Sacada Literária

Cultura, crítica e divulgação

PALOMITAS – cine cult [indicações de hoje]

A trilogia barroca de Denys Arcand

 

por Bioque Mesito

 

 

 

O DECLÍNIO DO IMPÉRIO AMERICANO

Título original: Le Déclin de l’empire Américain

Direção: Denys Arcand

Gênero: Comédia/Drama

País/Ano: Canadá, 1986

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Uma festa intelectual e existencial

 

Em meio a panelas borbulhantes e pesos na academia, O Declínio do Império Americano nos leva para uma jornada única através de conversas ousadas, paixões ardentes e reflexões existenciais. Dirigido por Denys Arcand e lançado em 1986, este filme canadense de comédia dramática mergulha no universo dos intelectuais, explorando as complexidades das relações entre homens e mulheres em uma noite que transcende o trivial.

A trama se desenrola entre quatro professores universitários e suas parceiras, todos personagens ricos e multifacetados. No pitoresco cenário à beira do Lago Memphremagog, as conversas sobre traições, aventuras amorosas, política e vida universitária são intercaladas entre homens e mulheres, revelando as verdadeiras identidades de cada um. Os diálogos são afiados, repletos de humor ácido e reflexões profundas sobre a sociedade contemporânea.

O embate intelectual, sob uma análise à luz das teorias de Bourdieu, torna-se um campo de luta onde os personagens formulam, escolhem e discutem suas intimidades, oferecendo um microcosmo social em constante movimento. A película nos questiona se as reflexões filosóficas são uma aposta mais eficaz do que a luta de classes, enquanto aborda a decadência das teorias explicativas que marcaram os anos 1980.

A segunda metade do filme nos presenteia com um jantar tenso, onde homens e mulheres se encontram para um embate verbal. As conversas revelam o clima da época, marcado por uma revolução de ideias e a busca da felicidade individual em detrimento do coletivo. Os personagens autoavaliativos discutem moral, liberação sexual, valor da intelectualidade e conhecimento, oferecendo uma reflexão aguçada sobre as transformações sociais.

Contudo, o filme não se abstém de críticas. Uma nota de preconceito emerge na representação sexualizada de um professor africano e na visão estereotipada de garotas orientais. Esses momentos revelam as sutilezas e complexidades das interações sociais da época, explorando temas sensíveis com uma abordagem provocativa. Os protagonistas, interpretados por nomes como Michel Piccoli, Jane Birkin e outros, entregam performances magistrais, contribuindo para a atmosfera vibrante do filme. O Declínio do Império Americano foi aclamado pela crítica e público, recebendo reconhecimento pela inovação e pela coragem ao explorar os dilemas da sociedade da época.

Este filme atemporal transcende as décadas, oferecendo uma festa intelectual e existencial que nos convida a refletir sobre as mudanças sociais, as paixões humanas e a complexidade das relações, uma experiência cinematográfica que desafia e envolve, mantendo seu status como um clássico do cinema contemporâneo.

 

 

 

 

 

 

 

AS INVASÕES BÁRBARAS

Título original: Les Invasions Barbares

Direção: Denys Arcand

Gênero: Comédia/Drama

País/Ano: Canadá, 2003

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Um toque de humor na jornada da despedida

 

Em As Invasões Bárbaras, dirigido por Denys Arcand, somos levados a uma emocionante jornada de despedida protagonizada por Rémy, interpretado de maneira brilhante por Rémy Girard. À beira da morte e confrontando seu passado, Rémy busca a reconciliação e a paz interior, guiado por seu filho ausente, Sébastien, vivido por Stéphane Rousseau, além de contar com o apoio de sua ex-mulher e velhos amigos.

O filme, lançado em 2003, foi uma continuação de O Declínio do Império Americano, também dirigido por Arcand. Rémy Girard, com sua performance tocante, guia o espectador por uma narrativa que equilibra habilmente humor e reflexão sobre a vida, a morte e as relações humanas. Stéphane Rousseau entrega uma interpretação convincente como Sébastien, o filho que retorna para acompanhar o pai em seus momentos finais. A dinâmica entre pai e filho é explorada com sensibilidade, tocando nas complexidades de relacionamentos familiares e na busca por redenção.

O filme obteve reconhecimento internacional, incluindo o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 2004. Essa conquista evidencia não apenas a maestria na direção de Denys Arcand, mas também a capacidade do elenco em transmitir a profundidade das emoções presentes na narrativa. As Invasões Bárbaras não se limita a ser uma história de despedida, mas também aborda temas como amizade, amor e arrependimento. A trilha sonora envolvente e a cinematografia cuidadosa contribuem para a construção de uma atmosfera que mistura melancolia e celebração da vida.

Particularmente marcante é a abordagem sutil de questões sociais e políticas ao longo do filme. O título do filme refere-se não apenas ao contexto histórico, mas também à invasão da vida de Rémy pela doença e pela necessidade de reconciliação. Essas nuances adicionam camadas de significado à trama.

As Invasões Bárbaras nos faz rir, chorar e refletir sobre a condição humana. A habilidade de Arcand em tecer uma narrativa tão rica em nuances emocionais e sociais é o que o eleva a um status de destaque no cenário cinematográfico, sendo ao mesmo tempo comovente e inspiradora.

 

 

 

 

 

 

A ERA DA INOCÊNCIA

Título original: L’âge des Ténèbres

Direção: Denys Arcand

Gênero: Comédia/Drama/Fantasia

País/Ano: Canadá, 2007

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Entre sonhos e realidade

 

Denys Arcand nos brinda com uma comédia satírica em A Era da Inocência, explorando as dualidades entre os sonhos e a monotonia da vida cotidiana. Marc Labrèche assume o papel de Jean-Marc LeBlanc, um cidadão comum que, enquanto enfrenta a banalidade de seu trabalho e a falta de atenção em casa, encontra refúgio em um mundo de sonhos vibrantes.

A trama inicia-se com Jean-Marc perdido em suas fantasias, onde se vê como um cavaleiro corajoso e uma estrela dos palcos, contrastando ironicamente com sua existência mundana. Denys Arcand utiliza um humor refinado para criticar a sociedade contemporânea, imersa no politicamente correto e na busca incessante por uma vida mais emocionante. A habilidade de Jean-Marc de escapar para seus sonhos é tanto hilária quanto tocante, proporcionando ao espectador um escape cômico das realidades mundanas. A comédia se estende ao seu trabalho, onde o politicamente correto é submetido ao absurdo, resultando em situações inusitadas e divertidas.

O elenco, liderado por Marc Labrèche, entrega performances convincentes, mantendo o equilíbrio entre o humor e as reflexões sociais propostas por Arcand. A cinematografia sutil e os detalhes visuais capturam a dualidade entre a monotonia e a imaginação vívida. Ao encerrar a trilogia com A Era da Inocência, iniciada com As Invasões Bárbaras e O Declínio do Império Americano, Arcand apresenta uma visão contemporânea controversa, explorando temas complexos de maneira satírica que nos faz mensurar as particularidades da sociedade neste desenfreado desejo de mais e mais e mais.

Embora a segunda metade de A Era da Inocência perca um pouco do ímpeto inicial, ainda proporciona uma jornada divertida e crítica. Porém, o desfecho do filme deixa a desejar, culminando de forma insatisfatória. Apesar disso, a obra continua a tradição de Arcand de abordar temas contemporâneos com um toque irreverente. Mesmo com seus altos e baixos, oferece uma perspectiva única sobre a vida, os sonhos e a busca pela felicidade.

 

 

 

 

 

 

    Foto: Divulgação

                      

 

 

Bioque Mesito