Sacada Literária

Cultura, crítica e divulgação

Poster do filme "Pobres Criaturas" - fonte: diariodevenusville.com

PALOMITAS – cine cult [indicações de filmes]

BELAS E ENIGMÁTICAS

por Bioque Mesito

 

COMO PLANEJAR UMA ORGIA EM UMA PEQUENA CIDADE

Título original: How to Plan an Orgy in a Small Town

Direção: Jeremy Lalonde

Gênero: Comédia

País/Ano: Canadá, 2016

 

Erótico só para os sensíveis

Como planejar uma orgia em uma pequena cidade é uma comédia picante que coloca em foco a vida de Cassie Cranston, interpretada com charme por Jewel Staite. A trama se desenrola na pequena cidade de Beaver’s Ridge, onde Cassie, uma ex-meretriz que se tornou colunista sexual, retorna para o funeral de sua mãe. O que ela não esperava era ser arrastada para um plano ousado por seus antigos colegas de escola: planejar uma orgia.

Os personagens que compõem a trama são verdadeiras peças de um quebra-cabeça excêntrico e divertido. Desde Cassie, uma mulher destemida e carismática, até seus amigos de infância, cada um com suas próprias motivações e segredos, o elenco entrega performances memoráveis. Destaque para a química entre Jewel Staite, Katharine Isabelle e Jonas Chernick, que dão vida a esses personagens de forma vibrante e cativante.

O filme conquistou diversos prêmios, incluindo o reconhecimento pelo roteiro inteligente e pela habilidade em abordar temas controversos com humor e sensibilidade. A direção habilidosa de Jeremy Lalonde garante que a narrativa flua de maneira envolvente, enquanto os diálogos afiados e as situações absurdas garantem risadas do início ao fim.

As particularidades sutis do filme estão na forma como ele equilibra comédia e reflexão sobre temas como amizade, sexualidade e autoaceitação. Não é apenas uma comédia superficial sobre uma orgia planejada, mas sim uma jornada emocionante sobre o valor da amizade e a importância de ser verdadeiro consigo mesmo.

Como planejar uma orgia em uma pequena cidade é um filme que vai além das expectativas e não espere cenas +18, pois apesar do título, o filme é essencialmente introspectivo sobre os dramas da sexualidade e do amor, surpreendendo o espectador com sua originalidade e profundidade. Uma comédia que não tem medo de ousar e que certamente deixará uma marca duradoura na memória de quem a assistir.

 

 

 

 

 

 

INTERIORES

Título original: Interiors

Direção: Woody Allen

Gênero: Drama

País/Ano: Estados Unidos, 1978

 

Além das crises familiares

A obra-prima de Woody Allen, Interiores, transcende as expectativas dos fãs habituados às suas comédias icônicas. Lançado em 1978, este filme marca uma incursão do diretor em um território mais sombrio e introspectivo, influenciado sem sombras de dúvidas pelo existencialismo cinematográfico de Ingmar Bergman.

A trama segue a desintegração de uma família burguesa de Nova Iorque após o divórcio de Eve e Arthur. O filme mergulha nas profundezas da psique de cada membro da família, destacando suas lutas internas e relacionamentos complexos. Renata, uma escritora insatisfeita, Joey, em crise de identidade, e Flyn, uma atriz frustrada, são retratadas com uma profundidade impressionante, enquanto Eve, a matriarca em declínio mental, serve como o epicentro do drama.

Interiores reflete não apenas a profissão de Eve, mas também a exploração dos conflitos internos de cada personagem. Allen habilmente utiliza simbolismos, como o constante uso do mar como metáfora da inquietação da alma dos personagens, e a introdução de Pearl, uma personagem colorida e despreocupada, como um contraponto ao peso existencial dos outros.

A direção de arte e fotografia são igualmente impressionantes, com uma paleta de cores sombrias que refletem o estado psicológico dos personagens. Os atores entregam performances soberbas, elevando ainda mais a narrativa intensa e emocional.

