Sacada Literária

Cultura, crítica e divulgação

PALOMITAS – cine cult [indicações de hoje]

por Bioque Mesito

 

 

 

O PARAÍSO DEVE SER AQUI

Título original: It Must Be Heaven

Direção: Elia Suleiman

Gênero: Comédia/Drama

País/Ano: Alemanha/Canadá/França/Palestina/Catar/Turquia, 2019

 

Sátira sem fronteiras

 

O filme O paraíso deve ser aqui, dirigido e estrelado por Elia Suleiman, oferece uma abordagem única e descontraída sobre as dificuldades sociais na Palestina e a percepção de superioridade dos países ricos em relação ao mundo árabe. O enredo segue Suleiman, interpretando a si mesmo, em uma busca por financiamento para seu filme sobre a paz no Oriente Médio, mas com uma reviravolta cômica. A película é repleta de momentos tragicômicos, como a interação na sala de espera da produtora norte-americana, que estabelece o tom irônico do filme.

O humor peculiar do cineasta é construído principalmente através de gags visuais e da construção da imagem, sem depender excessivamente de diálogos. Suleiman incorpora uma herança de humor visual de grandes nomes como Buster Keaton e Jacques Tati, enquanto dialoga com contemporâneos como Roy Andersson e Aki Kaurismaki. A narrativa, seguindo a jornada do protagonista da Palestina para Paris e Nova York, revela uma crítica à sociedade ocidental, destacando seus próprios problemas sociais graves.

A inteligência do humor está na tradução do discurso político para a linguagem cinematográfica, utilizando enquadramentos simétricos, som e um formato de tela peculiar para criar estranhamento. A caricatura voluntária das sociedades norte-americana e francesa, com cenas surreais de tanques em Paris e famílias armadas em supermercados, expõe uma crítica à sociedade doentia e desumanizada.

Os atores, em especial Elia Suleiman, entregam performances notáveis, conduzindo a trama com uma mistura única de leveza e profundidade. O filme foi reconhecido com diversos prêmios, destacando-se por sua abordagem única e pela corajosa representação de questões políticas e sociais complexas. O filme se evidencia pela escolha de representar ideias através de metáforas, confiando na inteligência do espectador e evitando didatismo.

As sutilezas do filme incluem a abordagem descontraída para temas sérios, a inteligência visual na construção do humor e a capacidade de transmitir uma crítica profunda à sociedade ocidental. Suleiman encerra o filme com imagens impactantes que misturam o orgulho palestino e o desejo de mudança, oferecendo uma visão esperançosa para o futuro de seu povo. O paraíso deve ser aqui proporciona momentos de riso, mas também convida a uma reflexão profunda sobre as questões políticas e sociais que permeiam nossa realidade.

 

 

 

 

 

 

DOGVILLE

Título original: Dogville

Direção: Lars Von Trier

Gênero: Drama policial

País/Ano:Alemanha/Dinamarca/Finlândia/França/Itália/Noruega/Holanda/Grã-Bretanha/Irlanda do Norte/Suécia, 2003

 

Um tour pela complexidade humana

 

O filme que te faz questionar se está assistindo a uma obra de arte ou a uma aula de sociologia entrelaçada. Com três horas de duração, poderia ser um desafio, mas Lars Von Trier transforma cada minuto em uma exploração profunda da natureza humana em uma cidade que se resume a riscos no chão. A trama, ambientada nos anos 1930, segue Grace, interpretada brilhantemente por Nicole Kidman, fugindo de gângsteres e encontrando refúgio em Dogville, uma cidade fictícia com 15 habitantes.

O que parece ser uma oferta generosa de abrigo logo se revela como um estudo sobre a maldade humana quando o poder é colocado em jogo. Von Trier nos leva a um turbilhão de situações, desde favores simples até atrocidades, mostrando até que ponto o ser humano pode ir quando tem controle sobre o outro.

A expertise de Dogville está na simplicidade. Apesar da cidade existir apenas na imaginação dos espectadores, a qualidade técnica é impecável. A fotografia, mesmo retratando uma cidade inexistente, transmite acolhimento e medo de forma simultânea, enquanto a mixagem de som, sem portas ou janelas, cria uma imersão incrível. As atuações são destacáveis, com Nicole Kidman brilhando no papel de Grace.

A beleza do filme está nos detalhes sublimes. A cidade fictícia representa qualquer lugar, tornando a narrativa universal. A narração em terceira pessoa e o clima teatral adicionam camadas à experiência, transformando Dogville em mais do que um filme, em uma reflexão sobre a essência do ser humano.

Não se pode esquecer o cerne do filme, enfatizado na cena final, que sugere que a maldade intrínseca ao ser humano é inerente. Até o fato de Grace não matar um cachorro serve como uma poderosa mensagem sobre a natureza humana em comparação com a inocência animal. Este filme não é apenas uma obra cinematográfica, é uma aula sobre o ser humano, suas complexidades e suas sombras. Uma experiência que, apesar de suas três horas, mantém o ritmo, oferece insights e deixa o espectador reflexivo sobre a complexa sala de estar da condição humana.

 

 

 

 

 

 

ANATOMIA DE UMA QUEDA

Título original: Anatomie d’une Chute

Direção: Justine Triet

Gênero: Drama/Mistério/Thriller

País/Ano: França, 2023

 

O labirinto da culpa

 

A Palma de Ouro de 2023 encontrou seu merecido lar nas mãos da diretora francesa Justine Triet com Anatomia de uma Queda. Este filme, que agarra o espectador desde o início e não o solta até os créditos finais, é uma jornada seca, discursiva e incrivelmente plausível pela mente de uma mulher julgada pelo assassinato de seu marido.

