João Batista do Lago
A poesia, da forma como a entendo, é a expressão máxima de ser/estar do ser humano no mundo e, consequentemente, do seu existir em toda sua existencialidade. Entendo que não existe nada mais poético do que o próprio ser humano, desde o ato de nascer ao ato de morrer. Tudo, absolutamente tudo, no ser humano é Poesia: nascer, chorar, suspirar, respirar, andar, rir, sorrir, sofrer, amar, odiar, criar… e até mesmo a guerra[i] pode ser entendida como poesia. Ouso, assim, inferir concretamente que não há ser humano sem poesia, nem poesia sem ser humano.
A hipótese que aqui proponho, ou seja, não existe nada mais poético que o próprio ser humano, desde o ato de nascer ao ato de morrer amplia o caráter metodológico tradicional do sujeito que aqui me disponho discutir: a Poesia. Esta, penso eu, é imanente, isto é, é o próprio Criador e Criatura da natureza do existir em sua existencialidade. Assim sendo, minha assertiva é assegurar que não existe poesia para além do ser humano; assim como para aquém do ser humano. A Poesia somente se dá no existir em existencialidade do ser humano. É por isso que afirmo categoricamente que a Poesia É.
Por óbvio, desde sempre, assim imagino, a poesia é o próprio ato de existência… Sem o existir não se dá, obviamente, não ocorre poesia. É como se se afirmasse: “a existência de Deus só se dá para o ‘Sujeito’ nascido, ou seja, se não se nasce, obviamente, não existe Deus!”. Noutras palavras: se não nasce o ser humano, por certo, não existe poesia. Simples assim! Sei que este argumento carrega muito de viés intelectual mas, por isso mesmo até, ele se torna próprio para que este entendimento se torne minimamente claro e absoluto. Carregá-lo de entonações academicistas ou cientificistas simplesmente para agradar ao beletrismo é não propor um entendimento verdadeiramente popular e acessível a todas e todos.
Não é de hoje a crença e fé de que a correlação existente entre o ser humano e a poesia é uma temática recorrente ― seja na Filosofia, seja na Literatura, para dizer o mínimo ― e que, por isso mesmo é pesquisada e estudada em profundidade por vários segmentos intelectuais fenomenológicos. Para ficar apenas neste exemplo (por enquanto!) infiro que A Bíblia Sagrada é (aos meus olhos) o maior livro de poesia já escrito por seres humanos. Ora, se se tomar isto como verdade já aqui percebe-se que não há poesia sem o ser humano, nem ser humano sem poesia. E partindo deste meu raciocínio ouso dizer: “o ser humano em si é a personificação da poesia”.
DA PERSPECTIVA LITERÁRIA
Considerando esse pressuposto acima mencionado tenho em conta duas análises que me são caras desde quando me entendo como poeta: 1) Análise Literária: quando imagino que o ser humano é a personificação da poesia, o que pretendo, de fato e de direito, é discutir a questão da natureza da poesia e sua relação com a Literatura em geral, isso porque a poesia como sujeito literário é caracterizado (aos meus olhos erroneamente) por seu uso cuidadoso em relação a versificação, linguagem, ritmo, métrica, imagem poética, metáfora, etc. Mas a pergunta que não me quer calar é: somente isso basta para entender a poesia? Penso que não! Reduzir a poesia somente a esses aspectos “encaixados” por obra e graça de métodos objetivos, classista, classicista, gramaticista, esteticista, academicista ou cientificista, entre outros “ista” é desfavorecer o habitus[ii] das subjetividades inerentes, e mesmo, imanentes no ser humano. Insisto: é no ser humano, e somente no existir em toda sua existencialidade do ser humano, que de fato existe a poesia. Ora, quando pratico de forma radical essa insistência sugiro que todos os afetos que constituem a experiência do ser humano são imanentemente poéticos. Noutras palavras: cada momento, por mais simples que o seja, até os mais complexos, do ser humano, para mim, pode ser interpretado como uma expressão de poesia. E isto me sugere repensar, assim como, ampliar o conceito tradicional da poesia[iii].
DA PERSPECTIVA FILOSÓFICA
Por outro lado, e como sou um eterno apaixonado estudante da filosofia, e confesso que esta está inserida em vários (se não todos!) dos meus poemas, tenho em perspectiva a 2) Análise Filosófica: deste ponto de vista sou conduzido a refletir profundamente sobre a natureza da existência humana e sua correlação com a arte e seu contexto de expressividade. Muitos são os filósofos que ao longo da história que tematizaram a relação entre o ser humano e a arte questionando o propósito e o significado da existência do ser humano e da vida em si. Exemplo disso são os poetas ligados à corrente do Existencialismo, mas não só. Vale destacar, aqui e agora, que os poetas existencialistas estão sempre a enfatizar temáticas como por exemplo a liberdade, a angústia, o absurdo, até mesmo a própria existência em si.
Tendo como pano de fundo esse contexto pode-se argumentar que a partir de então o que se pretende é criar e produzir forma e significado, assim como significantes, para uma visão de mundo muitas vezes caótica e desconcertante. Noutra perspectiva, ainda, a ideia de que o ser humano é a personificação da poesia, da maneira como a concebo, pode ser entendida a partir de uma existência em conexão com o campus literário[iv] fenomenológico, que enfatiza a importância da experiência subjetiva e da percepção individual.
