Sacada Literária

Cultura, crítica e divulgação

Linda Barros, escritora/poeta, atriz

O CONFLITO IDENTITÁRIO, NO POEMA “CÉU UTÓPICO PARA FAMÍLIA AMARELA”, de Antonio Aílton

*Linda Barros

 

O que ou quem você é neste mundo? Ou ainda o que você gostaria de ser? E o que gostaria de ter? Numa visão bem holística do mundo e da vida, porque não somos o que queremos ser? O que nos impede de ser tudo o que quisermos, independente de nome ou sobrenome? Quando nascemos já temos um nome que foi escolhido para nós e que supostamente devemos ter muito orgulho, isso é fato, mas será que é isso mesmo?

Em meio a esses conflitos todos, está nossa identidade, nosso nome “de pila”, como se diz em espanhol. No entanto, vivemos num conflituoso mundo que nos reconhece pelo nome que carregamos, nem sempre pelo que somos, o que importa mesmo é a linhagem ou seja a família, será? Qual a minha, a nossa identidade? De onde vêm nossos sobrenomes, qual a importância deles para a sociedade a qual pertencemos? 

Na vida percorremos vários caminhos e por esses caminhos deixamos nossas marcas, sejam elas boas ou ruins, mas no fim, alguém nos identifica. No belo poema CÉU UTÓPICO PARA FAMÍLIA AMARELA, do professor e poeta Antônio Ailton, encontramos todos esses conflitos existenciais, a começar logo no primeiro verso:

 

família, pano de parteiras 

e toalha de mesa 

rasgada, és a única que carrego 

na ausência da mãe 

 

Em todos os conflitos identitários, Família é a única que temos e que carregaremos para o resto de nossas vidas, não importa o que aconteça, pelo simples fato de não existir ex-pai, nem ex-mãe, ambos são a essência de nossa existência. 

Natural de Bacabal, Antonio Aílton é poeta, professor, pesquisador e também um grande nome literatura maranhense contemporânea, e, por que não dizer um poeta traz angústia em seus versos. No poema Céu Utópico para Família Amarela, O poeta trouxe à tona, a visão de mundo e das pessoas sobre nós mesmos. Com versos conflitantes, Aílton mostra para a sociedade, como a própria sociedade nos vê:

 

estranho os sobrenomes em árvore 

que os formulários de carreira exigem 

para sondarem meu pedigree 

se sou joão-de-barro 

                   ou se sou joão-ninguém

 

O que somos para a sociedade? Ou ainda, a sociedade quer de nós? O que importa é que temos ou o que somos? E, sendo assim, por que temos que agradar a todos? É como “o que vejo, o que sou e o que penso sobre o outro que conta”. Onde está escrito isso? Quais normas devemos seguir? Eu tenho que ser o que você quer que eu seja, não importam valores, condutas, amores, nada importa, apenas que eu siga esse ou aquele padrão.

O Poema segue com esses questionamentos:

 

pedem-me isto e aquilo 

e vendem-me um apartamento micro:

 que eu não seja prolífico em filhos 

nem transgrida os quadrados 

que eu seja dado — a prazo 

como quem confere paraísos ao relento

 

Sou ou somos para a sociedade apenas um cartão postal, com características bem definidas e predeterminadas, caso contrário somos extirpados do mundo “padrão”. Isso é possível? Claro que sim, basta ver nosso “pedigree”.

Capa do livro CERZIR – livro dos 50 (Penalux, 2019)

Detentor de várias obras Antonio Aílton recebeu prêmios em vários livros de poesia e ensaio, dentre eles podemos citar:  Prêmio Literário e Cultural Cidade de São Luís (poesia e ensaio) e o Prêmio Cidade do Recife (Poesia). Em sua vasta carreira literária, tem vários livros publicados como:  A Camiseta de Atlas (2023); Cerzir – livro dos 50 (2019); Compulsão agridoce (2015); Os dias perambulados & outros tOrtos girassóis (2008); As Habitações do Minotauro (2001) e Humanologia do eterno empenho (2003).

​ Com essa vasta publicação, Aílton deu vida a seu interior, trazendo dúvidas, angústias e questionamentos a cerca do ser poeta: 

 

margens de um horizonte pré-determinado 

tudo quanto flui seja morno e destroçado

 que, segundo sua panóptica,

 não tenham portos os postes da noite

 

 no mais, insistem que eu banque 

o previamente imputado 

amanheça inseto transformado

 e esconda em algum lugar de mim

 meus sonhos, minhas 

libertinagens 

 

Nem todos têm uma vida fácil e plena, que não precisa provar nada para ninguém – aliás, por que temos que provar alguma coisa para alguém? Mas no mundo capitalista e materialista em que estamos inseridos, parece que “provação” é necessária o tempo todo. Tudo envolve o que sou e o que tenho, inclusive nossa própria liberdade de escolha.

Céu Utópico para uma Família Amarela foi o poema vencedor do 1º Concurso de Poesia da SOBRAMES – MA/2024, no qual houve vários textos inscritos, Aílton venceu com seu texto forte, realista, inquietante e com pitadas de sarcasmos, retratando uma sociedade que se esconde através de um manto obscuro da sobriedade e soberba. Ainda no poema, é possível ver claramente o mundo das aparências em que vivemos:

 

que meu chip de compras 

seja um título rastreado on-line

 a escorraçar meu abraço de ciborgue

 que eu faça ponto em sua zona 

de conforto — depois de esbanjar afeto 

num velho comercial de televisão 

 

Tudo é muito simples e claro quanto ao comportamento humano, o que devemos e precisamos fazer para estarmos inseridos neste mundo quase totalmente digitalizado, em que temos que acompanhar e que os outros têm que ver nos 24h do dia e da noite. 

Por fim, o que importa mesmo é a todo custo está inserido nesse mundo, mas também, que tenhamos um nome e uma identidade significativa. Mas, na verdade, o que somos mesmo é uma imagem que ficará moldada nos:

 

dois cliques e nos colocam na moldura

 para estarmos lá, pendurados 

em um banco amarelo

 família, cifrão cortado 

trago por meu signo o teu riso congelado

 

 folder, 

 

utópica flâmula tremulando

 aos poucos minha casa se retira

 nas beiradas que prenunciam a distância.

 

Mas, na verdade o que somos e o que seremos mesmo é uma imagem que ficará moldada e pendurada em algum quadro amarelado que ficará guardada para uma futura geração ainda mais digital, mais contemporânea, que talvez sequer se lembrará do seu próprio “pedigree”.

E para aguçar um pouco mais essa discussão, nos diga ai caro leitor, qual o seu pedigree?

 

*

 

Capa do livro A Camiseta de Atlas, de Antonio Aílton (EDUFMA, 2023)

 

*

 

 

 

*Linda Barros, atriz e escritora e Mestranda em Letras.  Membro da Academia Poética Brasileira e da ATHEART