Interiores foi aclamado pela crítica, rendendo a Woody Allen cinco indicações ao Oscar. Destacam-se as atuações de Diane Keaton, Geraldine Page e Kristin Griffith, que receberam elogios por suas interpretações cativantes. O filme ganhou destaque por sua abordagem sutil dos temas existenciais e familiares, marcando um ponto alto na carreira do diretor.

Esta realização artística Interiores é uma obra envolvente e reflexiva que se destaca na filmografia de Woody Allen, demonstrando sua versatilidade como cineasta e sua habilidade de explorar temas profundos com sensibilidade e profundidade, movendo-nos para uma atmosfera densa e lírica ao mesmo tempo.

 

 

 

 

 

POBRES CRIATURAS

Título original: Poor Things

Direção: Yorgos Lanthimos

Gênero: Drama/Comédia/Mistério

País/Ano: Estados Unidos / Reino Unido / Irlanda do Norte, 2023

 

O sofrimento em um corpo estranho 

 Pobres Criaturas é uma ode à estranheza, um conto de amor e escândalo mergulhado em uma era vitoriana reimaginada, uma Frankstein distópica. Dirigido por Yorgos Lanthimos e produzido por uma formidável Emma Stone, que também brilha como protagonista, o filme transcende as fronteiras do romance e da ficção científica para nos apresentar uma história que é tão perturbadora quanto cativante.

No centro desta trama está Bella Baxter, interpretada com maestria por Emma Stone, uma mulher bela e enigmática trazida de volta à vida por um cientista excêntrico, o doutor Godwin Baxter, vivido por Willem Dafoe. A substituição de seu cérebro pelo do filho que ainda não nasceu é apenas o ponto de partida para uma jornada tumultuosa e apaixonada.

A fuga de Bella com o advogado Duncan Wedderburn, interpretado por um convincente Mark Ruffalo, é o prelúdio para uma narrativa que atravessa continentes e desafia convenções. Enquanto viajam juntos, Bella se torna uma voz pela igualdade e libertação, desafiando os preconceitos de sua época com uma determinação incomum. O que de certa forma coloca em destaque, sem ser cafona, a realização e o empoderamento femininos como pano central.

Pobres Criaturas recebeu aclamação da crítica e vários prêmios. É um dos fortes candidatos ao Oscar de Melhor Filme em 2024, destacando-se por sua originalidade e execução magistral. Emma Stone e Willem Dafoe entregam performances memoráveis que elevam a história a novos patamares de excelência.

O filme não apenas presta homenagem ao clássico “Frankenstein”, mas também o transcende, explorando temas de identidade, amor e liberdade de uma maneira que é ao mesmo tempo provocativa e comovente. Com uma direção visionária de Lanthimos e uma produção impecável de Stone, Pobres Criaturas é uma experiência cinematográfica que desafia e encanta, deixando uma marca indelével na mente do espectador.

 

 

 

 

 

O PÂNTANO

Título original: La ciénaga

Direção: Lucrecia Martel

Gênero: Drama/Comédia

País/Ano: Argentina, 2001

 

Destroçados destinos

 O Pântano, dirigido por Lucrecia Martel em seu longa de estreia, é uma imersão inquietante no calor sufocante e nos relacionamentos complexos de uma família argentina em uma casa de campo durante um verão abrasador. O filme transporta o espectador para uma atmosfera quase palpável de decadência e opressão, onde os personagens se movem em um ambiente sufocante tanto física quanto psicologicamente.

A narrativa é habilmente tecida em torno de pequenos incidentes que desencadeiam uma série de eventos que revelam a essência dos personagens. A piscina coberta de musgo, que se torna um símbolo visual da deterioração mental e emocional, é onde tudo começa, com um simples acidente doméstico desencadeando uma sucessão de acontecimentos perturbadores.

