CLARISSA MACEDO, 5 poemas
nota à leitora, ao leitor, e todxs xs leitorxs:
este é um livro de fronteira, um livro que se encontra na terceira borda do tempo e do espaço, um livro à margem, no entre-lugar do coração. logo é um livro de esquerda, porque marginal. sem ismos, na encosta das pontes, nas pedras que viram chão e pelas quais se faz a travessia. este é um livro sem raiz, cravado na nação e no corpo, nas dobras e nos filetes, nos sinos da história. é este um livro, um livro que viaja o mundo e que se encontra no país, no país que não o lerá e que o perderá ao vento, sem jamais tê-lo encontrado.
(Clarissa Macedo, apresentação do livro O nome do mapa e outros mitos de um tempo chamado aflição / Ed. Ofícios Terrestres, 2019)
Arrebatamento
Há um apelo em mim
que se desdobra e amanhece
uma nuance que fere
alguns desvios do medo –
uma chaga,
uma fita rosa daquele cabelo.
Há em mim um anjo
e há também um pássaro,
um quer me levar ao céu
o outro me perder no espaço.
Alguns dizem que sou daqui,
daquela casa da esquina;
eu digo que morri… quando
descobria cada desejo secreto.
O mundo é uma hora
mal desenhada e em tudo
esconde-se o infinito.
À noite, lembro da morte
de dia quero o consolo
do arrependimento.
Por ora, só me resta ser arrebatada
na utopia do meu próprio tempo.
(na pata do cavalo há sete abismos. Penalux, 2017)
Noturno n. 4
À noite,
No descanso das injustiças e das fraquezas,
Eles decretam no palácio a tua própria fome.
Quando amanhece, o sol não nos fala
Nele, uma cortina de 100 dólares ponta de estoque
Em nós, o medo e o mito do silêncio.
Bronze o dia as aflições pelo trabalho e pelo sono.
E quando enfim madruga e a jornada de tantas horas parece
[que chega ao fim
Eles dizem que haverá mais
Que haverá mais porque é preciso cansaço para os nossos
[olhos
É preciso sangue
Para que não se possa meditar
Para que sigamos
Máquina aos moinhos
A moer tudo aquilo que somos, tudo aquilo que não
[podemos ser.
(O nome do mapa e outros mitos de um tempo chamado aflição. Ofícios terrestres, 2017)
Futuro
Para Carvalho Júnior
Quando falo das minhas décadas,
da solidão das décadas,
um espelho se abre no chão:
é como se eu voltasse ao útero,
raro, vazio,
e a vida inteira escapasse
como a cigana que escondeu as cartas da infância.
(O nome do mapa e outros mitos de um tempo chamado aflição. Ofícios terrestres, 2017)
Rejeição
Teu olhar ginecológico
habita o meu aquário
de usuras e medos.
Profissional, asséptico e vidrado
o deslocar dos teus olhos
ofende o meu útero,
cansado da espera.
Enquanto me curo da tua ausência
da tua face clínica e distante,
que jamais arranca o chamado do teu apelo,
bordo a falsa flor,
laureada de armadilha,
clandestina
como a agulha que não soube usar
e que espetei na casa mais alta do teu coração
(A casa mais alta do teu coração. Laranja Original, 2022)
Pedido
Espia,
quero voltar ao teu ventre;
me guarda de novo, pra sempre?
(A casa mais alta do teu coração. Laranja Original, 2022)
CLARISSA MACEDO (Salvador/BA), licenciada em Letras Vernáculas, mestra em Literatura e Diversidade Cultural, doutora em Literatura e Cultura, é escritora, revisora, agente cultural, editora, pesquisadora e professora. Apresenta-se em eventos pelo Brasil e exterior (Colômbia, Cuba, Espanha, Peru, Polônia, Portugal). Integra coletâneas, revistas, blogues e sites. Publicou as plaquetes O trem vermelho que partiu das cinzas (2014/2021) e Missal ou o livro das falenas (2023) e os livros Na pata do cavalo há sete abismos (Prêmio Nacional da Academia de Letras da Bahia, 2014/2021; traduzido ao espanhol por Verónica Aranda, editorial Polibea, Madrid, 2017; e por Manuel Barrós e Óscar Limache, editorial Kronos, Peru, 2023), O nome do mapa e outros mitos de um tempo chamado aflição (2019) e A casa mais alta do teu coração (Prêmio Biblioteca do Paraná, 2021/2022). Integrou, em 2018, o Circuito de Autores do Arte da Palavra, do SESC. É a idealizadora/organizadora/curadora do Encontro de Autoras Baianas — Marcas Contemporâneas e do Sarau Cartografias. Gerencia o Portal da Palavra.
Contatos:
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