ainda há dias pandêmicos
em Caxias
…ainda há um aroma de flores caídas no chão das manhãs, tardes e noites dos dias existenciais à pandemia.
…ainda há um ar velórico tal qual o ensurdecedor silêncio de finados sem o badalar dos sinos da Igreja de São Benedito, acordando o segredo de sonhosembriagados à solidão dos bares ao entorno da Praça Vespasiano Ramos.
…ainda há uma angustia com sensação de um medo repentino, como se a qualquer hora, por cima das árvores de oitis banhadas pela chuva de lágrimas desse tempo, tudo estivesse por terminar.
…ainda há um rasga-mortalha; que aparece apagando o sol e a lua à eternidade dos nossos dias e noites, existentes para o nosso pedido de perdão antes do fim!
***
canção ao exílio
em minha terra havia palmeiras e o canto dos sabiás.
nela, exalava o perfume dos jardins urbanos.
dela, ouvia-se a linguagem singela do cotidiano.
com a minha cidade crescia a romântica dos poetas…
a inimizade humana passava por sobre ela
em eólica turbulência rumo às outras plagas,
para derramar-se noutros cenários de ganância existencial.
à minha terra, na infância, ouviam-se sinfonias sabianas
nas manhãs iniciais de um futuro já desenhado ao abandono.
e, agora, quais árvores darão abrigo a outros pássaros canoros
para entoarem um canto de saudade?
***
o após
amanhã, quando as demoradas horas
concluírem mais um dia,
a noite, urgentemente, irá propor
um sol errante que se apagará
antes da manhã rompida
e as nuvens escuras e intrometidas
virão separar um céu derramado em trevas
por sobre eu embrulhado num manto cinza
e sob a tempestade de um hoje
sem querer, novamente, acontecer.
***
é hora da morte
à mão aberta
está o m do teu nome.
ele, em queda, esvai-se por entre os dedos
e derrama a final agonia pálida.
vem, covarde espelho do mistério
leva-me para o nada
de onde eu não deveria ter vindo.
***
sumiço
abandonado com tal desprezo
e deixado sem vigília alguma
que de si próprio e aos outros
foi desapercebido e despercebido
de existência nenhuma
por ele e por todos
***
o rio refém
a parca víscera líquida sob a ponte
leva a magra lâmina doce ao destino corrente
para a imensidão gorda de boca gulosa
e estômago viciado em digestão oceânica.
***
presunção
único
és rei
habitante de teu turvo autodomínio
e engoles tuas próprias labaredas
a engordar teu intestino febril
aquecido e em solidão
***
mendigo
em grito por água
a voz rouca fugida da goela seca
é a única canção da sede
em quem estende a mão aberta
ao aceno por pão
para ocupar o vazio
habitat da fome.
***
pasto aos famintos
não sacia o alimento nutrido de nada
aos muitíssimos ofertado em recipientes vazios
postos à mesa dos múltiplos famintos
mas
à abundância de iguarias
no banquete à gula dos pouquíssimos
adoece de superlotação insípida
as vísceras elásticas da ganância
ao repartir o pão da fome social
***
o poder
poder é sempre um espelho
a refletir imagens:
reais – dos que o detêm para aqueles que o querem
irreais – daqueles que o querem, mas não o têm.
***
valsa do descompasso
quando meus passos estiverem bailando
de um lado para outro,
a personalidade dos indivíduos será abalada
ao prosseguir nas vias estáticas
do comportamento social.
***
oferta à vida
haveria prata, ouro e diamantes,
se eu preferisse caminhar certo
pelos tortos e estabelecidos caminhos
pautados em tua ambiência.
mas,
vesti-me do nada
e rumei por veredas aziagas
do meu inferno existencial
a destruir ilações sobre nosso espaço.
***
Wybson Carvalho (Caxias – MA, 03/06/1958), é poeta, formado em Relações Públicas, pela UFPE, com vários livros publicados, dos quais se destacam Poesia Reunida (2006), Nauroemcidade (2018) e Há pedras e poesia no meu habitat (2021), coletânea poética e de fortuna crítica sobre o autor. O poeta, membro da Academia Caxiense de Letras e pertencente à geração de Nauro Machado, Arlete Nogueira, Déo Silva e José Maria Nascimento é um dos mais profícuos e culturalmente ativos na literatura do Maranhão, sobretudo em Caxias – MA.
Um dos grandes poetas do Maranhão! Forte poesia!
Gostaria de deixar meus elogios, reconhecimento e láureas ao excelso poeta Wibson Carvalho. Seus poemas são de rara e notória beleza.
Meus reconhecimentos ao notável poeta, com poemas significativos e representativos. Um grande poeta.
Parabéns poeta!
Belíssimos poemas!!