Pois bem, a considerar-se as experiências subjetivas supõe-se não apenas ‘um mundo novo’, mas vários mundos novos a partir de nossos sentimentos e emoções, de nossas paixões tristes ou felizes, isto é, a partir dos afetos (Spinoza, B., Ética III) que nos atravessam ― sejam do exterior, sejam interiormente; a partir de encontros de corpos, de nossos corpos com outros corpos; a partir de nossas historicidades pessoais ou múltiplas; a partir de nossas pertenças familiares, religiosas, educacionais, sociais, políticas, econômicas, etc.
DA PERSPECTIVA EMPÍRICA
Antes de dar por esgotadas as perspectivas acima mencionadas e que ‘per se’ são racionalistas, fruto de buscas incessantes de saberes, por intermédio de estudos vários e pesquisas acientíficas, menciono o empirismo que sempre me impulsionou e conduziu para a descoberta de novos mundos. Não fora o empirismo que me impus, forçando uma aprendizagem a partir de minhas existencialidades particulares, múltiplas e personalíssimas, essa teoria filosófica que argumenta que todo o conhecimento humano deve ser adquirido de experiências sensoriais múltiplas e transversais, não me teria trazido até aqui.
Há dois universos que, desde sempre, pretendi conhecê-los em sua totalidade (sei que isso é impossível!): o exterior e o interior. E é exatamente em ambos que promovo todo o empirismo que se me dá como possibilidade de explorar as existencialidades possíveis e prováveis.
Há um canto em A GAIA CIÊNCIA (§ 51), do filósofo alemão Friedrich Nietzsche, que muito me agrada e que, imagino, serve para ilustrar a peroração que acima registrei: “Mas por que você escreve? ― A: Eu não sou daqueles que pensam tendo na mão a pena molhada; tampouco daqueles que diante do tinteiro aberto se abandonam a suas paixões, sentados na cadeira e olhando fixamente para o papel. Eu me irrito ou me envergonho do ato de escrever; escrever é para mim necessidade imperiosa ― falar disso, mesmo por imagens, é algo que me desgosta. B: Mas por que você escreve então? A: Cá entre nós, meu caro, eu não descobri ainda outra maneira de me livrar dos meus pensamentos. B: E por que você quer se livrar deles? A: Porque eu quero? E eu quero? Eu preciso. ― B: Basta! Basta!”.
É exatamente assim que me vejo, que me percebo, que me sinto diante do meu “deus criador/criatura”. Nem mais, nem menos! NADA É MAIS POÉTICO QUE O SER HUMANO!
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[i] A Guerra de Troia foi a mais famosa guerra de toda a história. Opondo uma coalizão de gregos aos troianos, o conflito teria durado cerca de 10 anos, provavelmente no século XIII ou XII A.C. Não se sabe ao certo se a guerra realmente ocorreu ou se seria mais um dos inúmeros mitos da civilização grega. Tem-se no imaginário grego antigo que essa guerra foi iniciada após uma visita dos filhos do do rei de Troia a Esparta, Heitor e Paris. Este acabou se apaixonando pela filha do rei troiano, Helena, e a furtou levando-a consigo de volta para casa. Após descobrir o rapto, Menelau, o esposo traído, declara guerra aos troianos. O que se sabe dessa história e dos seus personagens está principalmente descrita de forma poeticamente magistral nos poemas Ilíada e Odisseia, atribuídos a Homero e considerados universalmente as principais fontes sobre a mitologia grega.
[ii] Na perspectiva de Pierre Bourdieux os habitus são disposições duráveis e transferíveis por constituir modos específicos de pensar, sentir e agir; são disposições duráveis, porque, do mesmo modo como são construídas, podem sofrer corrosão e até mesmo se desmantelar, mediante forças externas.
[iii] CONCEITO: As diferenças formais e contextuais da poesia são objetos de estudos recentes que buscam uma definição que possa abranger tais diferenças nas expressões poéticas. Com o objetivo de traçar a evolução do conceito de poesia, o historiador polonês Wladyslaw Tatarkiewicz afirma que existem dois conceitos que podem defini-la. Considerando que o termo poesia é aplicado para dois objetos distintos, o autor assinala que o primeiro conceito é o de arte baseada na linguagem e o segundo assume um significado mais geral com o “estado da mente”. Cabe ressaltar que o contexto é essencial para o desenvolvimento do gênero e da forma poética. As poesias que registram eventos históricos de forma épica, por exemplo, são narrativas mais longas, enquanto poesias litúrgicas como hinos e salmos são mais curtos e adotam um tom de inspiração espontânea. (https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/lingua-portuguesa/poesia)
[iv] A definição de campo literário, segundo Pierre Bordieux (1996), contempla um espaço formado por literatos – contistas, poetas, romancistas e dramaturgos – que exercem relações entre si e com o campo de poder.
João Batista do Lago é autor dos livros EU, PESCADOR DE ILUSÕES, ÁPORO, CÂNTICOS VISCERAIS (www.lulu.com) e 50 TONS DE PALAVRAS (Acadêmica-APB); é maranhense nascido na cidade de Itapecuru Mirim; é jornalista, escritor, poeta, pesquisador, conferencista e publicista literário – Contato: [email protected]
[Foto: Divulgação]
O ser humano participa disto mesmo, João Batista do Lago, desses dois lados de sua manifestação, poesia e pensamento, sensibilidade e vontade de análise… Por isso acho triste sempre que alguém quer anular uma atitude em detrimento da outra, porque ambas estão em nós, inarredáveis. E o melhor é que podemos acolhê-las em sua mais alta expressão em nossa escrita. Parabéns pela reflexão!