Os personagens, retratados de forma magistral pela diretora e pelo elenco talentoso, são apresentados de maneira despersonalizada, quase como zumbis, destacando a alienação e a desconexão que permeiam suas vidas. Graciela Borges brilha como Mecha, a matriarca da família, cuja apatia e desespero são palpáveis em cada cena.

Martel demonstra uma compreensão excepcional da importância do som no cinema, utilizando-o não apenas como um complemento naturalista das imagens, mas como uma expressão autônoma da realidade. A trilha sonora intensifica a atmosfera opressiva do filme, criando uma experiência sensorial envolvente e perturbadora.

O enredo fragmentado e fluído de O Pântano desafia as convenções tradicionais de narrativa, privilegiando a observação meticulosa dos detalhes e das interações sutis entre os personagens. Não há uma trama central definida, mas sim uma série de momentos reveladores que destacam a banalidade e a crueldade da existência humana.

O Pântano recebeu aclamação da crítica e vários prêmios, incluindo o Grande Prêmio do Júri no Festival de Cinema de Veneza, solidificando o status de Lucrecia Martel como uma das cineastas mais talentosas e inovadoras de sua geração, sendo intitulado por muitos críticos do cinema como o melhor filme argentino de todos os tempos.

O Pântano é hipnotizante e provocativo que desafia as expectativas do público e oferece uma visão penetrante da condição humana em um ambiente opressivo e sufocante, principalmente da sociedade argentina. Uma obra-prima do cinema argentino contemporâneo que merece ser vista e discutida.

 

 

 

 

 

 

O MARIDO DA CABELEIREIRA

Título original: Le Mari de la Coiffeuse

Direção: Patrice Leconte

Gênero: Drama

País/Ano: França, 1990

 

Um desejo de infância

 

O Marido da Cabeleireira é uma joia cinematográfica que encanta pela sua simplicidade e profundidade ao mesmo tempo. Dirigido por Patrice Leconte, o filme nos apresenta Antoine, um homem que desde criança sonhava em casar-se com uma cabeleireira. Interpretado brilhantemente por Roland Bertin na juventude e por Jean Rochefort na idade adulta, Antoine é um personagem cativante, iluminado pela alegria da perseverança e determinação em alcançar seus sonhos.

A trama se desenrola de forma delicada, mesclando passado e presente com maestria. Os flashbacks nos levam à infância de Antoine, onde somos apresentados às suas primeiras descobertas e à sua paixão platônica pela cabeleireira do bairro. Esses momentos nostálgicos são intercalados com a vida adulta de Antoine, onde ele finalmente conhece Mathilde, interpretada por Anna Galiena, uma mulher pela qual depositará todo o amor contido de uma vida.

O filme é pontuado por momentos de pura emoção e humor, como a cena em que Antoine expressa sua felicidade através de uma coreografia inusitada ao som de melodias árabes. A química entre os personagens é palpável, tornando a história ainda mais envolvente. A maneira como Leconte retrata a descoberta do erotismo e da paixão na mente de um rapazinho entrando na adolescência é tocante e autêntica.

Destaque também para a direção de fotografia, que captura com delicadeza a beleza de Mathilde e a alegria de Antoine ao ser correspondido por ela. A simplicidade e competência com que Leconte conduz sua câmera são admiráveis, trazendo as imagens de Mathilde aos pedaços, conforme Antoine a descobre e se encanta por ela.

O Marido da Cabeleireira é um filme reconhecido pela crítica e pelo público, o filme obteve diversos prêmios, destacando-se pelas performances marcantes de seu elenco e pela sensibilidade de sua narrativa. Este filme merece ser descoberto e apreciado por todos aqueles que valorizam uma história bem contada, personagens cativantes e uma dose de nostalgia e humor. Uma verdadeira pérola escondida nas estantes da cinematografia, que encanta e emociona do início ao fim.

 

 

 

 

Bioque Mesito – foto: divulgação