*Poemas gentilmente cedidos por alguns poetas maranhenses em louvor, reflexão, crítica ou estranhamento sobre o Natal, mas todos na comunhão do mesmo Espírito que nos move nesta data, à qual provavelmente ninguém [entre nós] poderá ficar indiferente.
O QUE FIZERAM DO NATAL
Natal.
O sino longe toca fino,
Não tem neves, não tem gelos.
Natal.
Já nasceu o deus menino.
As beatas foram ver,
encontraram o coitadinho
( Natal)
mais o boi mais o burrinho
e lá em cima
a estrelinha alumiando.
Natal.
As beatas ajoelharam
e adoraram o deus nuzinho
mas as filhas das beatas
e os namorados das filhas,
mas as filhas das beatas
foram dançar black-bottom
nos clubes sem presépio.
(Carlos Drummond de Andrade, Alguma Poesia, 1930)
***
BOLETIM METEREOLÓGICO DE 25 DE DEZEMBRO
Tempo bom
temperatura estável
em quase todos corações
visibilidade ampla
nas vitrines das lojas
nos vitrais das casas
nos pára-brisas dos carros
nas lentes dos óculos
temperatura em franca elevação
no São Francisco e outros bairros da cidade
o champanha francês servido a 12 graus
o uísque escocês sorvido a 43 graus
o peru assado a 180 graus
Foguetes e risos / explodindo /
nozes e abraços / repartidos /
(euforia subindo no termômetro
em níveis não registrados)
Temperatura agora em declínio
lufadas de ventos frios
vindos das bandas da baía de São Marcos
o menor abandonado que dormiu
na manjedoura do banco da Praça Pedro II
passeia miséria e tristeza pela Rua Grande
vê manequins vestidos/brinquedos eletrônicos/
sente que seu Cristo não nascerá jamais
(está crucificado na Igreja do Carmo)
temperatura baixando
nuvens espessas se formando
nos olhos do menino
temperatura caindo ainda mais
Em São Luís do Maranhão
está chovendo
(Luís Augusto Cassas, República dos Becos, 1981/2023)
***
BONECO DE NEVE
Coisas previsíveis só acontecem no Natal.
O piscar de vaga-lumes
faz brotar do azulejo o pinheiro.
O porco delata o peru,
escondido junto a ele o ano inteiro no quintal.
Neva na Linha do Equador e
o tempo passa de trenó.
Pessoas solitárias se aglomeram
por receio de estar só.
Natal é uma data muito triste
cujo brilho não se ausenta.
Cada um finge tão bem não ser
o boneco de neve flagelado.
É delicado como paramos de correr
quando o perigo se apresenta:
— Papai Noel está prestes a morrer
para Jesus nascer crucificado.
(César Borralho, dezembro de 2023)
***
A ANTICÓPIA DOS PLACEBOS EXISTENCIAIS
o cabelo acerto bem cedo como rito
minha esposa prepara a mise en place
enquanto o defumador rescende
meus filhos dormem o cansaço
de suas máquinas de suas redes
não muito convencionais
papai é um homem distante
diferente dos ontens converge em fazer
a barba e contar seus prodígios
mamãe se delicia com as noras
e netos na sala de estar enquanto
o panetone é servido
estão todos bem apesar de um pouco
de tristeza pelos que nos deixaram
é o transcurso de todos ao paraíso
os vizinhos pintam as moradas
limpam seus interiores bebem
entre uma discussão e outra
nem sabem ao certo se chegarão
inteiros ao sermão de bergoglio
ou se comerão o peru festivo
a noite com o correr das crianças
passa velozmente sempre alguém
se atrasará procurando os presentes
música nostálgica é o momento
para relembrar dos contrastes
do que felizmente restou
a mesa pronta os arranjos no lugar
contagem regressiva talheres e abraços
mais uma vez uma família reunida
(Bioque Mesito, A anticópia dos placebos existenciais, 2008/2023)
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AS LUZES DO NATAL
as luzes de dezembro
enfeites vermelho-verdes
cédulas de suor em led
os olhos em pisca-pisca
sonhos ao pé da árvore
na hipnose das vitrines
no cálice do alto clero
transborda a opulência
as bênçãos da república
mendigar o pão porque
a esperança está no lixo
como gastrite aos gentios
à noite procura-se jesus
junto à mesa onde cristãos
rezam e trocam versículos
na-tal ilusão fosforescente
de receberem no amém da ceia
um novo indulto celestial.
(Neurivan Sousa, 2023)
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SONETO DE NATAL PARA OS TEMPOS DE CÓLERA
(em memória de Dona Sibá, minha mãe)
O Rei que nasce agora é o dos sem rumos,
dos perdidos, dos vãos, dos Zé Ninguém.
Dos famintos, sem nome, desse húmus
que aduba o mais e mais de quem já tem.
Dos que passam suando solidão,
dos que perderam o trem para o mais fundo.
