Sacada Literária

Cultura, crítica e divulgação

Natal - Airton Marinho - Xilogravura em estêncil

COMPÊNDIO PARA O NATAL – 7 Poemas

*Poemas gentilmente cedidos por alguns poetas maranhenses em louvor, reflexão, crítica ou estranhamento sobre o Natal, mas todos na comunhão do mesmo Espírito que nos move nesta data, à qual provavelmente ninguém [entre nós] poderá ficar indiferente.

 

O QUE FIZERAM DO NATAL

 

 

Natal.

J. Miguel – O presépio – Xilogravura

O sino longe toca fino,
Não tem neves, não tem gelos.
Natal.
Já nasceu o deus menino.
As beatas foram ver,
encontraram o coitadinho
( Natal)
mais o boi mais o burrinho
e lá em cima
a estrelinha alumiando.
Natal.

As beatas ajoelharam
e adoraram o deus nuzinho
mas as filhas das beatas
e os namorados das filhas,
mas as filhas das beatas
foram dançar black-bottom
nos clubes sem presépio.

(Carlos Drummond de Andrade, Alguma Poesia, 1930)

 

A Adoração dos Pastores, Guido Reni, 1642

 

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BOLETIM METEREOLÓGICO DE 25 DE DEZEMBRO

 

Tempo bom
temperatura estável
em quase todos corações
visibilidade ampla
nas vitrines das lojas
nos vitrais das casas
nos pára-brisas dos carros
nas lentes dos óculos

temperatura em franca elevação
no São Francisco e outros bairros da cidade
o champanha francês servido a 12 graus
o uísque escocês sorvido a 43 graus
o peru assado a 180 graus
Foguetes e risos / explodindo /
nozes e abraços / repartidos /
(euforia subindo no termômetro
em níveis não registrados)

Temperatura agora em declínio
lufadas de ventos frios
vindos das bandas da baía de São Marcos
o menor abandonado que dormiu
na manjedoura do banco da Praça Pedro II
passeia miséria e tristeza pela Rua Grande
vê manequins vestidos/brinquedos eletrônicos/
sente que seu Cristo não nascerá jamais
(está crucificado na Igreja do Carmo)

temperatura baixando
nuvens espessas se formando
nos olhos do menino
temperatura caindo ainda mais
Em São Luís do Maranhão
está chovendo

 

(Luís Augusto Cassas, República dos Becos, 1981/2023)

 

 

Rua do Giz, São Luís/MA, detalhe – Fonte: blog.123milhas.com
O Nascimento de Cristo, Paul Gauguin, 1896

 

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BONECO DE NEVE

 

Coisas previsíveis só acontecem no Natal.

O piscar de vaga-lumes
faz brotar do azulejo o pinheiro.

O porco delata o peru,
escondido junto a ele o ano inteiro no quintal.

Neva na Linha do Equador e
o tempo passa de trenó.

Pessoas solitárias se aglomeram
por receio de estar só.

Natal é uma data muito triste
cujo brilho não se ausenta.

Cada um finge tão bem não ser
o boneco de neve flagelado.

É delicado como paramos de correr
quando o perigo se apresenta:

— Papai Noel está prestes a morrer
para Jesus nascer crucificado.

 

(César Borralho, dezembro de 2023)    

 

A pequena vendedora de fósforos [conto de Hans Christian Andersen] – Fonte: https://virtualidades.blog/

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A ANTICÓPIA DOS PLACEBOS EXISTENCIAIS

 

o cabelo acerto bem cedo como rito
minha esposa prepara a mise en place
enquanto o defumador rescende

meus filhos dormem o cansaço
de suas máquinas de suas redes
não muito convencionais

Adoração dos reis Magos, El Greco,
1612 a 1614

papai é um homem distante
diferente dos ontens converge em fazer

a barba e contar seus prodígios

mamãe se delicia com as noras
e netos na sala de estar enquanto
o panetone é servido

estão todos bem apesar de um pouco
de tristeza pelos que nos deixaram
é o transcurso de todos ao paraíso

os vizinhos pintam as moradas
limpam seus interiores bebem
entre uma discussão e outra

nem sabem ao certo se chegarão
inteiros ao sermão de bergoglio
ou se comerão o peru festivo

a noite com o correr das crianças
passa velozmente sempre alguém
se atrasará procurando os presentes

música nostálgica é o momento
para relembrar dos contrastes
do que felizmente restou

a mesa pronta os arranjos no lugar
contagem regressiva talheres e abraços
mais uma vez uma família reunida

