Grandes felicidades
Queria ser enterrado debaixo de uma mangueira
Totalmente em silêncio,
para que ninguém me pudesse ouvir
E choraria de noite, para não assustar os vizinhos
Queria morrer ao teu lado,
para jamais ficar sozinho
E quando meu osso tocasse o teu,
ficaria enfim feliz
e contente com o destino,
para lamentar somente os dias que não te vi
Queria morrer em janeiro,
sem vista do carnaval
ou da chuva
em fevereiro
Queria ser cantor e tocar minha guitarra como ninguém
Queria ser baiano e recitar Caymmi para as crianças de Santarém
Queria morrer pelos livros,
ter um filho chamado José
e uma filha chamada Sofia
Queria voltar praquele dia
Queria ter te beijado mais
e não ter errado o passo
naquela valsa
em Viena
Queria ter solução para todos os problemas
Mas não tenho nem dos meus…
Queria rir tanto
Tanto
Rir tanto,
que começasse a chorar
Inesperadamente
Queria um lugar na primeira fileira do teatro
— Não!
Queria estrear no teatro
uma peça com teu nome…
e dizer o que sinto por ti
Queria ser lembrado por ter cantado alto e verdadeiro,
de forma que nos outeiros
até os papagaios chorassem por mim
Queria fugir para bem longe
E se me ligassem,
não ia atender.
*
Todos os poemas do mundo
Todos os poemas já foram escritos
E todas as mulheres também já foram amadas
Muitos lugares visitados
As casas tão habitadas
Praias da infância tão vastas
Afundaram
Todas as músicas já foram cantadas
E o futuro se desvenda ainda mais
Nos jornais a guerra ganhou uma atmosfera
de desfecho de jogo de futebol,
cheirando a sal e paiol,
banhado de cinza e de bruma,
vermelho, vazio, e escuma,
vinho tinto inundando meu sangue
Nos beijos os dentes se rangem,
se chocam, conflitam, se comem
Todas as bocas calaram
Todos os copos secaram
Todos os nós se rasgaram
Todos os sorrisos somem
Há vinte séculos está perdido um pedido de perdão
Daqui a mais vinte começamos tudo de novo,
com mais energia, mais vigor, mais sorte,
mais amor, mais ternura, muito mais disposição
Todos os poemas já foram escritos
Todas as mulheres já foram amadas
Mas este é meu poema
Mas este é meu amor
Aqui e agora e escrevendo e amando
São meus e ninguém me tira
Ninguém me tira jamais.
*
Ferrovia rio grande
Escrevo-te embriagado por sobre os trilhos
E essa é minha maior sinceridade
Durante uma noite inteira,
faço e refaço esta carta
com letras acanhadas
Você tão longe
Mas somente num instante
percorremos juntos esse susto
Que tragédia seria morrer agora,
logo quando a culpa perde a força,
quando o medo e o desejo somem,
restando só essa mistura indistinta
de curiosidade
Só te escrevo no fim do mundo
Por isso brigamos de novo
Por isso gosto tanto do teu jeito
E por isso nos consolamos
Que emoção
Cada vez mais perto
Mais perto
Mais perto
Mais perto
De repente para
Um silêncio consome as sombras
Um rápido clarão
Claro. Mais claro do que a aurora
inunda a noite inteira
E a linha do trem corta o meu coração…
*
CORPOS OU TUA CABEÇA SOBRE O MEU PEITO DIZIA MUITAS COISAS DAS QUAIS NÃO POSSO FALAR. TENHO SAUDADE, NÃO DEMORE TANTO, VOLTE ASSIM QUE PUDER. RESPONDA AQUELA MENSAGEM. SEPARE UM DIA PARA MIM. É UM SENTIMENTO HONESTO. TE ESCREVO HONESTAMENTE. SEI QUE VOCÊ NÃO LERÁ. MAS PENSE EM MIM. PENSE EM MIM COMO TENHO PENSADO EM TI.
Estou muito cansado
Quero alguém para descansar.
*
Júlio César é poeta, redator, repórter, produtor cultural e estudante de Jornalismo da UFMA. Em 2022, publicou seu livro de estreia Quando as Baleias Choravam, pela editora Folheando, de Belém do Pará. No mesmo período, foi vencedor do Prêmio Volts, na categoria Literatura. Sua obra mais recente – Grandes Tragédias (2023) – foi publicada pela editora Folheando e reúne esperança, saudade e luto. (@juliojulio.bc).
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