Matilde Campilho
buscar no afeto um sinal
caso desapareça, fitar os olhos em outra sensação
encarar a sinestesia como a um dilúvio
escrever poemas como quem lê em um trem: Walter Benjamin
mais um vencedor
filhos que voltam para casa
depois do amor despedaçar
são guerrilheiros
do afeto
a certeza da sensação pré-choro
me faz pensar em um livro que emprestei
e não devolveram
continuo firme como se o tivesse dado
sentei em uma cafeteria apenas para observar
a ingratidão do teu olhar
desconhecido
tu não me deves nada, eu não te devo tanto
somos ímpares em sermos nós e
mesmo assim, amanhã
posso te cativar a ponto
de necessitar
até mesmo
do teu
desprezo.
Yasmin Nigri
aqueles dois carros que estacionaram
em frente a tua porta
são para que lembres
que não vais a lugar algum
sem que uma locomotiva
te transporte
aquelas folhas de papel em branco
em frente a teu computador
são para que lembres
que não escreves sem que haja algo
físico para sustentar a perda de
memória instantânea
da tua máquina
aquelas pessoas todas que estão arquivadas
nas tuas conversas de WhatsApp
já foram todas
imensamente importantes ou
anunciantes de produtos
que não te interessam
todas misturadas
em uma caixa in box
que faz lembrar o spam do e-mail
Mário Cesariny
convidei patrícia para assistir um filme
no cinema
a caminho discutimos sobre um antigo livro de Rimbaud
patrícia insistia que a tradução havia sido desviada
achei ousado patrícia falar de uma obra assim
o que diria do filme hollywoodiano que escolhi
mas o que me preocupou aos montes
foi a chuva que cairia depois da sessão
o que nos obrigaria a conversar novamente
sobre a saison ou a cerveja no inferno
de Rimbaud
Adília Lopes
está vendo toda essa bagunça?
perdi meu calendário
e agora orno o tempo
com as mãos
coloco a carroça frente aos bois como fazia meu pai
ao tentar explicar
que não se atentava a prazos
esqueci que a febre da outra noite era
causada de dores emocionais
não manipulam mais remédios de fazer dormir
e agora
já não sei mais se hoje é ontem
ou será amanhã
a única coisa que me afirma agora
é que sei onde estou: no brasil
C. H.
O mar estava mexido
deu pra nadar
só que mais devagar
onda sobre onda
sem alcançar o ponto final
com tanta pressa
isso significa
que a vontade de chegar
só aumenta
mesmo tão longe
não pegar um barco
nadar nadar nadar & nadar
que bonito isso: nadar
até chegar
perto dos teus olhos
da tua boca
e mesmo assim
anunciar – ainda nado, daqui nada
porque bem mais vale a pena a vista.
*
Micaela Tavares mora na Ilha de São Luís do Maranhão, seu primeiro livro, Tenho reparado nos ipês pela cidade (2021) foi publicado pela Editora Folheando, também publicou Falésia (2022) a partir da seleção da Lei de acesso à cultura Aldir Blanc pela SECMA. Estudante de Direito e pesquisadora de direitos LGBTQ+.
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