Bioque Mesito
ao meu amigo, Francisco das Chagas Araújo
I)
no meio da tua cara rachada o potente sol
que espelha imponente o palácio dos leões
ameaça constante da esperteza de governantes
que burlam o bom astral dos ludovicenses
das velhas súplicas de artistas populares
por azulejos fontes ladeiras ou casarões
não és mais a formosa madame equinocial
mas amontoada em bolsões de pobreza
não vemos mais um parecer de encantos
que mudou entre esgotos tua trajetória
o amor aos poucos por aqui vai embora
a cidade que inspirou piratas e poetas
esplende caudalosa na ponta da areia
como se parasse no tempo toda singeleza
II)
reitero que o tempo mudou
toda a história que contaram
upaon-açu de guerreiros
relegada a povo castigado
não acredito que nesta
terra pisou gonçalves dias
muito se envergonharia
no estado em que ficamos
III)
a são luís
do passado
se insinuava
a cada esquina
que se passava
a são luís
de agora
só alegoria
IV)
a propósito de um ser falido
te embrenhas em inútil círculo
de província que apenas espera
não és mais imponente atenas
mas parte de muitas gentes
que foge da castigante roça
V)
assinatura reconhecida
do fracasso orbitante
carregas na pele mítica
os batuques ancestrais
o tambor de crioula
o bumba-meu-boi
o cacuriá a quadrilha
o carnaval de passarela
ritos que às vezes manobrados
pelo bel-prazer de facínoras
se aproveitam do suor festivo
ao deixarem ignóbeis rastros
VI)
em tua testa trêmula
o paraíso decadente
rarefeita entre versos
pouco há o que se dizer
como se estacas batessem
gorgolejando teu ventre
de bandoleiros cargueiros
que ocultam riquezas
oscilas turva no atlântico
como serpente adormecida
VII)
os ventos que sopram
revigoram os mangues
da herança das palafitas
a ginga das pedras de jah
o centro histórico não é
mais só o cenário boêmio
não és mais a rota noturna
da carruagem de ana jansen
engendrada entre o caos
os cacos de tuas ruínas
VIII)
entre os ícones marcantes
de teus símbolos te despedes
tribuzi chagas nauro gullar
os que continuam
demarcam madrugadas
no estirão de tuas ruas do bar do porto
estão lá os rastros
de meus pares os cânticos
de tantos outros de nós
IX)
apesar de todos os reveses
arremessas as trilhas ao mar
nas baías de são marcos
ou de são josé de ribamar
quem nasce nesta ilha
se é que nunca sentiu
quem passa por ela
sempre vem para ficar
(MESITO, Bioque. Uma estranha maneira de se comparar amanhãs. Guaratinguetá, SP: Penalux, 2021.)
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