PAULO RODRIGUES ENTREVISTA
O POETA ROGÉRIO ROCHA
Nascido em São Luís/MA, Rogério Rocha é professor, poeta e produtor cultural, pós-graduado em Direito Constitucional (Universidade Anhanguera-Uniderp), pós-graduado em Ética pelo IESMA, graduado em Filosofia (UFMA), bacharel em Direito (UFMA) e mestre em Criminologia pela Universidade Fernando Pessoa (Porto/Portugal). É membro da Academia Poética Brasileira, da Academia de Letras, Artes e Ciências do GOB-MA e da Academia Maçônica de Letras do Maranhão. Exerceu a advocacia, foi assessor jurídico e é servidor público do Poder Judiciário do Estado do Maranhão.
É fundador e coordenador dos projetos INICIATIVA EIDOS e DUO LITERA, que trabalham com eventos nas áreas de filosofia e literatura.
É autor dos livros de poemas Pedra dos Olhos (2020), A linguagem da ausência (2024) e Frágeis artefatos (2025). Foi o segundo colocado no Concurso Gonçalves Dias, na categoria Poesia, no ano de 2019, e selecionado na categoria Crônica, na mesma premiação, em sua edição do ano de 2020.
Produz vídeos para o canal Hipertexto, no YouTube, onde apresenta conteúdos sobre cultura em geral.
1. Paulo Rodrigues – Rogério Rocha, alguns poetas transitam bem entre a poesia e a filosofia. Antonio Cicero, Alberto Pucheu, Marco Lucchesi são bons exemplos. Como você faz esse percurso?
Rogério Rocha – A poesia e a filosofia compartilham a mesma inquietação: o assombro diante da existência. O poeta, contudo, diferentemente do filósofo, não precisa concatenar conceitos, estabelecer hipóteses estruturadas em premissas ou argumentos válidos; ele tem liberdade para subverter a lógica, reconfigurar a linguagem, dispensar as convenções e entrelaçar razão e sensibilidade num pensamento em constante ebulição. O meu percurso transita entre essas duas forças: em minha poesia existe uma reflexão que não se cristaliza em certezas, mas se estabelece enquanto proposições diluídas no fluxo dos versos. Enquanto a filosofia pergunta sobre o ser dos entes, a poesia responde com a abertura do olhar ao que não está na superfície das coisas ou dos acontecimentos. Gosto de provocar a sensibilidade do leitor, mas sem entregar um pensamento concluído. Desse modo, se há filosofia em meus poemas, ela chega sempre camuflada, como um relâmpago, um brilho, uma luz que integra o cenário por detrás dos objetos, sem pretender situar nada no tempo, mas sim na memória das impressões.
2. Paulo Rodrigues – O Antonio Cicero falou certa vez: “Um poema pode conter algo de filosofia, mas apenas como um dos seus ingredientes: não é a filosofia que ele contém que lhe dá o seu valor”. Poeta, como você analisa esse tema?
Rogério Rocha – Antonio Cicero tinha razão: um poema não sobrevive de conceitos. Ele não pode, nem precisa, ser uma tese. O que dá valor a ele não é a reflexão que venha a conter, mas a forma como uma ideia ou um objeto expressivo se torna parte no ritmo, na imagem, na metáfora, na cadência e no som presente em cada verso. Ou seja, o modo pelo qual se consegue imprimir sentido ao movimento estético que busca empenho na linguagem. Um poema deve ser sentido, antes de compreendido. A filosofia empresta, portanto, um certo fulgor à poesia, mas se faltar o ímpeto, a respiração própria da linguagem poética, não há poema, mas apenas um arremedo de reflexão a tropeçar em versos quebrados. Eu procuro esse equilíbrio: minha poesia pensa, mas também pulsa; ela reflete, mas, sobretudo, provoca a tontura diante dos abismos que existem dentro e fora de nós.
3. Paulo Rodrigues – Você produz uma poesia reflexiva, precisa, que dialoga bem com o saber humano. O poeta ajuda o filósofo?
Rogério Rocha – O poeta mostra ao filósofo que a razão nem sempre dá conta dos nossos silêncios, das nossas lacunas, das nossas faltas, bem como não alcança a fonte dos nossos excessos, de nossas paixões ou das explosões de contentamento. Afinal, a angústia não existe para ser encaixada em categorias e os sentimentos costumam subverter a lógica. A poesia alarga as fronteiras do pensamento por outras vias porque não precisa provar nada, apenas expressar percepções no âmbito daquilo que, para a linguagem, seria quase ‘indizível’. Enquanto o filósofo questiona a existência, o poeta a atravessa com o verso. Ambos buscam algo – talvez a verdade –, mas o poeta aceita o mistério como um destino. Se o filósofo pretende entender o labirinto para buscar a saída, o poeta, por sua vez, prefere perder-se nele.
