Sacada Literária

Cultura, crítica e divulgação

Natalino Salgado Filho e Joaquim Itapary, escritores acadêmicos

Adeus a um porta-voz da cultura, Joaquim Itapary

Natalino Salgado Filho*

 

“Foi aqui que encontrei a matéria-prima para minha escrita, e é para este lugar que dirijo minha eterna devoção”, essas foram algumas das palavras do discurso de Joaquim Itapary ao tomar posse na Academia Maranhense de Letras, referindo-se ao nosso Estado.

Perdi um amigo, um confrade, mas a perda maior é, sem dúvida, do Maranhão e de nossa gente, que tinham na figura dele um ardoroso defensor de nossa cultura, fato provado pelas contribuições como professor, historiador, poeta e escritor.

Essa sua paixão foi sua guia quando assumiu um dos mais altos cargos do país, o de ministro da cultura no governo do então presidente José Sarney. Como um Dom Quixote moderno, empreendeu guerra renhida contra a ignorância e o descaso com nosso patrimônio imaterial. Com vistas a preservar nossa identidade e história, implementou diversos projetos de restauração e conservação de sítios arqueológicos em várias regiões do Brasil e também monumentos históricos.

Também projetou e executou uma gama de programas para incentivar a produção artística em diversas áreas. Abraçou projetos diversos que contemplavam a literatura, música, teatro, cinema e artes visuais, incentivando jovens artistas num período marcado pela redemocratização.

Itapary era contra a centralização da cultura. Sempre defendeu a capilarização de manifestações artísticas nos mais diversos rincões do país e, particularmente, a cultura popular, como as festas tradicionais de norte a sul desse imenso Brasil, sem descuidar das produções indígenas.

Faltar-me-ia espaço para discorrer sobre sua saga pela criação de bibliotecas públicas, campanhas de doação de livros e a realização de férias literárias. Um país de leitores – essa era sua meta, visionária até nos padrões atuais entre aqueles que sonham de forma plural.

Por seu ineditismo, por seus sonhos que conseguiu transformar em realidade, por sua paixão que o acompanhou em toda sua trajetória, Itapary se assemelha à fala de Manoel de Barros, ao descrever homens de sua têmpera: “Os sonhos são a matéria-prima dos sonhadores, e eles constroem castelos no ar com a leveza de quem conhece a fragilidade do próprio sonho. E, ainda assim, persistem. Pois sabem que é nos sonhos que reside a essência da vida, a centelha que mantém acesa a chama do existir”.

Aqui externo minha gratidão pelo legado desse sonhador-idealizador ao mesmo tempo que lamento profundamente a perda que todos nós sentimos. Para encerrar, evoco o trecho final do discurso de Itapary, a que me referi no início deste texto. De forma profética, ele anteviu o cenário no qual estamos imersos, onde a defesa da palavra e da cultura urgem e que requerem de nós posturas mais firmes e tenacidade da luta.

Disse nosso confrade: Finalizo com um apelo à união e à perseverança. Que possamos, juntos, continuar a celebrar e a promover a cultura maranhense, mantendo vivas as tradições e o espírito criativo que sempre nos caracterizou. Que as letras sejam sempre uma ponte entre o passado e o futuro, iluminando nosso caminho e enriquecendo nossas vidas.

 

 

Joaquim Salles de Oliveira Itapary Filho – Academia Maranhense de Letras
Joaquim Salles de Oliveira Itapary Filho (23/04/1936 – 29/07/2024). Fonte:  Academia Maranhense de Letras, https://academiamaranhense.org.br

 

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Natalino Salgado Filho é escritor, cronista, ex-reitor da UFMA (2007-11/2011-15/2019-23), professor titular em Nefrologia e médico nefrologista. Membro da Academia Nacional de Medicina e da Academia Marenhense de Letras.