Sacada Literária

Cultura, crítica e divulgação

Julio César, poeta. Foto: divulgação

GRANDES FELICIDADES – 4 poemas de JÚLIO CÉSAR

 

Grandes felicidades

 

Júlio César. Divulgação

 

Queria ser enterrado debaixo de uma mangueira

Totalmente em silêncio,

para que ninguém me pudesse ouvir

 

E choraria de noite, para não assustar os vizinhos

 

Queria morrer ao teu lado,

para jamais ficar sozinho

E quando meu osso tocasse o teu,

ficaria enfim feliz

e contente com o destino,

para lamentar somente os dias que não te vi

 

Queria morrer em janeiro,

sem vista do carnaval

ou da chuva

em fevereiro

 

 Queria ser cantor e tocar minha guitarra como ninguém

 Queria ser baiano e recitar Caymmi para as crianças de Santarém

 

Queria morrer pelos livros,

ter um filho chamado José

e uma filha chamada Sofia

Queria voltar praquele dia

 

Queria ter te beijado mais

e não ter errado o passo

naquela valsa

em Viena

 

Queria ter solução para todos os problemas

Mas não tenho nem dos meus…

 

Queria rir tanto

Tanto

Rir tanto,

que começasse a chorar

Inesperadamente

 

Queria um lugar na primeira fileira do teatro

— Não!

Queria estrear no teatro

uma peça com teu nome…

 

e dizer o que sinto por ti

 

Queria ser lembrado por ter cantado alto e verdadeiro,

de forma que nos outeiros

até os papagaios chorassem por mim

 

Queria fugir para bem longe

 

E se me ligassem,

não ia atender.

 

*

 

Todos os poemas do mundo

 

Todos os poemas já foram escritos

E todas as mulheres também já foram amadas

Muitos lugares visitados

As casas tão habitadas

Praias da infância tão vastas

Afundaram

 

Todas as músicas já foram cantadas

E o futuro se desvenda ainda mais

Nos jornais a guerra ganhou uma atmosfera

de desfecho de jogo de futebol,

cheirando a sal e paiol,

banhado de cinza e de bruma,

vermelho, vazio, e escuma,

vinho tinto inundando meu sangue

Nos beijos os dentes se rangem,

se chocam, conflitam, se comem

Todas as bocas calaram

 

Todos os copos secaram

Todos os nós se rasgaram

Todos os sorrisos somem

Há vinte séculos está perdido um pedido de perdão

Daqui a mais vinte começamos tudo de novo,

com mais energia, mais vigor, mais sorte,

mais amor, mais ternura, muito mais disposição

 

Todos os poemas já foram escritos

Todas as mulheres já foram amadas

Mas este é meu poema

Mas este é meu amor

Aqui e agora e escrevendo e amando

São meus e ninguém me tira

Ninguém me tira jamais.

 

 

Júlio César recebendo o Prêmio Volts – Literatura

 

*

 

Ferrovia rio grande

 

Escrevo-te embriagado por sobre os trilhos

E essa é minha maior sinceridade

Durante uma noite inteira,

faço e refaço esta carta

com letras acanhadas

 

Você tão longe

Mas somente num instante

percorremos juntos esse susto

Que tragédia seria morrer agora,

logo quando a culpa perde a força,

quando o medo e o desejo somem,

restando só essa mistura indistinta

de curiosidade

 

Só te escrevo no fim do mundo

Por isso brigamos de novo

Por isso gosto tanto do teu jeito

E por isso nos consolamos

 

Que emoção

Cada vez mais perto

Mais perto

Mais perto

Mais perto

De repente para

Um silêncio consome as sombras

Um rápido clarão

Claro. Mais claro do que a aurora

inunda a noite inteira

 

E a linha do trem corta o meu coração…

 

 

*

 

CORPOS OU TUA CABEÇA SOBRE O MEU PEITO DIZIA MUITAS COISAS DAS QUAIS NÃO POSSO FALAR. TENHO SAUDADE, NÃO DEMORE TANTO, VOLTE ASSIM QUE PUDER. RESPONDA AQUELA MENSAGEM. SEPARE UM DIA PARA MIM. É UM SENTIMENTO HONESTO. TE ESCREVO HONESTAMENTE. SEI QUE VOCÊ NÃO LERÁ. MAS PENSE EM MIM. PENSE EM MIM COMO TENHO PENSADO EM TI.

 Estou muito cansado

 Quero alguém para descansar.

 

 

*

 

 

Divulgação

 

Júlio César é poeta, redator, repórter, produtor cultural e estudante de Jornalismo da UFMA. Em 2022, publicou seu livro de estreia Quando as Baleias Choravam, pela editora Folheando, de Belém do Pará. No mesmo período, foi vencedor do Prêmio Volts, na categoria Literatura. Sua obra mais recente – Grandes Tragédias (2023) – foi publicada pela editora Folheando e reúne esperança, saudade e luto. (@juliojulio.bc).