Ana Luiza Almeida Ferro
O que contemplas, ó vate divino?
o que procuras em cada sol poente?
nosso céu mais uma estrela ganhou
nossa vida, mais beleza,
nossa prosa, mais poesia
o coreto mais cobiçado ficou
a baía já se rende a teus pés
mas a tarde não traz refrigério
a noite sua mudez revelou
os sinos ainda dobram por ti
a marabá mais sozinha está
e o mar penitente se agitou
ao naufrágio de certo navio
nos baixios dos Atins.
O que divisas, ó mestre divino?
o que persegues em meio às alturas?
não viste as nuvens pesadas
o rosto do astro ocultar?
acaso não ouves o canto do guerreiro,
os sons da trompa, as vozes em toadas,
o canto do índio, a canção do tamoio?
acaso olvidaste o canto do Piaga,
o rugir das tempestades carregadas?
não guardaste a lembrança
do moço tupi na taba timbira?
não sofreste cruas ânsias fundadas?
não ensinaste que a vida é combate
que os fortes apenas pode elevar?
O que cismas, ó artífice divino?
o que inspira a tua mão?
as visões do valente Tabira?
os maracás e os manitôs?
és agora o gigante de pedra
arrebatado de contida ira
quem há que te iguale?
quem há que te exceda?
quem há que te fira?
descansas em eterna vigília
não podes dizer derradeiro adeus
mil arcos se retesam em mira
mil setas se cruzam em tributo
mil poemas se doam em memória.
O que especulas, ó arauto divino?
o que buscas no incerto horizonte?
és mais alto que as altivas palmeiras
onde cantava o magistral sabiá
mais alto que a bela mangueira
onde se aconchegam as frutas useiras
mais alto que o Morro do Alecrim
onde muito bravo pereceu
estás bem diante das beiras
no centro da praça encantada
a cortejar Maria Aragão
tão longe das capoeiras
tão dentro do Olimpo
tão perto de Tupã.
O que eleges, ó favorito da Musa?
o que esperas da brisa inconstante?
afasta a tentação da mãe d’água
liberta-te do cruel Anhangá
desce do alto da palmeira
deixa para trás tua frágua
e vem cá desfrutar os primores
que não encontraste por lá
volta à era do corpete, da anágua
quando se morria de amor
vem desposar Ana Amélia
há cura para toda mágoa
no Largo dos Remédios
no Largo dos Amores.
Ó Gigante do Largo dos Amores
de pés imponentes sobre o mar
ouve meu canto, meu lamento
retoma a pena, fecunda o papel
põe a máscara, dedilha a lira
volve teus olhos sem tento
e desce para tornar a encher
com teus últimos cantos
meio paz, meio tormento
no leito de folhas verdes
nossa vida de mais beleza
ao sabor de cada momento
nossa prosa de mais poesia
nossos dias de mais Gonçalves.
BIOGRAFIA RESUMIDA
Ana Luiza Almeida Ferro é Promotora de Justiça, professora, escritora, historiógrafa, poeta, conferencista internacional, declamadora e desenhista. Membro de Honra da Sociedade Brasileira de Psicologia Jurídica, membro da European Society of International Law, do PEN Clube do Brasil, da Academia Brasileira de Direito, da Academia Brasileira de Filosofia, da Academia Maranhense de Letras, da Academia Ludovicense de Letras e de várias outras instituições culturais. Doutora e Mestra em Ciências Penais (UFMG). Pós-Doutora em Derechos Humanos (Universidad de Salamanca, Espanha). Graduada em Letras e Direito. Detentora de certificados de proficiência em língua inglesa pela University of Cambridge, Inglaterra, e de diplomas pela Université de Nancy II, França, como o Diplôme supérieur d’études françaises. Autora de numerosos artigos e livros, sobretudo de Direito Penal, História e poesia, dentre os quais O Tribunal de Nuremberg, Quando, Crime organizado e organizações criminosas mundiais, O náufrago e a linha do horizonte e 1612 (edições brasileira e europeia). Recebeu o Prêmio “Poesia, Prosa e Arti figurative” (Itália, 2014 e 2019), a Menção Honrosa do prestigioso Prêmio Pedro Calmon 2014 (IHGB), o tradicional Prêmio Literário Nacional PEN Clube do Brasil 2015 e o Prêmio Vianna Moog (UBE-RJ, 2017). E-mail: [email protected].
[1] Originalmente publicado em: FERRO, Ana Luiza Almeida. 1612: os papagaios amarelos na Ilha do Maranhão e a fundação de São Luís. Curitiba: Juruá, 2014, p. 757-759.
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