É PRECISO VIVER MAIS
É preciso viver mais
reescrever a filosofia
dos epitáfios
das folhas velhas
para com elas
prescrever
a base sólida
da verdade que
anda pelas coisas
É preciso viver mais
redesenhar os caminhos
da metafísica tresloucada
que estoura em pequenas
bolhas
no transitório
da humanidade
É preciso viver mais
rever escolhas
e contornar
os buracos das ruas
cujas pedras
seculares
dormem sujas
duras e nuas
É preciso sem mais
viver bem
para entender que
o que nos falta
é o fundamental
***
DIGNIDADE
Dignidade é necessária
Para que não sejas só um número
Para que não sejas só uma sombra
Dentre os rotos que rondam
Pelas ruas da cidade
Para que não sejas um doente
A mais nas filas
De marcação de consultas
Para que não cates no lixo
Os escombros das vidas
Dignidade é necessária
Para que não sejas um pária
Para que não te vejas condenado
Aos trabalhos deprimentes
Nos locais de sofrimento.
Para que não te tornes escravo
Ou um fantasma jogado
Nas valas da insalubridade
Para que tua voz tão pequena
Não se apague por completo
Dignidade é necessária
Para que não te mate a fome
Para que não te roube o homem
Escuso, teu pobre irmão de vícios
Aquele a quem as horas consomem
Toda a virtude em seus resquícios
Para que políticos não abocanhem
Teus últimos centavos
Guardados na carteira.
Para que persigas a felicidade
Na existência verdadeira.
“É PRECISO VIVER MAIS”, de autoria do poeta (e filósofo) Rogério Rocha, aos meus olhos, é um poema vitalista. Nele, o poeta ressalta clarividente sua estética (ou ética) forma de existir. Desde a primeira estrofe Rogério Rocha evoca um sentimento (forma) de existência de uma tipologia de eticidade fundamentada na verdade, fato que contraria os “epitáfios” (entenda-se: velha Moral ou moralidade) que deveriam estar/ser definitivamente mortos e enterrados. Mas apesar de toda carga potencial de vitalidade existente no poema, por obra e graça de um interdito, o poeta não esquece de manifestar pela artéria da invisibilidade textual o contradito da verdade: a mentira. E isso faz com que o poema se torne ainda mais complexo e exigente de uma análise mais profunda, ou seja, parece um poema simples, mas é altamente complexo…
Por seu turno, o poema “DIGNIDADE”, do mesmo autor, navega nas mesmas águas, ou seja, a matéria prima contém em si a mesma vitalidade. Contudo, neste caso, o poeta elabora uma crítica mais histórico-materialista e toca em temas fundamentais ligados aos campos da Filosofia e da Sociologia, e ainda, do Direito. Neste poema o discurso eu-lírico imbrica-se (assim penso eu) com o discurso do poeta, evocando dessa maneira uma tipologia de imanência o que faz do poema um texto frankfurtiano, no que se refere à crítica social, política e econômica. Agradaram-me os dois poemas de Rogério Rocha, e deixaram-me mais feliz ainda por causa da dose do “criticism” neles inferidos.
As poesias “É PRECISO VIVER MAIS” e “DIGNIDADE”, ambas da autoria de Rogério Rocha, são manifestações poéticas que convergem em suas preocupações profundas com a condição humana e a sociedade em que vivemos. Embora abordem temas diferentes, essas obras compartilham a essência de questionar as normas estabelecidas, desafiando convenções e despertando a reflexão sobre questões filosóficas e sociais. “É PRECISO VIVER MAIS” busca, por meio de sua linguagem intensa e imagética, redefinir a filosofia da vida e da existência, destacando a importância de uma abordagem vanguardista na busca por uma compreensão mais profunda do mundo. A poesia argumenta que é necessário explorar novas perspectivas e repensar ideias ultrapassadas, simbolizadas pelas “folhas velhas” e “epitáfios”, a fim de alcançar uma compreensão mais contemporânea e significativa da realidade. Por outro lado, “DIGNIDADE” aborda questões sociais urgentes, lançando um apelo em defesa da dignidade humana. A poesia denuncia a desigualdade, a pobreza e a exploração, destacando a importância da dignidade como um direito fundamental de todos os seres humanos. Ela desvela as injustiças sociais, como a busca por comida nos lixões e a exploração no trabalho, e insta à empatia e à ação para garantir que a dignidade seja preservada para todos. Ambas as poesias carregam consigo uma mensagem poderosa de reflexão, crítica e transformação. Enquanto “É PRECISO VIVER MAIS” desafia a maneira como percebemos o mundo e a filosofia que o embasa, “DIGNIDADE” lança um chamado à ação para combater as injustiças e garantir que todos tenham a oportunidade de viver com dignidade. Juntas, essas obras poéticas representam uma voz consciente e engajada na literatura contemporânea, lembrando-nos da importância de pensar criticamente sobre o mundo e agir em busca de uma sociedade mais justa e humana.