Ceres Costa Fernandes*
Percebi que ando muito birrenta. Cética com essa humanidade cada vez pior. Hoje, vou amenizar, até por conta do que me aconteceu, uma visita graciosa e inusitada, não tão inusitada quanto graciosa. Dois passarinhos na minha sala de estar. A visita de passarinhos no meu apartamento é comum, dentro da sala, mais rara. Mas essa! Só contando…
Eram dois sibites, sabem que bichinhos são esses? Também chamado de cambacica ou caga-sebo, parecem bem-te-vis, só que em miniatura. São tão delicados, pequeninos e muito fazedores de ninhos. Como fazem ninhos! Passam um tempão trazendo palhas, fios, folhas, o que encontram. Fico sempre na expectativa de que acabem logo e venham pôr os ovinhos. Que delícia e que emoção a expectativa. Mas a realidade na sociedade animal é tão cruel quanto na sociedade humana, a questão do mais forte que sempre leva a melhor. Fico até engasgada, com raiva, quando encaro isso. Os bem-te-vis, grandes e poderosos, não deixam os ninhos dos fibites ficarem prontos, eles os destroem antes! E, de modo corriqueiro, entram no ninho recém-pronto, forçando a entrada pequenina, com seus corpos desproporcionais, até rebentar o casulo invadido.
Quando percebo a ação criminosa, enxoto-os, mas já fizeram o mal.
Mais tardes, os sibites vêm e recomeçam, pacientemente, em outro galho, outra planta, serviço ingrato e ingente.
Tem um ninho de sibites prontinho em um cróton do terraço, tomara que esse não seja invadido.
Mas vamos às visitas, os passarinhos visitantes aparecem geralmente no terraço, pousam no parapeito de vidro, fazem um cocozinho básico, passam para a mesa de fora e, por vezes, passeiam sobre ela. Depois, levantam voo. Os sibites, além dessa rotina, também inspecionam o ninho e, só então, vão embora.
Desta vez, foi diferente, estou sentada no sofá em frente ao terraço, conversando com as minhas duas filhas, momento tranquilo e gostoso, quando entra um sibite voando direto na sala, e, sem se preocupar com as três pessoas próximas, pousa no tapete e começa a catar grãozinhos – será que não foi bem passado o aspirador –? aproximando-se de mim cada vez mais. Suspendo a respiração para não assustar a criaturinha e noto algo estranho, falta uma patinha no pequenino! Só havia um cotoquinho no lugar do pé, ele pulava, e isso parecia não impedi-lo de locomover-se bem ligeirinho num pé só.
Enquanto comentávamos o fato do fibite ser manquitola, adentra um outro do mesmo calibre e vem fazer companhia ao primeiro. Nenhum dos dois demonstra medo de três humanos próximos, estranho, sabemos como os humanos podem ser maus. E, juntos, passam a fazer a coleta de não-sei-o-quê no tapete, hei, tem tanta comida derramada assim aí?, e vêm se aproximando. Com surpresa, descobrimos é outro manquitola! Perdeu também a patinha. Um perdeu a esquerda e o outro perdeu a direita, são namorados? irmãos ? amigos? Que dupla incomum. Nós três nos derramamos de pena e carinho pelos dois.
Ficamos a pensar o que teria acontecido com as patinhas deles. Algum menino malvado as teria cortado com uma tesoura? Engataram as patinhas em um fio fatal, e alçaram voo deixando a patinha presa? Defeito de nascença? Mil elucubrações, eles nem aí, contentinhos, pulando num pé só, visitando a gente. Senti uma coisa boa dentro de mim, preenchendo espaços vagos e amargos – ando meio deprimida, como disse, pessimista com a humanidade com tanta guerra e atrocidade acontecendo, coisas de terceira idade –, e eles chegaram na hora certa para me animar. Seriam anjos?
Tenho um amigo entendido em anjos, adepto da Cabala, que certifica a existência deles vivendo entre nós, disfarçados de humanos Não poderiam estar, estes anjos, disfarçados em sibites? Enjoados talvez de bicar tapete, foram embora, os serezinhos de um pé só, os talvez anjos, deixando uma onda de ternura e vontade de fazer bem ao próximo. Teria algo mais natalino que isso?
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Ceres Costa Fernandes é escritora, autora de crônicas e contos, publicou os livros Surrealismo & loucura e outros ensaios (UEMA, 2008) e O narrador plural na obra de José Saramago (Lithograf, 2003), e recentemente lançou o livro O essencial de Lucy Teixeira (AML, 2023).
Linda crônica, bem humanamente entranhada do que significa o espírito de Natal, época em que a chegada do emissário do amor acende em nosso coração essa vontade de sermos nós a manjedoura onde o Menino Sol fará brilhar a luz, o bem, a paz e o amor maior. Que seus passarinhos possam provar do amor de corações plenos da luz que esse Menino põe em nós.