No epicentro da narrativa está a escritora alemã Sandra, interpretada com maestria por Sandra Hüller. Quando seu marido, Samuel, é encontrado morto, a vida de Sandra desmorona. O filme não se contenta em ser apenas uma investigação das circunstâncias da morte; ele mergulha nas águas profundas e turbulentas do relacionamento conturbado do casal. As cenas e diálogos nas entrevistas e no tribunal são marcantes, oferecendo um ângulo sedutor à trama.

A habilidade de Triet em construir uma atmosfera tensa e psicologicamente intrigante é evidente em cada quadro. A película desafia o público a questionar constantemente as motivações e emoções dos personagens, criando uma experiência imersiva que transcende o simples thriller. O filme não se limita ao julgamento da personagem principal; ele se aprofunda nas nuances da culpa, explorando as camadas complexas da condição humana.

O desfecho, tão habilmente construído, deixa o espectador com um gostinho de querer mais, uma mistura de curiosidade e satisfação que apenas uma narrativa envolvente pode proporcionar. Sandra Hüller entrega uma atuação cativante, navegando pelas complexidades emocionais de sua personagem com maestria.

Anatomia de uma Queda é concorrente, em 2024, ao Oscar de melhor filme. É mais do que um simples suspense judicial. É um olhar profundo sobre a psique humana, um quebra-cabeça intrigante de emoções e decisões que nos mantém grudados à tela. É um testemunho da maestria cinematográfica de Triet e do talento brilhante de sua protagonista. Uma experiência que deixa uma marca duradoura, reforçando a magia do cinema quando nas mãos certas.

 

 

 

 

 

 

TODAS AS MANHÃS DO MUNDO

Título original: Tous les Matins du Monde

Direção: Alain Corneau

Gênero: Drama/Biografia/Música

País/Ano: França, 1991

 

A melodia sublime da alma

 

Se a música é o alimento do amor, Todas as manhãs do mundo nos oferece um banquete extraordinário. Este filme do século XVII, dirigido por Alain Corneau, é uma obra de arte que tece a história emocionante de Monsieur de Sainte Colombe, um músico devastado pela morte da esposa que encontra redenção através da música e do relacionamento com suas filhas.

A trama ganha vida quando um jovem, em busca de conhecimento na arte da viola da gamba, invade o isolamento de Sainte Colombe. O mestre relutante começa a ensinar, e assim se inicia uma jornada musical que vai além das partituras, criando uma bela melodia de conexão humana. O romance que se desenvolve entre o jovem músico e a filha de Sainte Colombe adiciona uma nota de ternura à narrativa.

Os atores principais, Gérard Depardieu como Sainte Colombe e Guillaume Depardieu como o jovem músico, entregam performances impressionantes, tornando a relação entre mestre e aprendiz tangível e comovente. A química entre os dois atores pai e filho traz uma autenticidade única à tela.

O filme recebeu vários prêmios, incluindo o César Award de Melhor Filme em 1992, destacando seu impacto e reconhecimento no cenário cinematográfico. A trilha sonora, repleta de peças de música clássica que ecoam pelos corredores do tempo, é um destaque sutil, envolvendo o espectador em uma experiência sensorial única.

A cinematografia habilmente captura a atmosfera da França do século XVII, enquanto os figurinos e cenários transportam o público para a época. A direção sensível de Corneau permite que a narrativa musical floresça, transformando o filme em uma ode à beleza da música clássica e às complexidades das relações humanas.

 

 

 

 

 

 

PELLE, O CONQUISTADOR

Título original: Pelle Erobreren

Direção: Bille August

Gênero: Drama

País/Ano: Dinamarca/Suécia, 1987

 

Uma jornada pungente

 

Em Pelle, o Conquistador, somos levados a uma jornada épica no século XIX, onde Lasse (interpretado por Max von Sydow) e seu filho, Pelle (Pelle Hvenegaard), deixam a Suécia em busca de uma vida promissora na ilha de Bornholm, Dinamarca. O filme, dirigido por Bille August, desenrola-se como um conto de luta, sonhos e agridoce conquista.

Ao chegarem à Dinamarca, pai e filho encontram trabalho em uma grande fazenda, mas rapidamente percebem que o sonho de uma vida melhor se torna um desafio brutal. Tratados quase como escravos, eles enfrentam humilhações constantes. Pelle, mesmo aprendendo a língua dinamarquesa, ainda é visto como um estrangeiro, um tema que ressoa com a realidade de muitos migrantes. A narrativa destaca o impasse emocional entre perseguir o sonho de uma vida melhor e sujeitar-se a condições de trabalho desumanas.

Max von Sydow, um ícone do cinema, entrega uma atuação poderosa como Lasse, carregando nos ombros o peso da esperança e da desilusão. Pelle Hvenegaard, como o jovem protagonista, oferece uma interpretação tocante, transmitindo a luta e a resiliência do seu personagem.

O filme recebeu inúmeros prêmios, incluindo a Palma de Ouro em Cannes e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1989, reconhecendo sua habilidade única em capturar a essência da condição humana em sua busca incessante por uma vida melhor. A cinematografia sutilmente enfatiza a beleza contrastante da paisagem dinamarquesa e a dureza da vida no campo.

Pelle, o Conquistador é um retrato comovente da resiliência humana diante das adversidades. O filme transcende as barreiras do tempo e da cultura, ecoando a universalidade da luta pela esperança e dignidade. Uma experiência cinematográfica que nos faz refletir sobre os sacrifícios necessários para conquistar nossos próprios destinos e as complexidades inerentes à busca por uma vida melhor.

 

 

        Foto: Divulgação

                       

 

 

Bioque Mesito