Sacada Literária

Cultura, crítica e divulgação

Poeta Wybson Carvalho - Foto: divulgação

WYBSON CARVALHO – poemas

ainda há dias pandêmicos
em Caxias

 

…ainda há um aroma de flores caídas no chão das manhãs, tardes e noites dos dias existenciais à pandemia.

…ainda há um ar velórico tal qual o ensurdecedor silêncio de finados sem o badalar dos sinos da Igreja de São Benedito, acordando o segredo de sonhosembriagados à solidão dos bares ao entorno da Praça Vespasiano Ramos.

 

…ainda há uma angustia com sensação de um medo repentino, como se a qualquer hora, por cima das árvores de oitis banhadas pela chuva de lágrimas desse tempo, tudo estivesse por terminar.

…ainda há um rasga-mortalha; que aparece apagando o sol e a lua à eternidade dos nossos dias e noites, existentes para o nosso pedido de perdão antes do fim!

 

            Edvard Munch -Melancolia, 1894

 

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canção ao exílio

 

em minha terra havia palmeiras e o canto dos sabiás.
nela, exalava o perfume dos jardins urbanos.
dela, ouvia-se a linguagem singela do cotidiano.
com a minha cidade crescia a romântica dos poetas…

a inimizade humana passava por sobre ela
em eólica turbulência rumo às outras plagas,
para derramar-se noutros cenários de ganância existencial.

à minha terra, na infância, ouviam-se sinfonias sabianas
nas manhãs iniciais de um futuro já desenhado ao abandono.
e, agora, quais árvores darão abrigo a outros pássaros canoros
para entoarem um canto de saudade?

 

 

Estátua do poeta Gonçalves Dias, em Caxias – MA, entardecer. foto: divulgação

 

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o após

 

amanhã, quando as demoradas horas
concluírem mais um dia,
a noite, urgentemente, irá propor
um sol errante que se apagará
antes da manhã rompida
e as nuvens escuras e intrometidas
virão separar um céu derramado em trevas
por sobre eu embrulhado num manto cinza
e sob a tempestade de um hoje
sem querer, novamente, acontecer.

 

 

Praça Gonçalves Dias em Caxias – MA à noite. Divulgação

 

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é hora da morte

 

à mão aberta
está o m do teu nome.
ele, em queda, esvai-se por entre os dedos
e derrama a final agonia pálida.
vem, covarde espelho do mistério
leva-me para o nada
de onde eu não deveria ter vindo.

 

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sumiço

 

4ª capa [contracapa] do livro Há Pedras e poesia no meu habitat – Wybson Carvalho

abandonado com tal desprezo
e deixado sem vigília alguma
que de si próprio e aos outros
foi desapercebido e despercebido
de existência nenhuma
por ele e por todos

 

 

 

 

 

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o rio refém

 

a parca víscera líquida sob a ponte
leva a magra lâmina doce ao destino corrente
para a imensidão gorda de boca gulosa
e estômago viciado em digestão oceânica.

 

 

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presunção

 

único
 és rei
habitante de teu turvo autodomínio
e engoles tuas próprias labaredas
a engordar teu intestino febril
aquecido e em solidão

 

Capa do livro de Wybson Carvalho: Há pedras e poesia no meu habitat , 2021

 

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mendigo

 

em grito por água
a voz rouca fugida da goela seca
é a única canção da sede
em quem estende a mão aberta
ao aceno por pão
para ocupar o vazio
habitat da fome.

 

 

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pasto aos famintos

 

não sacia o alimento nutrido de nada
aos muitíssimos ofertado em recipientes vazios
postos à mesa dos múltiplos famintos
mas
à abundância de iguarias
no banquete à gula dos pouquíssimos
adoece de superlotação insípida
as vísceras elásticas da ganância
ao repartir o pão da fome social

 

 

 

Saturno devorando seu filho, de Peter Paul Rubens, 1636 – detalhe

 

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o poder

poder é sempre um espelho
a refletir imagens:
reais – dos que o detêm para aqueles que o querem
irreais – daqueles que o querem, mas não o têm.

 

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valsa do descompasso

 

“Cisne Negro” – Fonte: https://br.pinterest.com

quando meus passos estiverem bailando
de um lado para outro,
a personalidade dos indivíduos será abalada
ao prosseguir nas vias estáticas
do comportamento social.

 

 

 

 

 

 

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oferta à vida

 

haveria prata, ouro e diamantes,
se eu preferisse caminhar certo
pelos tortos e estabelecidos caminhos
pautados em tua ambiência.
mas,
vesti-me do nada
e rumei por veredas aziagas
do meu inferno existencial
a destruir ilações sobre nosso espaço.

 

 

 

Um homem solitário na praia – Prerana Kulkarni – http://celebrations-ppk.blogspot.com

 

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Wybson Carvalho (Caxias – MA, 03/06/1958), é poeta, formado em Relações Públicas, pela UFPE, com vários livros publicados, dos quais se destacam Poesia Reunida (2006), Nauroemcidade (2018) e Há pedras e poesia no meu habitat (2021), coletânea poética e de fortuna crítica sobre o autor. O poeta, membro da Academia Caxiense de Letras e pertencente à geração de Nauro Machado, Arlete Nogueira, Déo Silva e José Maria Nascimento é um dos mais profícuos e culturalmente ativos na literatura do Maranhão, sobretudo em Caxias – MA.