Dos que nem sabem mais para onde vão,
por já não ter lugar nenhum no mundo.
O Rei que nasce agora é o dos sem nada,
dos que só têm de seu as mãos rachadas,
o cansaço sem fim ao fim do dia.
Coubesse em nós a Flor desse Menino.
Antes que templos, seitas, ódios, hinos,
crucifiquem o amor que Ele trazia.
(Viriato Gaspar, 2023)
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NATAL DO DEUS MENINO
Humilde e nu nasce o Menino,
anunciado em profecia, Deus e destino,
outrora por uma Estrela solitária,
desterrado, imigrante, um pária de
e hoje, num canto, esquecido,
em meio aos Homens anda perdido,
é evocado pela festa e o badalar dos sinos
para ser Luz do mundo, maná Divino.
Quiséramos nós, filhos ermos,
sermos o Outro em nós mesmos,
d’Ele imitar os gestos, seguir os passos,
estender a mão, acolher no abraço;
ser pão, palavra, perdão e partilha,
ser amigo, irmão, amor e Família.
Que invenção foi essa de festejá-lo à mesa
com fartura e gente trajando a riqueza?
Cadê a novena diante do Presépio de rara beleza?
Logo Ele, peregrino e pobre
que faz da fé um gesto puro e nobre,
de andrajos em suas andanças
pelos caminhos de fé e evangelização,
levando através da Palavra Sagrada, a redenção,
se no Natal aqui chegasse, não reconheceria
tudo o que havia ensinado um dia,
de quê o certo é viver o simples, a caridade,
-já que nas vitrines era o que se via
o luxo, as luzes, a carestia, e contradizia
a pobreza de muitos, a carência do irmão,
e a nossa indiferença na noite fria da cidade.
Todo Natal o Menino Jesus renasce.
E se põe no mesmo Caminho
até chegar o dia do suplício na Cruz.
Ele é exemplo, o milagre que nos conduz.
Basta seguir a Estrela, não as luzes,
plantando flores, aliviando as cruzes,
trazê-Lo vivo no coração,
tornar-se gesto de doação.
O Menino Deus incide em nós!
Basta-nos dar-Lhe vez e voz.
É preciso celebrá-Lo sempre.
Pode ser entre uma Ceia simples e uma troca de presentes.
Porém, é mister fazer com que o Outro O veja;
seja em casa na rua ou na Igreja,
com gestos, ação, palavra, oração,
sendo templo de vida, amor, perdão e gratidão.
Pois tudo o que aqui se faz, Deus vê.
Assim, devemos renascer junto com Cristo.
E um brinde à vida de quem n’Ele crê!
(Wilson Chagas, 2023)
“Esse texto foi escrito há alguns Natais, contudo, nunca foi tão atual, pertinente e necessário”
***
FIQUEM BEM.
¡2024 SACADAS EM 2024!
O poema “Boneco de Neve” de César Borralho é uma reflexão profunda e poética sobre o Natal, capturando a dualidade de sentimentos que essa época do ano muitas vezes evoca. Através de uma linguagem lírica e imagens vívidas, o poema nos convida a contemplar a natureza transitória do Natal, destacando como as convenções e expectativas sociais muitas vezes obscurecem a realidade subjacente.
O uso de metáforas, como o piscar de vaga-lumes que traz à vida o pinheiro e o porco que delata o peru, cria uma sensação de revelação e descoberta. Essas imagens ilustram como o Natal é um momento em que a verdade pode emergir, às vezes revelando solidão e desilusão por trás das festividades aparentemente alegres.
A ideia de que o Natal é uma data triste, mas cujo brilho persiste, é uma observação perspicaz sobre a complexidade das emoções humanas durante essa temporada. A noção de que cada um de nós finge não ser “o boneco de neve flagelado” é uma reflexão sobre como muitas vezes mascaramos nossas próprias dores e vulnerabilidades, especialmente durante os feriados.
A conclusão do poema, com a sugestão de que Papai Noel está prestes a morrer para que Jesus nasça crucificado, é uma reviravolta poética e filosófica que nos faz questionar as tradições e significados do Natal de forma profunda.
“Boneco de Neve” é um poema inteligente e comovente que nos leva a contemplar o Natal de uma maneira mais profunda e crítica, destacando a complexidade das emoções e expectativas que cercam essa época do ano.
Caro Alan,
Fico profundamente grato por suas palavras generosas e perspicazes sobre o poema Boneco de Neve. É extremamente gratificante saber que você aprecia as nuances e reflexões contidas nele. Muito obrigado por dedicar seu tempo e atenção.
Com gratidão,
César Borralho
Parabéns pela seleção.
Natal, sempre um tema.imstihante e atual.
Ajuste:
Parabéns pela seleção.
Natal, sempre um tema.instigante e atual.
Ajuste:
Parabéns pela seleção.
Natal, sempre um tema.instigante e atual.