4. Paulo Rodrigues – Como você analisa a literatura maranhense contemporânea? Há autores e obras relevantes?
Rogério Rocha – A literatura maranhense vive um momento de inegável efervescência, com muitas produções, coisas acontecendo e um intenso movimento de pessoas em torno de projetos, eventos e da publicação de obras, mas ainda carece de maior visibilidade. Há autores fazendo trabalhos com muita qualidade, explorando linguagens, estilos e certos caminhos dentro dos limites dos seus textos. O Maranhão sempre teve uma literatura de força poética, mas também existe uma vocação para o ensaio, para a escrita reflexiva, acadêmica, para a tradução, para a ficção ou não ficção. João Batista do Lago, Ronaldo Costa Fernandes, Jeanderson Mafra, Salgado Maranhão, Pedro Neto, Raimundo Fontenele, José Ewerton Neto, Luís Augusto Cassas, Antonio Ailton, Neurivan Sousa e você, são exemplos de escritores que exploram as questões do nosso tempo, dentro do campo ficcional, da prosa e da poesia, sem perder a marca da pessoalidade. A literatura maranhense, portanto, pulsa e permanece viva, revelando novos rostos e consolidando os já consagrados, mas, ainda assim, penso que precisa ocupar mais espaços, romper barreiras e ir mais longe.
5. Paulo Rodrigues – Qual é o lugar da poesia na vida do poeta Rogério Rocha?
Rogério Rocha – A poesia é o espaço que me constitui. É a condição originária da possibilidade de sentido para a minha existência. É um dos meus suportes para a compreensão do mundo. Ela funciona como uma espécie de antídoto contra a banalidade da vida comum. Na vivência de um mundo apressado, complexo e fragmentado, as lentes do olhar poético são uma forma de capturar o invisível. Nesse sentido, eu não busco a poesia; ela acontece no mundo, me envolve e atinge a minha sensibilidade. É um modo de estar no mundo, percebendo e sentindo aquilo que as pessoas, em geral, ignoram.
6. Paulo Rodrigues – Fale um pouco sobre o livro A Linguagem da Ausência.
Rogério Rocha – A Linguagem da Ausência é um livro que dialoga com o silêncio e com as lacunas da existência. É meu segundo trabalho e avança na consolidação da minha proposta de uma poética da imperfeição. Ele claramente transiciona dos resquícios das temáticas e modos de expressão do primeiro livro a uma tentativa de estabelecimento de um outro olhar, de um outro dizer. Há grandes momentos nele, é verdade. Mas há erros também, por certo, e algumas escolhas equivocadas, mas acredito que ele é dotado de uma dignidade bastante evidenciada, que o protege das críticas menos abonadoras. Enfim, ele consagra um instante de busca e amadurecimento enquanto escritor. O livro nasceu da observação de que aquilo que não está presente pode ser mais eloquente do que o que se estabelece. Ele está fundamentado na ausência: ausência de sentido, ausência de certezas, ausência de respostas. Há um lirismo contido nas faltas, um emaranhado de emoções e visões, muitos temas e uma certa polifonia. Ali a palavra precisa se encontrar, e, às vezes, o que não é dito tem mais impacto do que o que se diz.
7. Paulo Rodrigues – O livro Pedra dos Olhos é muito instigante. Como você o analisa, olhando para sua trajetória na literatura?
Rogério Rocha – Pedra dos Olhos foi um marco em minha escrita porque representou um pouco da visão de mundo da minha juventude. Foi como que o despertar de um sonho, o abrir de olhos de um jovem questionador que finalmente criava coragem para enfrentar o mundo. Ele nasce da tensão entre o passado e o futuro, entre o medo e a coragem. É o início do trajeto de um autor em construção. O livro esboça as primeiras linhas de uma poética imperfeita, orgânica, sem muito retrabalho, sem muita lapidação. É um livro que dialoga com o inconsciente, com conteúdos perdidos em algum lugar da memória, com a matéria bruta da existência, com o peso das palavras e a fragilidade do olhar. Por isso mesmo, tudo o que está ali precisava vir à tona de um jeito ou de outro. Sem planejamento rígido, sem estruturação, sem qualquer pretensão de uma grande arquitetura da linguagem. A obra surgiu, portanto, de forma assistemática, desproposital, muito mais pautada na intuição e no desejo de que ela acontecesse do que na consciência de qual seria o resultado. Pedra dos Olhos representa, portanto, o momento em que a poesia se tornou realidade, ainda que de forma espontânea e pouco rigorosa.
8. Paulo Rodrigues – Poeta, no poema É PRECISO VIVER MAIS, você afirma nos versos: “É preciso viver mais/ reescrever a filosofia/ dos epitáfios/ das folhas velhas”. É isso mesmo?
