VIAGENS, EMOÇÕES
& RETRATOS VIBRANTES
por Bioque Mesito
HOLY MOTORS
Título original: Holy Motors
Direção: Leos Carax
Gênero: Drama/Experimental/Fantasia
País/Ano: França, 2012
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Uma odisseia surreal
Se Alice tivesse uma limusine, certamente teria embarcado em uma jornada tão bizarra quanto a que testemunhamos em Holy Motors. Dirigido por Leos Carax, o filme é um mergulho profundo no surrealismo cinematográfico, onde a realidade se mistura com a fantasia de maneiras inesperadas e intrigantes.
Denis Lavant brilha como o protagonista multifacetado, assumindo uma miríade de identidades ao longo do filme, cada uma mais estranha e fascinante do que a anterior. Da ação à ficção científica, do drama à comédia, Lavant transita habilmente entre os papéis, mostrando sua versatilidade e talento.
A Paris retratada em Holy Motors é tanto um cenário quanto um personagem por si só, explorada em toda a sua diversidade, dos subterrâneos aos arranha-céus. Carax demonstra um amor palpável pela cidade, capturando seus diferentes aspectos de maneira poética e visceral.
O filme é uma ode ao próprio ato de fazer cinema, mergulhando nos mistérios e encantos de diferentes gêneros cinematográficos. Desde os números musicais até as tramas de assassinato, Holy Motors mantém o espectador intrigado e cativado, nunca sabendo o que esperar a seguir.
A narrativa é como uma dança cinematográfica, onde cada cena é um movimento coreográfico cuidadosamente elaborado. A frase emblemática do protagonista – “só a beleza do gesto importa” – resume perfeitamente a essência do filme, que celebra a arte do cinema em sua forma mais pura e descomplicada.
O filme desafia convenções e expectativas, levando o espectador a um universo surreal onde a realidade é apenas uma parte de um todo muito maior. É uma experiência cinematográfica única e inesquecível que merece ser vivenciada e apreciada em toda a sua excentricidade.
CIDADE PÁSSARO
Título original: Shine Your Eyes
Direção: Matias Mariani
Gênero: Drama
País/Ano: Brasil/França, 2020
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Viagem de autoconhecimento pela verdade
Em Cidade Pássaro somos levados a uma jornada emocionante pelas ruas movimentadas de São Paulo, guiados pela busca de Amadi, interpretado por O.C. Ukeje, por seu irmão desaparecido, Ikenna, vivido por Chukwudi Iwuji. A narrativa nos apresenta a um músico nigeriano que desembarca na cidade em uma missão aparentemente simples: encontrar seu irmão e reconstruir os laços familiares. No entanto, o que se segue é uma jornada cheia de reviravoltas e descobertas surpreendentes.
O filme aborda temas universais de família, lealdade e identidade, enquanto mergulha nas complexidades da imigração e da busca pela própria verdade. Amadi é confrontado com a difícil decisão entre permanecer fiel à sua família e suas responsabilidades ou seguir um caminho novo e desconhecido em São Paulo. Essa dualidade entre o passado e o futuro, entre as expectativas familiares e os desejos pessoais, é explorada de maneira comovente e genuína ao longo da narrativa.
Ukeje entrega uma performance envolvente, capturando a essência do dilema de Amadi com sensibilidade e profundidade. Sua jornada de autoconhecimento e autodescoberta ressoa com o público, enquanto ele enfrenta os desafios e obstáculos que surgem em seu caminho.
Além da poderosa atuação do elenco principal, Cidade Pássaro também se destaca por sua ambientação visualmente deslumbrante. As paisagens urbanas de São Paulo são habilmente retratadas, capturando a energia pulsante e a diversidade da cidade de maneira autêntica. A cinematografia habilmente utiliza a cidade como pano de fundo para a história de Amadi, adicionando uma camada extra de profundidade à narrativa.
