Sacada Literária

Cultura, crítica e divulgação

Lila Maia, poeta - foto: divulgação

LILA MAIA entrevistada por PAULO RODRIGUES

PAULO RODRIGUES

ENTREVISTA A POETA

LILA MAIA

 

Não se escreve um poema impunemente.”

 

Capa de As maçãs de antes – Lila Maia, ed. Oficina Raquel, 2013

 

Lila Maia, poeta e professora, é maranhense de São Luís e vive no Rio de Janeiro. Publicou As maças de antes, vencedor Prêmio Helena Kolody de Literatura (Prêmio Paraná de Literatura/2012), livro que também foi finalista no Prêmio Telecom Portugal de Literatura, hoje, Prêmio Oceanos; Céu despido (2004, vencedor do II Prêmio Literário Livraria Scortecci/SP); A idade das águas (1997). Seu livro Caixa de guardar amor (2013) ganhou o Prêmio Infantil Coleção Vertentes, da Universidade Federal de Goiás. Em 2015, foi a vez do Prêmio Juvenil da Universidade Federal do Espírito Santo, com O coração range sob as estrelas. Participou das antologias poéticas Amar, verbo atemporal (Rocco, 2012), Sete vozes (Editora da Palavra, 2004), e Próximas palavras (Editora da UERJ, 2003), com apresentação de Ferreira Gullar. Tem poemas publicados na revista Poesia Sempre, da Biblioteca Nacional.

 

       1. Paulo Rodrigues – Lila Maia, você é uma leitora voraz. A leitura é uma obrigação, poeta?

Lila Maia – Sim. Uma obrigação prazerosa e importante. A leitura não só te fornece informações, orientações, mas te proporciona reflexões, silêncio. O romancista, ensaísta francês Andre Maurois diz que “a leitura de um bom livro é um diálogo incessante: o livro fala e a alma responde”. E o escritor argentino Ricardo Piglia, no livro O Último Leitor escreveu: “não existe nada simultaneamente mais real e mais ilusório do que a leitura”.

 

       2. Paulo Rodrigues – Jorge Luis Borges afirmou: “a poesia é algo tão íntimo que não pode ser definida”. Você concorda com Borges?

Lila Maia – Concordo. A poesia é antes de tudo um sentimento, uma fala, um olhar que vai nascendo de dentro. É uma marca, um sinal muito pessoal. Por isso, difícil de definição. O poeta, ensaísta mexicano Octavio Paz, no livro O Arco e a Lira diz: “A poesia é conhecimento, salvação, poder, abandono…”

 

       3. Paulo Rodrigues – Como é o processo criativo da poeta Lila Maia?

Lila Maia – Eu só escrevo pela manhã muito cedo. E gosto de ficar perto da janela. Acho que um passarinho vai chegar me dizendo algo bem bonito cantando. E gosto de ter um dicionário perto. Só escrevo no papel. Quando percebo que o poema pode voar é que passo para o computador.

 

       4. Paulo Rodrigues – Você acompanha a literatura brasileira contemporânea? Quais autores você destacaria?

Lila Maia –Acompanho sim. Gostaria de ler mais e tem muita gente boa. Vou citar alguns: Salgado Maranhão, Ana Martins Marques, Mariana Ianelli, Maria Dolores Wanderley, Claudia Roquette-Pinto, Antonio Aílton, Tanussi Cardoso, Francisco Orban, Iracema Macedo, Denise Emmer, Roseana Murray, Alexandra Vieira de Almeida…e tem mais.

 

       5. Paulo Rodrigues – Poeta, você venceu muitos prêmios, dentre eles o Prêmio Paraná de Literatura. Os prêmios ajudam a divulgar o trabalho do autor? Eles são realmente importantes?

Lila Maia – São e ajudam a divulgar o teu trabalho. Ganhar o Prêmio Paraná de Literatura, na categoria poesia em 2012, me abriu algumas janelas.

 

       6. Paulo Rodrigues – No poema O OLHAR MADURO DA ONÇA, temos o seguinte verso: “não se escreve um poema de amor impunemente”. É isso mesmo?

Lila Maia – Sim. Nenhum poema de amor fica impune. São difíceis de escrever. E todo amor é céu, inferno ao mesmo tempo.

 

     7. Paulo Rodrigues – Fale um pouco para nós sobre o livro As Maçãs de Antes.

Lila Maia – Tenho um carinho especial por esse livro. Não porque ganhei um prêmio, mas pelo tempo que levei trabalhando os poemas. Ele fala de amor, as variadas formas de amar.

 

     8. Paulo Rodrigues – A poeta já atingiu o olhar maduro da onça?

Lila Maia – Não, mas gostaria. Às vezes, acho que não atingimos nunca “esse olhar maduro”, a escrita requer o tempo todo responsabilidade, criatividade, comprometimento.

