas ainda cicatrizadas.  

O lavrador de café (1934), é um óleo sobre tela com dimensões de 100 x 81 x 2,5 cm e pode ser visto no MASP (Museu de Arte de São Paulo)
O lavrador de café (1934), Candido Portinari
  1. PR – Poeta, há aspectos de engajamento na sua produção literária. A produção literária é um ato político também?

EJ – Toda expressão de pensamento é um ato político. Até o silêncio é ato um político. A pergunta me fez lembrar o poema de Bertold Brecht, “O Analfabeto Político”. Contudo, quando o poeta fala, não deve perder de vista o labor com a palavra. Não é só o ato de dizer, mas como dizer. Dentro do poema cabe tudo, porém, o trabalho do poeta é lapidar o signo linguístico, extraindo aquilo que ele tem de mais significativo, substancial.  

 

  1. PR – Por que quis escrever o livro Antropologia da Terra?

EJ – No Antropologia da Terra, eu queria passar o sentimento de leveza, mesmo na dureza da vida do homem do campo. Quem leu o livro, e colheu as suas nuances, sabe que é uma obra de beleza suave, que banha os olhos do leitor com a força dos elementos que atravessam os poemas.

É um livro que evoca a memória, a força ancestral, o pertencimento, os pés plantados no chão. O homem é uma semente que volta ao útero da terra, então, é uma obra que fala sobre aquilo que nos constitui. É impossível não ver beleza nas auroras, no canto dos pássaros, no som das águas, no cheiro de terra molhada. Portanto, é um livro que trata sobre a vida, que pulsa em cada ser vivente. Uma obra abençoada pelas mãos das benzedeiras.

 

  1. PR – Há uma evolução grande entre Pulsões de Vida e Morte e o livro Antropologia da Terra. Como você trabalha os jogos de linguagem? Como é o seu processo criativo?

EJ – Eu tenho uma preocupação imensa com a questão do conteúdo e da forma. Antes eu gosto de pesquisar sobre aquilo que vou desenvolver, não sou adepto da sensação de gratuidade no poema. Claro que o poeta colhe as sensações, mas primo também pelo racional em minha criação. Em ambos os livros citados, há poemas com um alto poder de concisão, isso é fruto de uma laboração da linguagem, um trabalho artesanal, como aponta o crítico Claudio Daniel. Trago isso das leituras e escritas de micronarrativas.

Trago ainda a imagem do ofício de minha mãe, cortando e costurando as roupas, como também, de meus tios, utilizando a foice, o facão, na lida diária na roça. Ambos tiram os excessos, a parte desnecessária. O poeta é um operário da palavra.

 

  1. PR – Li o artigo da sua lavra, cujo título é: Poesia Contemporânea Maranhense: A Literatura como Espaço de Humanidade. A poesia humaniza mesmo?

EJ – Como disse Gustavo Bertoche, um filósofo brasileiro, autor do Escola Brasileira: notas sobre um desastre, livro que considero essencial para pensamos o rumo de nossa educação: “A literatura multiplica a nossa alma”. Imagine acessar os porões escondidos daquilo que somos, enlarguecendo a nossa existência, olhando para o mundo e as pessoas com olhar da pluralidade?

Portanto, “a leitura de literatura está associada a uma visão de mundo mais complexa”, compreender isso, poeta, é estar aberto ao campo das possibilidades.

  

  1. PR – Como você analisa o cenário da poesia contemporânea maranhense? Quais autores você poderia destacar para nós?

EJ – Há uma produção muito boa sendo feita no Maranhão, porém, poeta, vou me ater ao que vem sendo produzido no Vale do Pindaré, pois a partir desse recorte, é possível olhar para um cenário mais amplo, a nível de estado, porque as vozes que produzem aqui, estão ligadas ao atual panorama da produção maranhense.

A nossa poesia deu um salto imenso, a partir da publicação de Palafitas, de Luiza Cantanhêde, pela Penalux, de São Paulo. Saímos das publicações por gráficas, para uma editora com um bom alcance no Brasil, possibilitando assim, um salto de qualidade.

Depois da publicação de Luiza pela Penalux, vieram prêmios, o reconhecimento da poesia produzida aqui, abrindo as portas para que outros nomes publicassem pela editora. Você, eu, somos exemplos da importância da Penalux para a poesia maranhense. Não à toa, eu digo que é mais maranhense das editoras fora do nosso estado.  