Embora o filme possa não ter recebido destaque em grandes premiações, seu valor como obra cinematográfica não pode ser subestimado. É um filme que ressoa com questões universais e emocionais, contadas através de uma lente culturalmente rica e diversificada. Uma jornada cinematográfica imperdível que fica gravada na memória do espectador mesmo após o fim dos créditos finais.
FOLHAS DE OUTONO
Título original: Kuolleet Lehdet
Direção: Aki Kaurismäki
Gênero: Drama/Romance
País/Ano: Finlândia, 2023
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Melancolia encantadora
Folhas de Outono, dirigido por Aki Kaurismaki, é um mergulho cativante no mundo da comédia ácida e do romance sutil, onde os personagens principais, Ansa (interpretada por Alma Pöysti) e Holappa (interpretado por Jussi Vatanen), são conduzidos por um cenário de desolação e melancolia. O filme nos apresenta uma narrativa que, apesar de repleta de situações cômicas, é profundamente enraizada na solidão e na desesperança da vida moderna.
Kaurismaki, com sua marca autoral, desafia as convenções do humor convencional ao retratar seus personagens com uma seriedade quase exagerada, contrastando com o absurdo das situações em que se encontram. O filme é pontuado por uma série de momentos que desafiam as expectativas do espectador, desde a cena em que Ansa herda um pequeno apartamento até o encontro peculiar dos protagonistas em um contexto de desigualdade e desespero social. Ainda que o cenário seja sombrio, a obra destila um otimismo terno, sugerindo que o amor e a conexão humana podem surgir mesmo nos lugares mais inesperados.
A abordagem estética de Kaurismaki é marcada pela simplicidade e pela precisão, cada cena é cuidadosamente construída para transmitir uma sensação de estranheza e encanto. Os enquadramentos estáticos e as expressões impassíveis dos personagens criam um contraste cativante com as situações absurdas e os diálogos afiados.
Ao longo do filme, somos levados a refletir sobre temas universais como solidão, amor e pertencimento. Em meio a um cenário desolador, onde a esperança parece ser uma mercadoria escassa, Amadi e Ansa encontram consolo um no outro, mesmo que apenas por um breve momento
Os atores principais, Alma Pöysti e Jussi Vatanen, entregam performances notáveis, transmitindo a complexidade emocional de seus personagens com uma sutileza cativante. Suas interações, embora marcadas pela contenção, transmitem uma química irresistível, adicionando camadas de profundidade à narrativa.
Folhas de Outono recebeu merecidamente uma série de prêmios e reconhecimentos, destacando-se pela sua abordagem original e pela habilidade do diretor em criar um universo cinematográfico único. A sutilidade dos detalhes, desde os enquadramentos meticulosamente compostos até a trilha sonora evocativa, contribui para a atmosfera singular do filme.
É uma obra-prima do humor estético, que desafia as convenções do gênero ao mesmo tempo em que nos lembra da beleza e da fragilidade da condição humana. Com seu estilo inconfundível, Aki Kaurismaki nos presenteia com uma jornada cinematográfica inesquecível, repleta de risos, reflexões e uma dose generosa de melancolia.
VAN GOGH
Título original: Van Gogh
Direção: Maurice Pialat
Gênero: Drama/Biografia
País/Ano: França, 1991
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Um retrato dos últimos dias de um gênio
Van Gogh é uma imersão emocionante nos últimos dias de um dos maiores artistas que já existiram. Neste filme, somos transportados para a primavera de 1890, quando Vincent Van Gogh (interpretado por Jacques Dutronc) se estabelece em Auvers-sur-Oise, uma pequena cidade nos arredores de Paris, sob os cuidados do Dr. Gachet.
A narrativa se desenrola ao longo dos últimos 67 dias da vida de Van Gogh, destacando seu relacionamento turbulento com seu irmão Theo (interpretado por Bernard Le Coq) e seu envolvimento amoroso com a filha do Dr. Gachet. Pialat nos presenteia com uma visão íntima e detalhada da vida do artista, explorando suas lutas internas, sua genialidade e sua angústia emocional.