Rogério Rocha – Sim, é isso e mais um pouco. É preciso reescrever a história da existência antes que ela se petrifique em lápides. Antes que ela derroque, que ela sucumba. A vida não pode ser só o rascunho de um passeio para a morte, nem os epitáfios devem ser escritos somente minutos antes do último suspiro. Reescrever a filosofia dos epitáfios é desafiar o destino, revogar as sentenças definitivas que tentam nos encerrar em sentidos únicos, em um único caminho, num só modelo. A vida é movimento e a poesia precisa acompanhar esse fluxo.
9. Paulo Rodrigues – Deixe uma mensagem para os nossos leitores.
Rogério Rocha – Consumam literatura, leiam poesia e filosofia! Mas não leiam só com os olhos e a mente, leiam com o corpo, com os sentidos. Permitam que os textos saiam de vocês, contagiem outras pessoas, deixem marcas e reverberem por aí. O mundo nos empurra para a velocidade, para a leitura superficial, rasa, inexpressiva, irrefletida. Resistam a isso! A literatura é um espaço de permanência, um acontecimento, um ato de presença integral do corpo e do espírito. Num tempo em que tudo é descartável, deixemos que a palavra nos habite.

POEMAS
[de Rogério Rocha]
ENIGMA
Nasci como um enigma
repleto de advinhas
qual herói sem treinos
vigilante de labirintos
Arauto do final do juízo
ouço as vozes múltiplas
do monstro que dorme
debaixo dos viadutos
Não trago ressentimentos
mas a força reformulada
em vários modos de ser
e um fardo de cansados
ideais que buscam destruir
meus infernos provisórios
AQUELA GENTE QUE ERA CAOS
Aquela gente toda
que já era caos
sequer percebeu
a desgraça
Aquela gente tola
que era caos
sequer percebeu
a chegada
Cavalo doido
sobre as nuvens
em disparada
Cavalo cego
sem cavaleiro
em desespero
Só aquela gente
não entendia
Não percebia
que era janeiro
passando veloz
sobre as dobras
do tempo
E o vento, vento
enfermo
destruiu a coragem
plantou pesadelos
só deixou o medo
no eixo das horas
AINDA ESTOU AQUI
ainda estou aqui
entre flores do jardim
nos bilhetes esquecidos
dentro dos livros
nos titulos honoríficos
nas mensagens de áudio
nos retratos três por quatro
na memória dos vivos.
ainda estou aqui
com meus pertences
e a velha mobília
as roupas coloridas
a decoração do quarto
nos quadros na parede
estou em toda parte
o tempo inteiro
UM DRINK NO INFERNO
Salma Hayek sobre a mesa
sobe no balcão envernizado
e dança caliente sem pudor
extirpando qualquer medo
a pressão sobe
tudo sobe
a tensão explode
sob a luz
na pele de formas
quase desnudas
enquanto o corpo dela
faz baderna com o desejo
ninguém pensa em mais
nada
nem a serpente enroscada
em seu lindo dorso e seio
só os olhos sentem arder
como beijo em chamas
a caldeira fadigada
do que chamam coração
SORRATEIRO
trago do teu quarto
o prazer de saber
entrar e sair
sem fazer
barulho
NA ÚLTIMA CENA
Dedico a você o meu
silêncio
essa canção pequena
desconexa
Dedico a ilusão da vida
perfeita
o roteiro sentimental
de um filme
com final inesperado
Fui salvo na última
cena
antes de abandonar
o palco
SEGREDOS.COM
No celular
15 notificações
logo pela manhã
No meio delas
um e-mail sem título
contendo mensagem
criptografada
Curioso
baixou um App
que pudesse ajudá-lo
Após decodificada
leu a mensagem
que informava
sobre a traição
da namorada
Decepcionado
jurou nunca mais
ler textos de autoria
desconhecida
*
Rogério Rocha é um poeta potente. Conhece as trilhas da poesia de qualidade!
Gratidão, Paulo.
VIRIATO GASPAR disse: “Excelente a entrevista do poeta Rogério Rocha ao poeta Paulo Rodrigues. Um texto para se voltar muitas vezes e anotar e meditar sobre seus insihgts e fulgurações. A lucidez e o pensamento perspicaz e afiado do poeta RR são um deleite para a alma, um acalento para nosso coração tão espremido pela mediocridade rastejante e pegajosa destes tempos terríveis. Há reflexões absolutamente lapidares. Sem trocadilho com os epitáfios dos que ambulam carregando os próprios esquifes putrefatos. Tenho muito apreço pela figura humana e poética de Rogério Rocha. Senti falta apenas de referência en passant ao nome de Antero de Quental, um dos grandes poetas de nossa língua, que uniu a lucidez do pensamento à construção poética. Abraço grande e fraterno ao editor Ailton, ao entrevistador Paulo Rodrigues, e ao brilhante entrevistado, Rogério Rocha, de quem tenho a alegria e a satisfação pessoal de ser amigo e admirador.
Viriato Gaspar”
Grato pelas palavras tão belas, meu querido amigo.