 

     9. Paulo Rodrigues – Deixe uma mensagem para os nossos leitores.

Lila Maia – A escrita para mim é um pouco como disse a maravilhosa Clarice Lispector, no livro escrito pela Olga Borelli, Clarice Lispector esboço para um possível retrato: “Estou no reino da fala. Escrever é lidar com a absoluta desconfiança. Escrevo como se somam 3 algarismos. A matemática da existência. O que escrevo é simples como um voo. Um voo vertiginoso. Êxtase?”

 

Capa de As Maçãs de antes – Ed. Biblioteca do Paraná, 2012

 

 

POEMAS DE

LILA MAIA

 

CENAS DO ATERRO DO FLAMENGO

  

João é mudo.

                       Tereza surda.

João está sempre gesticulando

como se tivesse aves repentinas nas mãos.

Tereza lembra paisagem: atenta, alheia.

Uma vez os vi abraçados,

mas logo se tornaram rosas vermelhas.

João batia no peito e muitas penas voavam.

                     

Teresa tem a força do mar.   

 

 

FELICIDADE

 

Toma, homem,

este é meu corpo.

Barco a vela

como qualquer embarcação.

Nas marés da sorte,

a maturidade de ir dominando o fogo.

Os enganos não enganam mais.

Gosto deste ai não lírico,

do meu jeito cigano de nunca mais acreditar.

 

Toma, homem,

estas batidas mínimas.

O que chamo amor está em Bangcoc, Beirute.

E visto a roupa porque espero o galope lento, lento das palavras.

 

A poesia pode tudo.      

                  

 

A CORAGEM DO POEMA

 

Cachorros não me fazem companhia nesta íntima solidão.

 

Tenho saudades da mulher que me abençoava de longe.

Durante quarenta e oito anos acreditou no meu amor.

 

Já não perturba saber

que o homem de trinta me ignore

Aceito a conjugação serena do verbo.

 

Minha solidão jamais teve cheiro de gato

nem tenho coragem de aprisionar aquele canário

que se faz cativo.

 

Meus amores sempre passam. 

 

 

UMA VIGÍLIA

 

Quarenta anos depois

o silêncio da chaleira que ferve.

Na infância, sempre acendi uma vela na outra.

As surras que levei não se enraizaram.

Cada dia soletrei um tempo do verbo partir.

Vivi com a indiferença e a saudade presas ao calendário.

 

Quarenta anos depois

não sei me despedir da saudade:

continuo ouvindo o arrastar daquele chinelo

número trinta e três pela casa.

 

 

INESGOTÁVEL

 

Já fui tão antiga querendo ser feliz.

Mas ele chega louco demais para o meu corpo.

Me arrasta, porque sabe que serei magma

neste doce deslumbramento das marés altas.

E feito um guerreiro suas mãos tocam

onde só existe falta.

Este homem me habita com fúria e pássaros

 

 

AS MAÇÃS DE ANTES

 

Onde estão a catedral que me vigiava atenta

a vontade de lamber sinos para que minha língua

pudesse falar de glórias?

Vagueia pelo quarto uma véspera,

uma demora sobre o corpo

sem o sol, a varanda, as maçãs de antes.

 

Quero a mesma brancura das areias do menino,

o castigo leve quando insistia em ser Pinóquio,

o medo das histórias de assombração

contadas por Maria Adélia.

 

Há um touro tombando só para o lado esquerdo,

uma arena de memórias.

Pudesse eu trazer de volta para a gaiola,

o canário do meu irmão Olímpio

e algumas cenas da infância

que tinham o dom de me perpetuar.

 

 

CALMA E MÚLTIPLA

 

Chamem a ambulância cotidiana

a vida escapa em grandes doses.

Essa febre no último andar se curva, avança

entre a espessura da felicidade iminente

e as paredes da alma.

O que transborda não me deixa fugir a nado:

há um vazar de raízes me ocupando inteira

o ponto de partida voltando sempre

(uma parte de mim com a mesma sede).

 

A ressurreição de cada dia não tem registro

nem um toque de arte-final.

 

 

LIBERDADE

 

O poema não nasce urgente

Ele tem espantos e rumina imaturo

entre as portas do inferno e a vontade de galgar

qualquer muro de credo

Depois cheio de insulto, pranto, ele desce

como se fosse possível deflorar-se

ou penetrar mais fundo que o verme

O poema que era para ser unicórnio

dormindo sobre verdes pastagens

é apenas este leão possuído, devorado

 

 

Capa do livro O coração range sob as estrelas (2016), de Lila Maia

 

 

*

 

 

Paulo Rodrigues, entrevistador, é poeta e jornalista.