Sacada Literária

Cultura, crítica e divulgação

"Operário" - Cândido Portinari (1903-1962)

CÉSAR WILLIAM – poemas

PINTURA  QUASE  ÍNTIMA

 

O fungo nas unhas desenhou um quadro barroco

nas mãos de barro do operário que ouvia ópera

pouco preocupado com os abismos  nos dedos

o homem  já concebia   as manchas como flocos

gastas  garras   desconfigurando-se e  derretendo

feito um sorvete suicida encarando lentamente  o sol.

 

(Tecido Tempo – Mostra da Poesia Contemporânea do Maranhão – Antologia da AML/2023)

 

***

 

CÂMERA  UM

 

Saga em mutirão no quintal de casa

formigueiro fervendo em terra removida

como se eu visse homens na Serra Pelada.

Em vão tento conferir operários

eles não se incomodam comigo e têm pressa.

Guardar suas quentinhas para o próximo inverno

é uma missão quase suicida na frente de um humano.

Rápido um corredor cor de gasolina se avexa

ziguezagueando os minutos de um relógio que desconheço.

Transeuntes com verdes torços vão tecendo a aba da manhã

e eu desisto de pôr o pé sobre aquela vermelha torre.

Não estão inscritos no programa Auxílio Brasil

O IBGE os desconhece e o Fantástico não sabe o que perde.

Tudo está formado e me torno cúmplice

do xadrez nas folhas do pequeno abacateiro.

 

(Tecido Tempo – Mostra da Poesia Contemporânea do Maranhão – Antologia da AML/2023)

 

***

 

GALOPES AO ENTARDECER

 

Penélope sabe que há muito

vem na garupa comigo

no mesmo cavalo de Ulisses.

Cavalgamos por trilhas errantes

nos galopes de silêncio e suspiros

e tanto ela quanto eu sofremos por isso

porque vivemos só pela  sintonia

e Platão é padrinho desse precipício.

 

César William, poeta e professor