 

(Bioque Mesito, A anticópia dos placebos existenciais, 2008/2023)

 

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AS LUZES DO NATAL

 

as luzes de dezembro
enfeites vermelho-verdes
cédulas de suor em led

os olhos em pisca-pisca
sonhos ao pé da árvore
na hipnose das vitrines

no cálice do alto clero
transborda a opulência
as bênçãos da república

mendigar o pão porque
a esperança está no lixo
como gastrite aos gentios

à noite procura-se jesus
junto à mesa onde cristãos
rezam e trocam versículos

na-tal ilusão fosforescente
de receberem no amém da ceia
um novo indulto celestial.

 

(Neurivan Sousa, 2023)

 

Festa “Natal Solidário” – Gurarulhos-SP – Fonte: https://grudiario.com.br/

 

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SONETO DE NATAL PARA OS TEMPOS DE CÓLERA

(em memória de Dona Sibá, minha mãe)

 

O Rei que nasce agora é o dos sem rumos,
dos perdidos, dos vãos, dos Zé Ninguém.
Dos famintos, sem nome, desse húmus
que aduba o mais e mais de quem já tem.

Dos que passam suando solidão,
dos que perderam o trem para o mais fundo.
Dos que nem sabem mais para onde vão,
por já não ter lugar nenhum no mundo.

O Rei que nasce agora é o dos sem nada,
dos que só têm de seu as mãos rachadas,
o cansaço sem fim ao fim do dia.

Coubesse em nós a Flor desse Menino.
Antes que templos, seitas, ódios, hinos,
crucifiquem o amor que Ele trazia.

 

(Viriato Gaspar, 2023)

 

Adoração dos Pastores, Giorgioni, 1505 a 1510, Galeria Nacional, Washington

 

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NATAL DO DEUS MENINO

 

Humilde e nu nasce o Menino,

anunciado em profecia, Deus e destino,

outrora por uma Estrela solitária,

desterrado, imigrante, um pária de

e hoje, num canto, esquecido,

em meio aos Homens anda perdido,

é evocado pela festa e o badalar dos sinos

para ser Luz do mundo, maná Divino.

 

Quiséramos nós, filhos ermos,

sermos o Outro em nós mesmos,

d’Ele imitar os gestos, seguir os passos,

estender a mão, acolher no abraço;

ser pão, palavra, perdão e partilha,

ser amigo, irmão, amor e Família.

 

Que invenção foi essa de festejá-lo à mesa

com fartura e gente trajando a riqueza?

Cadê a novena diante do Presépio de rara beleza?

 

Logo Ele, peregrino e pobre

que faz da fé um gesto puro e nobre,

de andrajos em suas andanças

pelos caminhos de fé e evangelização,

levando através da Palavra Sagrada, a redenção,

se no Natal aqui chegasse, não reconheceria

tudo o que havia ensinado um dia,

de quê o certo é viver o simples, a caridade,

-já que nas vitrines era o que se via

o luxo, as luzes, a carestia, e contradizia

a pobreza de muitos, a carência do irmão,

e a nossa indiferença na noite fria da cidade.

 

Todo Natal o Menino Jesus renasce.

E se põe no mesmo Caminho

até chegar o dia do suplício na Cruz.

Ele é exemplo, o milagre que nos conduz.

Basta seguir a Estrela, não as luzes,

plantando flores, aliviando as cruzes,

trazê-Lo vivo no coração,

tornar-se gesto de doação.

 

O Menino Deus incide em nós!

Basta-nos dar-Lhe vez e voz.

É preciso celebrá-Lo sempre.

Pode ser entre uma Ceia simples e uma troca de presentes.

Porém, é mister fazer com que o Outro O veja;

seja em casa na rua ou na Igreja,

com gestos, ação, palavra, oração,

sendo templo de vida, amor, perdão e gratidão.

Pois tudo o que aqui se faz, Deus vê.

Assim, devemos renascer junto com Cristo.

E um brinde à vida de quem n’Ele crê!

 

(Wilson Chagas, 2023)

“Esse texto foi escrito há alguns Natais, contudo, nunca foi tão atual, pertinente e necessário”

 

A natividade com doadores e os santos Jerônimo e Leonardo, Gerard David, 1510 a 1515, MET NYC

***

 

FIQUEM BEM.

¡2024 SACADAS EM 2024!