Sacada Literária

Cultura, crítica e divulgação

Os limites da linguagem: para além das fronteiras do significado

Rogerio  Rocha

A linguagem é um dos elementos constitutivos da condição humana. Sem ela, o próprio mundo talvez perdesse sentido, dentro do amplo plano de correlações entre seres e entes, objetos e suas funções.
É quase impensável acreditar na possibilidade de existirmos conscientemente sem o uso de uma via privilegiada de acesso ao mundo. Esse instrumento potencializador das nossas ideias, é o que nos ajuda a dizer e entender a nós mesmos e ao circunstante, seja por meio da expressão escrita ou oral, visual ou corporal.

Tendo em conta sua complexidade, a linguagem tem sido objeto de reflexão em diversas áreas do conhecimento, tais como a linguística, a filosofia da mente e a neurociência, apenas para citar algumas.
Por meio delas podemos compreender um pouco mais sobre cada aspecto que envolve a formação, o desenvolvimento e os usos funcionais dos signos e códigos historicamente usados pela humanidade para comunicar-se.

A linguística, por meio de abordagens semântico-pragmáticas, tem se dedicado ao estudo do significado de cada coisa (ou ente) em sua relação com a linguagem.
Na filosofia da mente, a questão dos limites da linguagem é abordada através de estudos sobre a consciência, a experiência qualitativa e a percepção.

Nessa seara constatou-se, por exemplo, que existem fenômenos altamente subjetivos, como a forma pela qual percebemos determinada cor, ou mesmo como é vivenciada uma sensação dolorosa. Estes não podem ser descritos a contento, sequer compreendidos, tão somente pela linguagem.

Isso ocorre porque tais experiências internas não são diretamente acessíveis pelas palavras, faltando a elas, portanto, a capacidade de dar sentido a algo em regra inominável. Além disso, as modalidades de expressão através de signos convencionais costumam representar com maior acerto o mundo externo.

A neurociência, por sua vez, tem investigado os processos cerebrais relacionados à linguagem e à cognição.
Estudos utilizando a ressonância magnética funcional revelam que a atividade neural vinculada a certos estados da mente pode ocorrer mesmo na ausência da linguagem verbalizada, isto é, da linguagem oral.

Pesquisas indicam que as emoções são processadas em áreas do cérebro não exclusivamente ligadas à linguagem, sugerindo, com isso, que existem aspectos da experiência humana que transcendem os limites simbólicos.

Tais constatações indicam que nem tudo aquilo que pensamos pode ser circunscrito ao campo linguístico, ou seja, pode receber um significado com base num termo específico.

Especialistas reconhecem ainda que há fenômenos mentais e certas experiências subjetivas que fogem completamente à nossa faculdade de apreensão consciente.

O renomado linguista Noam Chomsky, por exemplo, destaca que mesmo sendo uma ferramenta poderosa, a linguagem não é capaz de capturar plenamente a complexidade dos pensamentos e emoções humanas.
Bem assim, é importante destacar que o campo linguístico acaba sendo limitado pelos próprios sistemas simbólicos e de significados convencionais que atribuímos às palavras. Ele não consegue, pois, descrever plenamente a complexidade dos estados internos de cada indivíduo.

No entanto, é através do sistema de signos e códigos que compartilhamos ideias, expressamos experiências, transmitimos informações, construímos narrativas e, o mais importante, desenvolvemos estruturas de pensamento.
Nesses termos, o estudo dos limites da linguagem é fundamental para evitar reducionismos e reconhecer a riqueza complexa da mente humana.

Ainda assim, ao explorarmos outras formas de expressão, como a arte, a música e a dança, por exemplo, percebemos como elas, curiosamente, nos auxiliam a acessar e transmitir aspectos da nossa experiência que por vezes escapam ao campo da linguagem escrita e verbal.

Em última análise, ao reconhecermos toda a sua força, mas também suas limitações, abrimos espaço para uma compreensão mais profunda da natureza humana.

Ao explorarmos os territórios além das fronteiras dos significados linguísticos, somos convidados a apreciar a diversidade e a complexidade dos múltiplos modos de ser. E a linguagem, portanto, é apenas uma das muitas janelas que podemos abrir para explorar as maravilhas do pensamento.

 

Rogerio Rocha é professor, escritor e pesquisador com formação nas áreas do Direito e da Filosofia.
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