A fotografia do filme é simplesmente deslumbrante, evocando as paisagens e atmosferas que inspiraram as obras de Van Gogh. Com tons que lembram as pinturas de Renoir e Manet, cada cena é uma obra de arte por si só, capturando a beleza e a melancolia do cenário rural francês.
Jacques Dutronc entrega uma performance extraordinária como Van Gogh, capturando com precisão a intensidade emocional e a vulnerabilidade do artista atormentado. Sua atuação é complementada pela habilidade de Bernard Le Coq, que traz profundidade e complexidade ao papel de Theo, o irmão preocupado e dedicado.
A obra de Pialat é um testemunho poderoso da vida e do legado de um dos maiores gênios da história da arte, oferecendo uma visão íntima e comovente de um período crucial na vida de Van Gogh. O filme foi aclamado pela crítica e recebeu vários prêmios, incluindo o prestigioso prêmio César de Melhor Filme
Van Gogh é uma obra cinematográfica excepcional que cativa o espectador com sua beleza visual, performances impressionantes e narrativa envolvente. É uma homenagem digna a um artista extraordinário e uma experiência cinematográfica que permanece nos olhos e nos sentidos dos apaixonados pelo bom cinema.
MASCULINO-FEMININO
Título original: Masculin Féminin
Direção: Jean-Luc Godard
Gênero: Drama/Romance
País/Ano: França/Suécia, 1966
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Retrato vibrante de uma juventude
Masculino-Feminino, dirigido pelo icônico Jean-Luc Godard, é um retrato marcante da juventude francesa dos anos 1960, envolto em uma atmosfera de desilusão, ativismo político e busca por identidade. No centro da trama está Paul (interpretado por Jean-Pierre Léaud), um jovem recém-saído do serviço militar e profundamente desencantado com o mundo ao seu redor. Enquanto isso, sua namorada Madeleine (interpretada por Chantal Goya) tenta construir uma carreira como cantora pop, navegando pelas águas turbulentas da indústria musical.
O filme captura com maestria o clima de mudança e rebeldia que permeava a juventude da época, refletindo as tensões sociais e políticas do momento. Godard utiliza uma abordagem inovadora, combinando elementos de documentário com uma narrativa ficcional, criando um estilo visualmente estimulante e intelectualmente provocativo.
Jean-Pierre Léaud entrega uma performance impressionante como Paul, transmitindo com autenticidade a sua angústia e alienação. Chantal Goya também brilha como Madeleine, trazendo uma mistura de vulnerabilidade e determinação à sua personagem.
Masculino-Feminino recebeu aclamação da crítica e venceu o Urso de Prata no Festival de Berlim de 1966, solidificando o status de Godard como um dos cineastas mais influentes da sua geração. O filme é um exemplo exemplar do estilo distintivo do diretor, que mistura política, cultura pop e reflexões existenciais de uma forma única e provocativa.
O filme apresenta uma trilha sonora enérgica, repleta de músicas pop da época, que contribuem para criar a atmosfera pulsante e vibrante do filme. A montagem dinâmica e os diálogos afiados de Godard mantêm o espectador totalmente envolvido na história, mesmo quando esta se desenrola de maneira não linear e fragmentada.
Masculino-Feminino é um marco do cinema francês, que continua a ressoar com o público até os dias de hoje. Com sua mistura única de estilo visual arrojado, performances cativantes e comentário social perspicaz, o filme é uma peça indispensável do cânone cinematográfico e uma experiência imperdível para cinéfilos de todas as idades.
Bioque Mesito
O Bioque Mesito conseguiu falar bastante coisas do filme, com um olhar perspicaz, inteligente sem dá spoilers, despertando a vontade de assistir esta produção 👏🏻😉