 

  1. PR – Qual é a sua avaliação da antologia O QUE NÃO CALOU DENTRO DE NÓS?

EJ – É uma celebração da poesia que vem sendo feita no Vale do Pindaré. Um livro que deveria ser adotado pelas escolas de nossa região, pois mostra a pluralidade de vozes e linguagens, com um olhar para o humano e o coletivo. Cada poeta, com sua singularidade, faz da palavra uma espécie de transbordamento, banhando os olhos sensíveis dos leitores.

 

  1. PR – O Coletivo Vozes do Vale realiza atividades poéticas nas escolas públicas. Antonio Candido defendia o direito de todos à literatura. Como você analisa a tese do mestre?

EJ – É impossível pensar o homem sem uma formação literária. O chão da escola é um dos lugares mais fecundos para se refletir e se realizar a concepção desse projeto, de forma coletiva. Precisamos sair da esfera do idealizado, colocando o pé na concretude, levando para discentes e docentes o que vem sendo produzido de melhor na literatura contemporânea maranhense. O Coletivo do Vale vem fazendo isso, transformando o contato com as escolas uma prática dinâmica e viva.  

 

  1. PR – Deixe uma mensagem para os nossos leitores

EJ – Que a literatura seja um campo de afetos e alteridade, fazendo a sensibilidade romper nossos preconceitos, dogmas, servindo como um lugar de aproximação, cavando fundo em cada um de nós, ampliando a nossa alma para acolher o outro. Porque, caros leitores, ao ler Anna Liz, Antonio Aílton,  Bioque Mesito, Elizeu Cardoso, Luiza Cantanhêde, Neurivan Sousa, Paulo Rodrigues, Viriato Gaspar, entre outros., plantamos em nós a beleza da linguagem, abrindo o nosso ser para outras vozes e existências, fazendo-nos mais plurais, mesmo em nossas singularidades.   

 

 

trabalhadores da terra: Os pobres trabalhadores da terra | Sebastião Salgado

 

 

POEMAS DE

EVILÁSIO JÚNIOR

 

CREPÚSCULO

 

sob minha pele

há um lado escuro

que brilha

 

sou homem e sou bicho

arranhando a dialética

na carne das horas

 

a superfície dos meus olhos

não mostra a profundidade

do abismo castanho

 

o que se esconde em mim

ainda não tem nome

pulsa em forma de febre

é fera que fere o sossego

 

quando amanhece

escondo o rosto

na outra face do espelho

 

quando anoitece

algo em mim desperta

como a insônia

desenhada na retina

 

sou luz negra dançando

no crepúsculo

do horizonte indefinido.

 

 

PÉTALAS DE PEDRA 

 

é necessário renascer nesta coivara de agonias

ser semente selvagem

rasgar a aridez do solo

 

mesmo com a carne lambida por mil sóis

fazer das unhas garras

arranhar o fundo da terra

 

é preciso remendar as arranhaduras do tempo

assobiar preces aos pássaros

antes do último voo

 

semear as asas esvaídas no verão

ver o renascimento das coisas

neste caminho de cinzas

 

nos lábios ressecados aparecem pétalas defloradas 

flor de carne que pulsa a palavra dura feito pedra

linguagem de lâmina amolada na dureza da garganta

 

dentes afiados retalham o silêncio farpado

olhos recolhem ausências deixadas pela estiagem

mãos acolhem as feridas que germinam nos calos.

 

A MÁQUINA

 

minha mãe costura a madrugada

para vestir o dia

para cobrir o mundo real nu e cru

 

as linhas invisíveis

remendam a realidade

dão nova forma

ao corpo de minha mãe

 

olho para a sala de costura

não sei distinguir

entre o humano e a máquina

 

só nas raras horas de repouso

o corpo-máquina de minha mãe

para um pouco o trabalho.

 

 

 

trabalhadores da terra: Os pobres trabalhadores da terra | Sebastião Salgado

 

 

 

Evilásio Júnior, nascido em Santa Inês-MA, é poeta, escritor e ativista underground. Graduado em Letras da Universidade Estadual do Maranhão; acadêmico de Filosofia da Universidade Estadual do Maranhão-UEMANET; acadêmico de Direto da Faculdade Santa Luzia. Tem publicações em diversas antologias no Brasil. Autor do livro Pulsões de vida e morte, poesia, lançado pela Penalux, São Paulo, em 2019, e Antropologia da Terra (Penalux, 2023).